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Lula ignora ataques de Maduro ao Brasil para manter diálogo com ditadura venezuelana

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Lula evitou críticas às manobras eleitorais de Maduro na Venezuela e tem se mantido em silêncio sobre as recentes críticas do ditador ao Brasil (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil.)

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O clima de tensão em torno das eleições venezuelanas também respingou no Brasil nos últimos dias. Com um pleito marcado por irregularidades e manobras do ditador Nicolás Maduro, o autocrata chavista fez ataques ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos últimos dias.

Para analistas, o momento político no país vizinho colocou Lula em uma "sinuca de bico". O petista, que não mediu esforços para sair em defesa do processo eleitoral e de Maduro, tem a imagem sua prejudicada com as eleições venezuelanas.

"Lula está numa "sinuca de bico" uma vez que ele tem que ser o balizador da democracia, mas não pode fazê-lo se continuar ou se quiser continuar sendo um aliado de Maduro. Portanto, há a necessidade do presidente se posicionar e de forma enérgica, Lula não pode agir de forma dúbia ou deixando margem a interpretações em relação à sua fala. Ele deve ser objetivo, seja condenando uma fraude no processo eleitoral ou aceitando e reconhecendo os resultados, caso a oposição ganhe logo de cara", observa o cientista político Valdir Pucci.

O analista pontua ainda que Lula "parece reticente em condenar as ações de Maduro" e isso lhe dá uma imagem dúbia. De acordo com Pucci, a imagem do brasileiro sai prejudicada, pois é vista como "alguém que está apoiando ou que gostaria que realmente houvesse uma vitória de Maduro". "A gente tem que lembrar que o político verdadeiramente democrático não deveria apoiar nem ditaduras de esquerda, nem ditaduras de direita", salienta.

No início deste mês, durante um ato de campanha em Caracas, capital da Venezuela, Nicolás Maduro disse que haveria um "banho de sangue" no país caso ele perdesse o pleito. "O destino da Venezuela, no século 21, depende da nossa vitória em 28 de julho. Se não querem que a Venezuela caia num banho de sangue, numa guerra civil fratricida, produto dos fascistas, garantamos o maior sucesso, a maior vitória da história eleitoral do nosso povo”, disse. Lula afirmou que ficou assustado com as declarações do ditador e, por isso, também virou alvo das críticas de Maduro.

Na concepção do cientista político Adriano Cerqueira, a imagem de Lula já está prejudicada desde as suas declarações sobre as guerras na Europa e no Oriente Médio. Porém, a inércia sobre o regime chavista e os esforços para chancelar as eleições no país, contribuem para piora dessa avaliação do petista.

"Agora que o autoritarismo de Maduro ficou mais que evidente com o processo eleitoral, a gente vê a contradição da política externa brasileira em relação à Venezuela", afirma Cerqueira.

A pressão eleitoral sobre Maduro aumentou desde que o principal nome da oposição para o pleito, a deputada Maria Corina Machado, foi inabilitada de concorrer a eleições por 15 anos.

No poder há 11 anos, o autocrata venezuelano tem sido acusado de realizar manobras eleitorais para se manter no cargo. Maduro endureceu seu discurso eleitoral e fez ameaças em um cenário de derrota. O principal opositor, o diplomata Edmundo Gonzaléz, aparece como favorito para o pleito.

Maduro ataca Lula e TSE, mas petista silencia sobre críticas

O presidente Lula, aliado de Maduro, e o Brasil também entraram na mira dos ataques do ditador. O venezuelano sugeriu que o petista tomasse "chá de camomila" depois que se declarou "assustado" com as afirmações de Maduro sobre o suposto banho de sangue diante do resultado das eleições.

"Eu não contei mentiras. Só fiz uma reflexão. Quem se assustou, que tome um chá de camomila”, disse Maduro sem citar o nome de Lula.

Em um comício nesta terça-feira (23), o ditador venezuelano disse ainda que a Venezuela tem "o melhor sistema eleitoral do mundo" e que, no Brasil, não se audita eleições. "Aqui temos 16 auditorias. Em que outra parte do mundo fazem isso? Nos Estados Unidos? O sistema eleitoral é auditável? No Brasil? Não auditam nenhum boletim. Na Colômbia? Não auditam nenhum boletim", afirmou durante discurso para plateia chavista.

Após os ataques, a presidente do TSE, a ministra Cármen Lúcia, desistiu de enviar servidores do órgão para acompanhar as eleições no próximo domingo (28).

O Planalto e o Palácio Itamaraty, por outro lado, não comentaram as afirmações oficialmente.

Apesar das críticas, a reportagem apurou ainda que a viagem do assessor para assuntos especiais da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, para a Venezuela está mantida. O diplomata, tido como principal articulador da política externa de Lula, estará em Caracas no próximo domingo para acompanhar a votação venezuelana a pedido do próprio presidente Lula. Amorim é visto como um entusiasta do chavismo.

"O posicionamento do governo Lula [sobre Maduro] é ambíguo e a comunidade venezuelana não tem certeza ainda do que esperar. Por um lado, a gente não pode esquecer que Lula relativizou a decadente situação institucional da Venezuela quando falou sobre "democracia relativa", assim como em outras falas defendendo o Maduro", disse o sociólogo venezuelano Guillermo Pérez, que está radicado no Brasil há cinco anos.

Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a razão de Lula não condenar o regime e os ataques de Maduro ao Brasil - e a ele próprio - pode ser motivada pelo receio de estremecer o relacionamento bilateral entre os países ou até mesmo sua aproximação pessoal com o chavismo.

Para especialistas, Lula teme repressão de Maduro e fim das relações

Ao ocupar a presidência venezuelana por mais de uma década, o regime autocrático de Maduro tem controle sobre os principais órgãos do governo, inclusive o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE), que administra e organiza as eleições no país. Nesse sentido, Maduro tem controle sobre os convites e participações de observadores no pleito do país.

O ditador priorizou a participação no pleito de instituições que têm aproximação com o chavismo, como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo.

Recentemente, Maduro retirou o convite feito pelo CNE à União Europeia, que se negou a remover sanções impostas ao país com a condição de permissão para acompanhar as eleições. A observação da entidade era tida como essencial pela comunidade internacional para atestar a suposta lisura do pleito venezuelano.

O autocrata também desconvidou o ex-presidente da Argentina Alberto Fernández. De acordo com Fernández, a motivação foi o endosso feito pelo argentino às declarações de Lula sobre o espanto quanto às ameaças de "banho de sangue" proferidas por Maduro.

"Eles entenderam que a coincidência com o que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, havia expressado um dia antes, gerou uma espécie de desestabilização do processo eleitoral", disse o ex-presidente argentino.

Especialistas comentam que a falta de uma posição firme do presidente brasileiro pode se dar pelo receio de criar mais desconfortos com Maduro.

O sociólogo venezuelano Guillermo Pérez sugere que Lula pode estar tentando evitar ser excluído do processo de observação ao tentar minimizar as críticas a um processo eleitoral "já considerado desigual e injusto".

Pérez critica o histórico de Lula com relação à Venezuela, mas ainda espera que ele respeite o Acordo de Barbados que o Brasil assinou ao lado de Maduro.

O Acordo de Barbados é o instrumento que buscou viabilizar eleições justas e democráticas na Venezuela por meio da negociação com outros países, o regime de Maduro e membros da oposição.

Lula pode convencer Maduro a deixar a presidência em caso de derrota?

Apesar das declarações de Lula sobre o processo eleitoral na Venezuela serem consideradas dúbias, analistas levantam a possibilidade do petista utilizar sua aproximação com o regime chavista para convencer Maduro a deixar a presidência de maneira pacífica em caso de sua derrota no próximo domingo (28).

"Temos a expectativa de que os países acompanhantes, e principalmente o Brasil, que todos consideramos o mais relevante, possa agir nos bastidores para convencer o ditador de que essa eleição, com Edmundo (que é um ator muito moderado) como possível presidente, é uma oportunidade única para construir uma saída institucional e pacífica para o conflito venezuelano que beneficie a todos", incluindo o chavismo de base e seus representantes", avalia Guillermo Pérez.

Essa possibilidade, contudo, não exclui a necessidade de Lula e Celso Amorim agirem de forma rápida e enérgica após o resultado das votações. "O melhor cenário para o Lula seria que ele internamente apresentasse suas críticas e se colocasse contrário a um resultado fraudulento ou a um resultado que não representasse a verdade dos fatos e os interesses da sociedade venezuelana", pontua.

Lula não vai ao país acompanhar o processo eleitoral, mas designou seu assessor e ex-chanceler Celso Amorim para essa missão. Amorim também foi o encarregado de Lula para participar das negociações do Acordo de Barbados.

Valdir Pucci afirma ainda que a missão de Celso Amorim na Venezuela deve se alinhar com a de Lula, ou seja, garantir que uma possível vitória de Maduro não seja aceita caso seja baseada em fraudes, ou reconhecer a vitória da oposição se o processo eleitoral for fraudulento.

Pérez observa que não é certo se Amorim ou Lula conseguirão garantir que Maduro aceite o resultado das eleições, "mas os venezuelanos vão fazer o possível para alcançar um resultado positivo".

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