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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou com veto parcial, nesta sexta-feira (20), o projeto de lei que estabelece o Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. A proposta foi aprovada pelo Congresso no final do mês passado e muda o critério para estabelecer os direitos territoriais dos povos originários. O petista analisou o tema até o último dia possível para a decisão sobre sanção ou veto, que era esta sexta.
A tese do Marco Temporal estabelece que só podem ser demarcadas as terras que já estavam ocupadas pelos indígenas na data de promulgação da atual Constituição, em 5 de outubro de 1988. O petista vetou justamente o trecho que definia tese do marco temporal. Neste quesito, o governo acompanhou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
A sanção desse trecho em especial era defendida pelo agronegócio, que poderia ser alvo de novas ações de entidades de representação dos povos originários. "O presidente Lula decidiu por vetar o marco temporal respeitando integralmente a Constituição brasileira. Sobram alguns artigos que tem coerência com a política indigenista brasileira", disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Entre os itens vetados, estão os que previam indenizações a ocupantes de boa-fé de terras indígenas (artigo 11), a possibilidade de cultivo de produtos transgênicos e de atividade garimpeira em terras indígenas e o trecho que possibilitaria a construção de rodovias nessas áreas. No entanto, Lula sancionou alguns trechos da proposta aprovada pelo Congresso que fixam regras sobre demarcações. Agora, cabe ao Congresso decidir se mantém ou derruba os vetos presidenciais.
"Vetei hoje vários artigos do Projeto de Lei 2903/2023, ao lado da ministra Sonia Guajajara e dos ministros Alexandre Padilha e Jorge Messias, de acordo com a decisão do Supremo sobre o tema. Vamos dialogar e seguir trabalhando para que tenhamos, como temos hoje, segurança jurídica e também para termos respeito aos direitos dos povos originários", disse o presidente na rede social X. O texto deve ser publicado em uma edição extra do Diário Oficial da União (DOU) ainda nesta sexta-feira.
A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) afirmou que o veto à tese principal prevista no PL do Marco Temporal é um “atentado contra a própria soberania nacional”. A parlamentar apontou que, por exemplo, a impossibilidade de construção de estradas nessas regiões gera dificuldade da chegada de saúde e educação em algumas comunidades indígenas e “condena o povo ao isolamento”.
Para Waiãpi, “com certeza” os vetos de Lula cairão no Congresso. Além disso, ela ressaltou que a decisão sobre o Marco Temporal pode impactar na tramitação de outras pautas importantes para o governo. A deputada afirmou ainda que o veto causa “instabilidade jurídica” e que os parlamentares já estão se articulando e esperando a documentação oficial para definir o próximo passo no Parlamento.
Marco temporal gerou atrito entre Congresso e STF
A discussão sobre o Marco Temporal colocou o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) em rota de colisão ao longo dos últimos meses, em que os parlamentares alegaram que os magistrados estavam interferindo na separação entre os Poderes da República ao analisar ações que pediam demarcações.
No final de setembro, os ministros do STF derrubaram a tese por 9 votos a 2. A decisão foi vista por parlamentares como “usurpação de competências”, o que levou o Legislativo a avançar com o projeto de lei que estabelece o Marco Temporal, que foi aprovado no Senado por 43 a 21 apenas seis dias após o julgamento no Supremo.
“Há contínua usurpação de competência pelo Supremo Tribunal Federal em temas como legalização das drogas, descriminalização do aborto, direito de propriedade e legítima defesa, entre outros”, questionou a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em nota, após a decisão do STF.
O resultado do julgamento foi alvo de intensas críticas, sobretudo vindas de produtores rurais, que temiam que a medida motivasse uma enxurrada de invasões ilegítimas e pedidos de revisão de ações já julgadas no passado.
Mesmo no STF, a decisão de derrubar o Marco Temporal não foi unânime e gerou debates principalmente na possibilidade do pagamento de uma indenização, por parte da União, a produtores rurais ou outros proprietários que venham a ser afetados pela demarcação.
Na prática, a decisão do Supremo permitia que áreas em que tribos indígenas não comprovassem que já residiam antes de 1988 – terras que podem ter sido invadidas pelas tribos, por exemplo – poderiam ser consideradas de propriedade das etnias.
De acordo com o Censo de 2022 do IBGE, atualmente há cerca de 600 mil indígenas vivendo em áreas já demarcadas, que correspondem a quase 14% do território brasileiro. Desde a aprovação do projeto de lei no Senado, ativistas da causa indígena organizaram forte mobilização para que Lula vetasse o projeto de lei.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) – entidade ligada à ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara – afirmou que o setor do agronegócio, ao encabeçar as tratativas para o avanço do Marco Temporal no Congresso, pretendia “mudar o rumo da história e agravar a crise climática”. “Uma medida que ignora o extermínio e expulsão de milhões de indígenas ao longo da história”, diz a entidade em um manifesto publicado nas redes sociais.
Por outro lado, a tese do Marco Temporal também não era unânime dentro do próprio governo. Enquanto que ministras como Marina Silva (Meio Ambiente) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas) eram a favor, Carlos Fávaro (Agricultura) chegou a ser contra e, depois, passou a defender uma solução alternativa para contemplar os direitos dos povos originários e do agronegócio. Já Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e o senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, eram a favor de parte da proposta.
Desde a campanha presidencial de 2022, Lula tem defendido a retomada dos processos de demarcação de territórios indígenas – foram oito demarcações oficializadas neste ano, e há expectativa de que mais seis sejam homologadas até dezembro.