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A última ação penal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava Jato em Curitiba vai voltar pela segunda vez à fase de entrega das alegações finais – última etapa antes da sentença do juiz. O processo é referente à compra de um terreno para a construção de uma nova sede para o Instituto Lula e ao aluguel de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP). O caso estava pronto desde maio para sentença do juiz Luiz Antônio Bonat, que substituiu Sergio Moro na Lava Jato de Curitiba. Mas uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) vai fazer com que a ação penal volte à fase anterior.
A Segunda Turma do Supremo decidiu na terça-feira (4) que a os advogados de Lula têm o direito a ter acesso aos termos do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht. para elaborar seus argumentos de defesa.
Na prática ,os advogados poderão analisar dados sobre o sistema de pagamento de vantagens indevidas da construtora, e não apenas documentos relacionados ao ex-presidente. Os ministros também decidiram, por 2 votos a 1, excluir a delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci dos autos do processo.
Essa será a segunda vez que o processo vai voltar para a fase de entrega das alegações finais. Em agosto do ano passado, o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, determinou que o prazo para as manifestações fosse reaberto, depois que o tribunal entendeu que réus delatados têm o direito de falar por último, ou seja, depois dos delatores (que fazem as acusações).
Do que Lula é acusado
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), entre 2010 e 2014, o executivo Marcelo Odebrecht prometeu uma propina no valor de R$ 12,4 milhões para o ex-presidente Lula, paga na forma da aquisição de um terreno para a construção de uma nova sede para o Instituto Lula.
O MPF afirma que, para receber a propina, Lula contou com o auxílio de um seus advogados, Roberto Teixeira, e também do ex-ministro Antonio Palocci. O terreno foi comprado por Glaucos da Costamarques e pela DAG Construtora, que agiram como “laranjas” da Odebrecht. A construção da nova sede do instituto, porém, nunca ocorreu.
No mesmo processo, o MPF também denunciou Lula, Glaucos e Teixeira por lavagem de dinheiro no valor de R$ 504 mil, realizado através da aquisição em favor de Lula de um apartamento em São Bernardo do Campo. O imóvel foi mantido no nome de Glaucos, mas foi adquirido com recursos da Odebrecht por intermédio da DAG.
Lula também pode ser beneficiado por outra decisão do STF
O julgamento da terça-feira no STF também deu um indicativo de como a Corte pode se posicionar sobre outro caso da Lava Jato que envolve Lula.
A Segunda Turma do STF deve retomar ainda neste ano o julgamento de um recurso da defesa de Lula que pede que o ex-juiz federal Sergio Moro seja declarado parcial e suspeito nos julgamentos do petista. Até agora, dois ministros já votaram contra a suspeição de Moro: Cármen Lúcia e Edson Fachin.
O julgamento sobre a delação de Palocci no caso do processo do Instituto Lula mostrou que a tese da suspeição de Moro ganhou força no colegiado.
Mas o pedido de suspeição de Moro envolve outro processo: é o caso do tríplex no Guarujá. Lula foi condenado por Moro em 2017 por corrupção e lavagem de dinheiro e já cumpriu parte da pena em regime fechado, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Os advogados de Lula querem a suspeição de Moro a anulação do processo. Entre os argumentos listados pela defesa para alegar que Moro foi parcial e agiu politicamente ao conduzir o caso está justamente a delação de Palocci.
A defesa alega que o levantamento do sigilo de parte da delação do ex-ministro Antônio Palocci, determinada por Moro a uma semana das eleições de 2018, demonstraria a parcialidade do ex-juiz. Isso seria reforçado pelo fato de Moro ter assumido o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, principal adversário político do PT nas últimas eleições presidenciais.
Pelo menos o argumento de que Moro quebrou a parcialidade ao levantar o sigilo da delação de Palocci uma semana antes das eleições de 2018 foi aceito por parte dos ministros no julgamento desta semana, no recurso referente ao processo do terreno do Instituto Lula.
A defesa de Lula expõe outros argumentos para embasar seu pedido de parcialidade de Moro: a) a condução coercitiva do ex-presidente sem prévia intimação para o petista depor; b) a quebra de sigilo telefônico, inclusive de advogados do ex-presidente; c) divulgação ilegal dos áudios que foram fruto da interceptação, como o que mostra uma conversa entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff que, na época, tinha foro privilegiado; d) a condenação imposta a Lula no caso do tríplex; e) a atuação de Moro para impedir que Lula fosse solto quando o TRF-4 concedeu um habeas corpus ao petista, em julho de 2018; f) o fato de um interrogatório de Lula no processo do sítio em Atibaia ter sido adiado por causa das eleições, para impedir o ex-presidente, que era candidato, de aparecer publicamente. Posteriormente, Lula teve a candidatura barrada pelo TSE.
O habeas corpus para o STF declarar a suspeição de Moro foi protocolado pela defesa de Lula em 2018 e começou a ser julgado no final daquele ano. Mas foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do ministro Gilmar Mendes.
Já em 2019, a defesa do ex-presidente acrescentou aos argumentos da suspeição de Moro parte das conversas atribuídas a Moro e a membros da Lava Jato divulgadas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa.
O caso foi retomado na Segunda Turma do STF na última sessão antes do recesso de julho de 2019. Por causa de seu voto extenso, Gilmar Mendes sugeriu que a Turma concedesse uma liminar para libertar Lula até que o mérito do caso terminasse de ser julgado. O placar foi de 3 a 2 contra a concessão do habeas corpus.
O ministro Celso de Mello, que votou contra a liminar, esclareceu que seu voto no mérito do processo pode ser diferente, dando indicativos de que pode reverter o placar a favor de Lula quando o caso for retomado.
O caso ainda depende de liberação de Gilmar Mendes para ser pautado na Segunda Turma. Em novembro, Celso de Mello se aposenta e será substituído por um ministro indicado por Bolsonaro. Se o caso for julgado antes da nomeação, porém, pode terminar empatado, o que favorece Lula (em casos de empate, o pedido de suspeição seria aceito, pois a lei privilegia o réu nessa situação).
Possíveis efeitos de Moro ser declarado suspeito
Se os ministros do STF decidirem que Moro não é suspeito nos julgamentos de Lula, nada muda para a Lava Jato.
Se a decisão for no sentido oposto, porém, pode haver várias consequências. Se os ministros decidirem que Moro foi parcial ao julgar Lula, a sentença do caso tríplex seria anulada. Nesse caso, um novo juiz teria que analisar o caso.
A decisão dos ministros também pode ter impactos em outros dois processos de Lula na Lava Jato que foram conduzidos por Moro. No caso referente ao sítio em Atibaia (SP), Lula já foi condenado. Mas não por Moro, e sim pela pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu temporariamente o ex-ministro da Justiça. Se a sentença for anulada, Lula pode ter o caminho livre para disputar as eleições de 2022, já que deixaria de ser ficha suja.
O segundo processo é referente à compra de imóveis pela Odebrecht, que vai voltar pela segunda vez à fase de entrega de alegações finais.
Em tese, os ministros do STF podem decidir que, mesmo Moro não sendo mais o responsável pelo caso, os dois processos têm de voltar à estaca zero porque o ex-juiz foi quem conduziu as investigações. Isso faria com que as denúncias do MPF precisassem ser analisadas por outro juiz.
A consequência mais desastrosa para a Lava Jato será se os ministros do STF decidirem anular a coleta de provas contra o ex-presidente na Operação Aletheia, a 24.ª fase da Lava Jato – que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao petista e que colheu o depoimento do ex-presidente por meio de um mandado de condução coercitiva contra Lula. Nesse caso, as provas seriam inutilizadas e as investigações, denúncias e processos decorrentes delas, anulados.
O tamanho do estrago só vai ser possível de analisar depois do julgamento da suspeição de Moro pelo STF. Ao proclamar o resultado, os ministros definem as consequências da decisão.