Indicado por Lula para o STF, o advogado Cristiano Zanin, travou duros embates com o ex-juiz Sergio Moro, que o sabatinará agora como senador.| Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil
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Após quase dois meses de expectativa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicou, em 1º de junho, o advogado Cristiano Zanin Martins, de 47 anos, para o Supremo Tribunal Federal (STF). A indicação foi oficializada em uma edição extra do Diário Oficial da União (DOU), com o encaminhamento ao Senado Federal (veja na íntegra). Vinte dias depois, o Senado aprovou o nome de Zanin para o STF. Foram 58 votos favoráveis à indicação e 18 contrários.

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Advogado do petista desde 2013, Zanin se tornou o maior símbolo da ascensão e queda da Operação Lava Jato, mas no sentido inverso. Se durante anos amargou seguidas derrotas nos processos contra Lula, vendo o cliente ser preso e afastado das eleições de 2018, virou o jogo nos anos seguintes, revertendo as condenações e arquivando as mais de 20 ações e investigações que o alvejavam.

Durante todo esse período, Zanin manteve intacta a mesma linha de defesa: além de alegar a inocência do atual presidente, apontando falta de provas de que teria se beneficiado de desvios da Petrobras, questionou, de forma minuciosa e insistente, inúmeros atos processuais.

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Desde o início, contestou a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para concentrar os casos, obtendo êxito em 2021, quando o Supremo acolheu a tese e anulou as condenações de Lula. Além disso, sempre acusou o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) de parcialidade e os procuradores da extinta força-tarefa de perseguição a Lula – tese também aceita no STF e que levou as investigações à estaca zero e depois à prescrição.

Até hoje, Zanin alimenta a teoria de que Moro e o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagol (Podemos-PR) conspiraram com os Estados Unidos com o objetivo de desmantelar a força da Petrobras no mercado internacional e a entrada de empreiteiras brasileiras no exterior. Valendo-se de mensagens hackeadas trocadas entre os dois, reforçou a narrativa de conluio entre juiz e acusação nos processos da “República de Curitiba”, o que também contribuiu para o desmonte da maior operação de combate à corrupção já vista no país.

Se durante seu auge, a Lava Jato conseguiu avançar conquistando apoio da imprensa e da opinião pública, além de cooperações com outros países para obter provas, Zanin não ficou para trás. Na guerra contra a operação, acionou advogados e juristas renomados fora do Brasil, levando o caso de Lula à Organização das Nações Unidas (ONU), onde também conseguiu uma decisão favorável ao petista, importando para o Brasil a teoria do “lawfare” – junção das palavras “law” (lei, em inglês) e “warfare” (guerra).

“É o uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar o inimigo”, definiu Zanin no livro que lançou em 2019 sobre o tema, em coautoria com sua mulher e sócia, Valeska Teixeira Martins, e o advogado Rafael Valim. Além da contraofensiva contra Moro e Dallagnol, também processou, em nome de Lula, dezenas de jornalistas que também investigavam, em reportagens, suspeitas de corrupção sobre o presidente.

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Mas, além de livrar Lula, Zanin também abriu a porteira do Supremo para inúmeros outros réus na Lava Jato enterrarem seus processos. Numa ação apresentada em 2020, ele afirmou que os arquivos digitais da Odebrecht usados pelo Ministério Público Federal (MPF) para comprovar o pagamento de propina e caixa 2 poderiam estar adulterados, pela "forma obscura" como foram transportados da Suíça para o Brasil. Com isso, conseguiu que o ministro Ricardo Lewandowski, cuja cadeira passará a ocupar, anulasse a validade dos registros como prova e suspendesse inquéritos contra diversos políticos, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), o ex-presidente da Fiesp Paulo Skaf (MDB), entre vários outros.

O sucesso na demolição da Lava Jato deu a Zanin notoriedade no mundo político e fez crescer ainda mais a confiança de Lula em seu advogado. Foram fatores que, desde antes da posse, já o tornavam favorito do presidente para substituir Lewandowski, também indicado por Lula em 2006 e considerado por ele o ministro mais fiel ao PT entre todos os indicados durante os governos do partido. Lula considera que Zanin é leal e não o “trairia” como outros ministros indicados por ele e pela ex-presidente Dilma Rousseff. Petistas se ressentem até hoje de terem apoiado as indicações de Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, pelo viés liberal na área econômica e por terem sido duros nos escândalos de corrupção do partido que chegaram à Corte.

Zanin também acabou conquistando simpatia entre os atuais integrantes do STF. Já se manifestaram a favor de sua indicação Gilmar Mendes, o decano e mais influente ministro da Corte, Cármen Lúcia e Barroso. “É um grande nome, haja vista a vitória que obteve ressuscitando o presidente Lula. E não há quebra do princípio da impessoalidade. A escolha é soberana do presidente, que deve indicar um jurista de cabedal bom na área do direito e da confiança dele. Não há desvio de finalidade”, diz o ministro aposentado Marco Aurélio Mello.

Por causa do perfil comprovadamente garantista, é dado como certo que seu nome será aprovado com relativa facilidade no Senado. Apesar disso, nos últimos meses, Zanin enfrentou resistência no mundo político, e não apenas de opositores de Lula no campo da direita, incomodados com a proximidade com o petista; e de apoiadores da Lava Jato, receosos de que sua entrada no STF aprofundará ainda mais o revés no combate à corrupção.

Indicação

Lula confirmou a escolha para o STF em 1º de junho, por volta das 13h45, por meio das redes sociais. Ele afirmou que já era esperada a indicação de Zanin para o STF, que conhece as qualidades do advogado e acha "que o Brasil irá se orgulhar".

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"Já era esperado que eu fosse indicar o Zanin para o STF, não só pela minha defesa, mas porque eu acho que se transformará em um grande ministro da Suprema Corte. Conheço suas qualidades, formação, trajetória e competência. E acho que o Brasil irá se orgulhar", afirmou o petista.

Resistência na esquerda

Houve e ainda há fortes reservas a Zanin sobretudo na esquerda. Petistas e advogados que preferiam outros nomes dizem que, fora a atuação na Lava Jato, pouco se sabe sobre o que Zanin pensa em temas caros ao campo progressista. “É um grande advogado, mas é profundamente conservador e enigmático. Nada se sabe sobre o que pensa sobre a questão tributária, criminalização da homofobia, direito agrário, movimentos sociais”, diz um advogado que circula nas rodas do partido e influente sobre o núcleo duro do governo.

Há dúvida se Zanin seria realmente bom para o governo Lula, que neste início de mandato já sofre razoável oposição no Congresso e na sociedade. O temor é de que, como outros indicados por Lula, o advogado não dê atenção ao PT e à esquerda – Zanin sempre disse, aliás, que nunca foi filiado ao partido e nunca militou na política.

Em 2017, entrevistado por um veículo de Piracicaba, cidade onde nasceu, ele disse que tinha como referência na advocacia Sobral Pinto, advogado de direita que se notabilizou no Estado Novo e na ditadura militar por defender perseguidos políticos comunistas.

“Ele era uma pessoa conservadora, mas, na atuação dele como advogado, isso era absolutamente irrelevante. Ele defendeu pessoas de um espectro ideológico totalmente diferente e com a mesma altivez e pugnacidade com que defendia pessoas que estavam no mesmo espectro ideológico dele. Além da sabedoria jurídica, ele associava esse lado combativo e de indignação com a injustiça”, disse Zanin.

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Parte da desconfiança se deve ao histórico do advogado antes de defender o presidente. Formado na PUC de São Paulo em 1999, Zanin se especializou em processo civil e direito empresarial. Recentemente, voltou a essas áreas para defender a J&F, em um acordo de leniência, e as Lojas Americanas, que enfrenta litígios com credores após a descoberta de uma fraude contábil, na qual foi revelado um rombo de R$ 20 bilhões nas contas.

Pela ligação com o alto empresariado, petistas têm suspeitas sobre seus vínculos, pois acham que, com a toga sobre os ombros, pode se virar contra a esquerda tradicional. “O pessoal tem medo que seja um Barroso 2.0”, resume um magistrado que também conhece bem esse grupo.

“É difícil saber o que disso tudo procede. E ninguém conhece mais o Zanin que o Lula”, diz uma advogada influente em Brasília. Para ela, a maioria das críticas vem de gente que gostaria de outro nome para o STF. Campanhas contra favoritos sempre ocorrem nos bastidores quando surge uma vaga no tribunal, porque a disputa é grande. Dessa vez, o mais forte concorrente de Zanin era o advogado da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e ex-secretário-geral do STF Manoel Carlos de Almeida Neto, ex-assessor de Lewandowski e preferido dele para a vaga.

A oposição a Zanin em segmentos próximos de Lula, no entanto, não deverá impedir sua aprovação no Senado. Embora o advogado não faça parte de “panelinhas” conhecidas da advocacia de Brasília, buscou se aproximar nos últimos meses de parlamentares, para ganhar simpatia. É descrito como alguém muito polido e gentil, o que agrada à classe política, sempre interessada em criar pontes com o STF e ser bem recebida nos gabinetes dos ministros.

Sabatina no Senado

O senador Magno Malta (PL-ES), que já sabatinou boa parte dos atuais ministros, sempre de forma crítica ao ativismo judicial e a pautas de esquerda, reconhece que Lula tem liberdade para fazer a escolha de forma discricionária.

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“Ele [Zanin] vai ser sabatinado e a gente espera que não seja uma coisa de homologar, quando três ou quatro [senadores] indagam e o resto faz elogios ao currículo que se tivessem um título seria assim: ‘lembra-te de mim’. Nesse caso, não se sabe se se elege um julgador ou um 'blindador'. Espero que o Senado, que hoje tem outra composição na Comissão de Constituição e Justiça, atue como uma banca examinadora. Sou daqueles que acham que deveríamos ter um indicado que fosse juiz, desembargador, que esteve num tribunal. Quando um presidente indica um advogado para dentro do Supremo, ele entra para advogar as questões de quem o indicou, e isso perpetua o ativismo judicial, e esse é meu temor”, afirma o senador.

Aprovado pelo Senado, Zanin poderá ficar no STF até 2050, quando completa 75 anos, idade da aposentadoria compulsória no Judiciário.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]