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Enquanto diversos países condenam as últimas decisões antidemocráticas do ditador Nicolás Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não se posicionou sobre as manobras políticas do venezuelano. Com eleições presidenciais previstas para este ano no país, Maduro tornou sua principal concorrente inelegível pelos próximos 15 anos. A decisão é vista como mais uma ação do ditador para se manter no posto de presidente - que já ocupa há mais de uma década.
A demora de Lula em falar sobre o tema pode ser motivada pelo receio de que um hipotético comentário do petista pudesse estremecer a relação bilateral ou pela cautela após as diversas declarações contraditórias que já fez sobre Maduro e seu regime.
Neste ano, o Brasil passou a intermediar, junto a Caracas, um acordo com o governo dos Estados Unidos. Washington havia concordado em aliviar os embargos relacionados ao comércio com a Venezuela desde que o país se comprometesse a fazer eleições democráticas e seguras. Mas Maduro não parece estar disposto a deixar o cargo por meio das urnas e não tem cumprido sua parte do acordo.
No último dia 27, o Supremo Tribunal de Justiça venezuelano confirmou a desqualificação da candidatura da oposicionista María Corina Machado para as eleições dos próximos meses. Corina ganhou as primárias de seu partido, o Vente Venezuela, em outubro do último ano e desde então se tornou um alvo do regime de Maduro.
Mesmo assim, diante da parceria histórica com Maduro, Lula não se pronunciou sobre o tema. Antes disso, inclusive, vinha se esforçando nos últimos meses para tentar melhorar a imagem do venezuelano. Em algumas ocasiões, o petista a chegou a sair em defesa do regime venezuelano e tentou reintegrar Maduro em discussões internacionais.
Em uma das tentativas de recuperar a imagem do vizinho sul-americano, Lula e seu ex-ministro e atual assessor para assuntos especiais, Celso Amorim, deram assistência a Caracas a fim de viabilizar eleições democráticas no país. Amorim também foi uma figura ativa na negociação do Acordo de Barbados, fechado entre Estados Unidos e Venezuela.
Nos últimos meses, uma ala do governo teve diversos encontros com membros do regime venezuelano e também com Maduro. Amorim pode ter sido o escolhido para prosseguir com essa missão devido à sua experiência como diplomata e dos anos que foi chanceler nos dois primeiros governos Lula. Como já revelou a Gazeta do Povo anteriormente, ele tem sido o braço direito do petista no que tange os assuntos de política externa.
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OEA, EUA e Argentina condenam manobras de Maduro
Desde a publicação da decisão de Maduro, diversos países e a Organização dos Estados Americanos (OEA) condenaram as manobras eleitorais cometidas pelo autocrata venezuelano. Em comunicado, a OEA chamou a Venezuela de “ditadura” e questionou as intenções de Maduro no que diz respeito às eleições. “Esta lógica ditatorial de perseguição política e violação dos direitos políticos dos cidadãos - absolutamente previsível e esperada dados os antecedentes do regime -, elimina mais uma vez para a Venezuela a possibilidade de eleições livres, justas e transparentes”, diz o comunicado.
Estados Unidos, Uruguai e Argentina também condenaram a decisão do regime. O Ministério de Relações Exteriores da Argentina disse em comunicado que acompanha com "preocupação a situação política" no país vizinho e que defende a "participação plena de todos os candidatos políticos e com a presença de observadores externos" no pleito venezuelano.
O governo do Uruguai também publicou uma nota sobre o assunto e pontuou que a decisão de Maduro "contrariava o Acordo de Barbados".
Os Estados Unidos também expressaram preocupação e deram início à reposição das sanções ao país. Em outubro, após os dois países fecharem o Acordo de Barbados - que contou com apoio do Brasil - empresas norte-americanas puderam comercializar produtos venezuelanos novamente. O presidente Joe Biden, contudo, voltou a divulgar novas proibições depois das últimas decisões da Controladoria da Venezuela.
Acordo de Barbados: Brasil ajudou Venezuela a negociar com os EUA
Desde que assumiu a presidência do Brasil para seu terceiro mandato, Lula retomou as relações diplomáticas com a Venezuela, que tinham sido interrompidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em uma dessas iniciativas, o Brasil procurou intermediar uma negociação de Caracas com Washington.
Ao longo dos meses de 2023, Lula e Celso Amorim estiveram em contato com o governo venezuelano para fazer o acordo acontecer. Negociado pela Noruega, os dois países, junto a representantes de outras nações, se reuniram em Barbados para fechar o acordo que permitiria uma espécie de trégua entre Joe Biden e Maduro.
“O Brasil seguirá contribuindo para o processo de diálogo entre as forças políticas venezuelanas com vistas à suspensão de todas as sanções e à realização de eleições livres, competitivas e transparentes no próximo ano”, escreveu o Palácio do Itamaraty em nota.
No chamado Acordo de Barbados, assinado em outubro, a Venezuela concordou em libertar presos políticos e em organizar eleições democráticas em segurança.
Já os Estados Unidos se comprometeram a aliviar uma parte das sanções impostas ao país. Na esteira dessas negociações, os EUA libertaram o empresário colombiano Alex Saab, importante aliado de Maduro, em troca de venezuelanos e americanos detidos em Caracas.
Com a retirada das sanções, os Estados Unidos passaram a negociar petróleo, gás e ouro comprados da Venezuela, além de eliminar a proibição do comércio secundário provenientes destes recursos. O acordo foi celebrado pelos dois países e também pelo Brasil.
Dado aos últimos acontecimentos e os esforços de Maduro para não ter concorrentes nas eleições, os Estados Unidos tomaram a decisão de retomar as sanções impostas à Venezuela. A princípio, o país proibiu as negociações com mineradoras do país e ameaçou fazer o mesmo com a indústria petrolífera, caso o autocrata venezuelano insista nas manobras eleitorais.
Inelegibilidade da principal opositora de Maduro
Ainda no ano passado, quando María Corina Machado se lançou como pré-candidata à presidência, a Controladoria Geral da Venezuela a classificou como inelegível por 15 anos. A determinação, de acordo com o órgão, fazia parte de uma investigação aberta contra María em 2015, quando ela ainda era deputada.
À época, o órgão a condenou por “irregularidades administrativas” por supostamente não incluir o pagamento de gratificações alimentares em sua declaração juramentada de bens. O caso teria o ocorrido durante seu mandato parlamentar e a determinação deveria ter durabilidade de apenas um ano. A Controladoria, porém alegou que continuou investigando a candidata depois disso e por isso estendeu o tempo da punição.
O líder da oposição na Venezuela, Juan Guaidó, ressalta que a desqualificação é ilegal e que María Corina Machado tem sido vítima de perseguição. Em 2019, pouco depois do pleito presidencial que elegeu Maduro em 2018, ela foi acusada de participar de “uma rede de corrupção” liderada por Guaidó.
Juan Guaidó concorreu contra Nicolás Maduro à presidência da Venezuela em 2018, e, na época, foi reconhecido como presidente interino da Venezuela por 50 países, incluindo o Brasil. Essas e outras diversas nações não reconheceram a reeleição de Maduro e organismos internacionais consideraram o pleito como “fraudulento”.
Ainda no ano passado, em dezembro, Corina tentou recorrer no Supremo Tribunal da Venezuela sobre a decisão de inelegibilidade da Controladoria. A resposta veio neste domingo (27): além de manter o veto, a Suprema Corte venezuelana ainda desqualificou seu possível substituto, Henrique Capriles, que já foi candidato à presidência duas vezes na Venezuela.
Em recente declaração, a opositora de Maduro ainda disse que tem interesse em se encontrar com Lula e que não houve oportunidade. O Palácio do Planalto e o Itamaraty ainda não esclareceram se a equipe de Corina entrou em contato para viabilizar um encontro entre os dois ou se há algum tipo de negociação nesse sentido.
A relação de Lula com Maduro e a Venezuela
A intermediação do acordo com os Estados Unidos não foi a única vez que Lula estendeu a mão para a Venezuela. Parceiros de longa data, o mandatário brasileiro fez diversos acenos a Maduro e chegou a sair em defesa do regime venezuelano. Em algumas afirmações, disse que o conceito de democracia era “relativo” e que a Venezuela “tem mais eleições que no Brasil”.
As alegações geraram diversas críticas ao petista que, ainda no ano passado, recebeu Maduro com honrarias de chefe de Estado em solo brasileiro às margens da Cúpula da América do Sul. Após reuniões bilaterais com o venezuelano no Palácio do Planalto, Lula ainda afirmou que o autocrata era vítima de uma “narrativa de antidemocracia e autoritarismo”.
Contudo, vale ressaltar que Maduro é acusado de prender, perseguir e assassinar opositores políticos. Além das claras tentativas citadas acima de corromper o sistema eleitoral venezuelano para se manter na presidência de seu país.
A aproximação entre Lula e o governo venezuelano acontece desde Hugo Chávez, antecessor de Maduro e de quem o petista era um grande amigo. Chávez ficou à frente da Venezuela por mais de uma década e é apontado como o responsável por impor o regime ditatorial ainda vigente no país.
Até a eleição de Chávez, o país era governado por "partidos tradicionais" e, desde que ele se tornou presidente, passou a implementar um regime conhecido como Revolução Bolivariana, que se denomina socialista, implementa interesses nacionais de esquerda, é contra a globalização, e também se posiciona contra as políticas adotadas pelos Estados Unidos.