Com a escalada de tensão no Oriente Médio nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) intensificou suas críticas contra Israel. Suas declarações, assim como os comunicados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, com críticas à guerra de Israel contra terroristas do Hezbollah e do Hamas e o silêncio sobre o bombardeio lançado pelo Irã são as evidências mais recentes de que o governo abandonou definitivamente a tradição de neutralidade da diplomacia brasileira, segundo analistas ouvidos pela reportagem.
As consequências dessa postura devem ser a perda de prestígio internacional, de oportunidades de negócios e o alinhamento político com ditaduras que buscam o confronto com democracias liberais do Ocidente. Parlamentares da Comissão de Relações Exteriores da Câmara já se articulam para cobrar explicações dos diplomatas do Itamaraty.
"Eu lamento profundamente é o comportamento do governo de Israel. Sinceramente, é inexplicável que o Conselho de Segurança da ONU não tenha autoridade moral e política de fazer com que Israel sente numa mesa para conversar, em vez de só saber matar", disse Lula em entrevista nesta terça-feira (1º) durante viagem ao México.
A consequência imediata desse tipo de posicionamento diplomático é a perda de prestígio internacional, o chamado soft power, que permitia que o Brasil fosse visto como um negociador importante por sua neutralidade, segundo o professor Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Ou seja, Lula reverteu uma política de Estado que perdurou por décadas em nome da ideologia de seu governo.
"Toda vez que o Brasil se coloca contrariamente a Israel ou deixa de condenar as ações dos extremistas, o Brasil não só não ganha nada muito substancial, como pode perder oportunidades importantes, tanto do ponto de vista do acesso a mercados e benefícios econômicos, como da relevância bastante considerável do soft power brasileiro: um país pacífico, sem conflito e que pode se oferecer como intermediador", afirma Gomes.
De acordo com ele, a neutralidade do Brasil em temas de relevância geopolítica era o que impulsionava seu prestígio internacional, já que o país não está entre as grandes potências internacionais por não possuir poder bélico, político e econômico para se posicionar como tal.
Outra consequência dessa postura internacional, em um cenário mundial que já vem sendo chamado por alguns alistas de "Guerra Fria 2.0", deve ser um alinhamento cada vez maior do Brasil com o bloco anti-Ocidente, que é formado por China, Rússia, Irã e Coreia do Norte, além de Cuba e Venezuela.
Segundo o cientista político e professor da Universidade de Brasília, Paulo Kramer, esse grupo de países vem sendo chamado de "Eixo da Resistência" e é composto por regimes ditatoriais que tentam reverter as regras liberais do sistema internacional que garantiram oito décadas de prosperidade ao mundo após o fim da Segunda Guerra.
"Lula em seu terceiro mandato destruiu os últimos vínculos da política externa brasileira com a veneranda tradição de profissionalismo, seriedade e equilíbrio do Itamaraty. Ele mistifica a opinião pública doméstica quando se arvora na imagem de "pomba da paz", mas, ao mesmo tempo, toma claramente um dos lados no conflito do Oriente Médio, por exemplo, ao abandonar a sala das sessões da Assembleia-Geral da ONU durante o discurso do premiê israelense", disse Kramer.
Ele faz referência ao fato de Lula ter recorrido a um discurso aparentemente pacifista, mas que, na realidade, toma partido contra Israel no Oriente Médio e a favor da Rússia na guerra contra a Ucrânia.
Lula falou de chacina na Faixa de Gaza e "vingança" de Israel
Na segunda-feira (30), antes de dizer que "Israel só sabe matar", Lula já havia criticado as ações de defesa de Israel contra o Hezbollah e contra o Hamas, que desde outubro do ano passado vêm lançando ataques contra o território israelense. "É por isso que eu sou contra a "chacina na Faixa de Gaza". Porque já morreram mais de 41 mil mulheres e crianças. E depois você vai ter que reconstruir o que levou séculos para ser construído", disse o petista.
O número de mortos em Gaza referido por Lula não está correto e aparenta ser uma referência a uma estimativa do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza que falou em cerca de 40 mil palestinos mortos durante a guerra, sem distinção entre combatentes, homens, mulheres ou crianças.
"É por isso que eu sou contra, e condeno, o que Israel está fazendo no Líbano agora, atacando e matando pessoas inocentes. Porque só aparecem nos jornais os líderes que eles querem matar, mas as pessoas inocentes que morrem não aparecem", afirmou Lula durante participação em um Fórum Empresarial no México.
Antes disso, durante seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, Lula também condenou as ações de Israel na Faixa de Gaza e afirmou que a ofensiva israelense contra o Hamas teria se transformado em "direito de vingança".
"O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino. São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo", disse.
Além disso, Lula ficou em silêncio nesta terça-feira quando o Irã lançou um ataque com mais de 200 mísseis balísticos contra alvos em Israel. A maioria dos mísseis foi interceptada por defesas antiaéreas, mas alguns caíram em território israelense. O ataque foi uma retaliação ao assassinato do líder terrorista do Hezbollah, Hassan Nashallah.
O professor Elton Gomes avalia que as críticas a Israel e o silêncio sobre os grupos terroristas contra os quais aquele país está em conflito também podem trazer consequências econômicas. De acordo com o docente, abandonar a postura de neutralidade diante desse conflito pode trazer implicações no relacionamento brasileiro com o Ocidente.
"Como Israel é muito próximo política, econômica e geoestrategicamente das democracias liberais do Ocidente, em especial os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental, ao adotar esse posicionamento, o Brasil se desgasta diante desses países que são históricos parceiros políticos e comerciais do Brasil", pontua Gomes.
Comissão da Câmara vai cobrar explicações de diplomatas no Congresso sobre postura em relação a Israel
Segundo o deputado General Girão (PL-RN), vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, há uma expectativa no colegiado de cobrar explicações do Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e do assessor especial de Lula, Celso Amorim, em sessão após as eleições municipais no Brasil.
Para Girão, as recentes declarações de Lula demonstram que ele se tornou um "pigmeu da diplomacia". O termo é uma referência a uma fala do porta-voz da chancelaria israelense em 2014, Yigal Palmor, que chamou o Brasil de "anão diplomático", quando o governo de Dilma Rousseff convocou seu embaixador em Tel Aviv em uma retaliação diplomática a uma ação militar israelense contra o Hamas.
"O pior é que a gente sabe que o que Lula está falando, provavelmente, não é o que os diplomatas do Itamaraty pensam, que são herdeiros da postura do Barão do Rio Branco e que sempre procurou obter uma neutralidade em conflitos. [O Lula] tomou partido", disse à Gazeta do Povo.
Na avaliação do parlamentar, as críticas Lula a Israel na 79ª Assembleia Geral da ONU e em relação ao conflito no Líbano mostram que o presidente não só tomou partido como não escolheu o lado certo.
"O terrorista nunca será o lado do bem. Esses terroristas internacionais, principalmente com esse fundamentalismo, já demonstraram que não querem a paz. Eles querem cada vez mais acabar com o Estado de Israel. A gente sabe que a guerra não é de Israel contra o Líbano. A guerra é contra os terroristas do Hamas e do Hezbollah", disse Girão.
Já Kramer diz acreditar que posicionamento político do Itamaraty não é mais só um reflexo das decisões de Lula. Segundo ele, a diplomacia brasileira já perdeu seus valores tradicionais e está corrompida pelo pensamento petista de forma estrutural.
Comparação de israelenses com nazistas derrubou popularidade de Lula
Em fevereiro deste ano, o presidente Lula comparou os ataques de Israel aos terroristas do Hamas aos assassinatos de judeus promovidos pelos nazistas durante o Holocausto. A declaração fez Lula ser declarado "persona non grata" em Israel, um título de vergonha que poucas lideranças mundiais receberam.
A declaração repercurtiu em pesquisas de aprovação de seu governo no mês seguinte. Segundo um levantamento da Quaest, a avaliação negativa de seu governo deu um salto de 36% para 48% em um universo de pesquisa de dois mil entrevistados, com confiabilidade de 95%. Segundo a pesquisa, 60% dos entrevistados acharam que Lula exagerou.
As novas declarações de Lula podem voltar a ter efeito negativo sobre sua popularidade. Segundo André César, sociólogo e analista político da Hold Assessoria Legislativa, as falas de improviso de Lula costumam resultar em desgastes para o governo. Mas ele afirma que o efeito da guerra no sul do Líbano à popularidade de Lula está mais relacionada a como será o resgate dos brasileiros que estão tentando deixar a região. Ao menos três mil pediram ajuda do governo brasileiro para deixar o país.
"Como governo e como Estado, você tem que responder a questões como essas, pois temos brasileiros nossos lá, como no caso do Líbano. O governo só tem a perder se explorar o tema, pois isso gera uma desconfiança da sociedade. Aí sim, aí nós podemos ter um problema para o governo", explica o analista.
Posicionamentos de Lula voltam a revelar inclinação ao bloco sino-russo
Antes de criticar Israel por sua guerra contra o terrorismo, Lula havia dado pleno apoio diplomático durante a Assembleia da ONU à iniciativa da China de propor um plano de paz para a guerra da Ucrânia, que é totalmente favorável à Rússia por implicar na anexação de um quinto do território ucraniano por Moscou.
A proposta viola totalmente os princípios da Carta da ONU, que impede que os países signatários usem a força para violar a integridade territorial ou a independência política de qualquer outro Estado.
Já em relação à incursão militar de Israel em território libanês para destruir a infraestrutura do Hezbollah, o Itamaraty divulgou nota afirmando que "o governo brasileiro acompanha, com grave preocupação, a realização de operações militares terrestres do exército de Israel no Sul do Líbano, em violação ao direito internacional, à Carta da ONU e a resoluções do Conselho de Segurança".
"As manifestações de Lula seguem os interesses do eixo das autocracias", pontua Cezar Roedel, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
"A guerra em curso é entre o que restou do Ocidente, de um lado, e a barbárie e o terrorismo, do outro. O interesse do eixo ditatorial (Irã, Rússia, China) é o de desestruturar o regime ocidental para colocar algo em seu lugar e essa é a promessa em que Lula e Amorim acreditam. Assim, desta “cosmovisão” precária é que surgem as manifestações, completamente subservientes ao eixo autocrático", avalia Roedel.
Israel confronta os grupos terroristas Hamas e Hezbollah, que são grupos terroristas financiados pelo Irã. Lula, desde seus primeiros mandatos, foi um defensor do diálogo com o Teerã. O petista, inclusive, já chegou a atuar para intermediar um diálogo do país com os Estados Unidos. No último ano, Brasil e Irã passaram a integrar um bloco em comum, os Brics (acrônimo para o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Em 2023, o grupo anunciou a inclusão de mais cinco nações: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã. O bloco tem sido utilizado por Rússia e China, principais países do grupo, como uma ferramenta de oposição política a nações do Ocidente, especialmente os Estados Unidos, aliado de Israel.
"O Brasil está deixando seu tradicional posicionamento diplomático em função daquilo que é chamado de Nova Ordem Mundial. Isso é aquele revisionismo proposto pelo bloco sino-russo e seus aliados, Irã, Coreia do Norte e outros atores que são ditaduras ou semi democracias e que têm uma uma visão contrária ao sistema internacional estabelecido no pós Segunda Guerra Mundial e no pós Guerra Fria", avalia o professor Elton Gomes, da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
A aproximação do Brasil com o bloco articulado por China e Rússia tem preocupado o Ocidente. O governo Lula deu indício dessa aproximação, mais uma vez, quando escolheu articular com a China uma proposta de resolução para a guerra na Ucrânia. O plano é uma alternativa à opção já colocada na mesa pelas nações do Ocidente.
A proposta sino-brasileira acabou descartada pela Ucrânia e seus aliados e ainda foi acusada de levar em consideração os anseios russo na guerra. Além de não prever a retirada de tropas russas da Ucrânia, o documento também não implica na devolução do território ucraniano ocupado pela Rússia. Durante discurso na ONU, no último mês, Volodymyr Zelensky criticou a iniciativa.
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