Imagem de arquivo da visita de Vladimir Putin ao Brasil em novembro de 2004, durante primeiro governo Lula| Foto: EFE/FERNANDO BIZERRA JR/ARQUIVO
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Embora Lula tenha dito neste sábado (9) que "não há por que” Putin ser preso no Brasil, caso venha ao país em novembro de 2024 para a cúpula do G20, o governo brasileiro pode ser responsabilizado internacionalmente se não cumprir o mandado de prisão vigente contra o presidente russo. Isso porque o Brasil é um dos signatários do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI) em 1998, e, portanto, tem um compromisso internacional de cooperação com o órgão que investiga e julga crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Na visão de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a fala de Lula foi mais retórica e marca seu posicionamento no conflito, já que na prática o presidente não tem competência legal de impedir uma prisão.

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No mês de março, o TPI emitiu um mandado de prisão contra Vladimir Putin, como "suposto responsável" pela deportação ilegal de menores ucranianos e transporte deles da Ucrânia para a Rússia, um crime de guerra segundo o Estatuto de Roma. Desde então, o presidente russo não tem comparecido a eventos internacionais, como o encontro do Brics na África do Sul, no último mês, e a cúpula do G20, realizada neste fim de semana, em Nova Déli, capital da Índia. Como a Rússia não é signatária do acordo, ele não corre o risco de ser preso em seu próprio território.

Em entrevista ao canal indiano Firstpost, neste sábado, Lula disse que convidará o presidente russo para a reunião do grupo no Brasil, no próximo ano, e que não vê motivos para a sua prisão por aqui. "No Brasil a gente gosta de música, de Carnaval, de futebol, mas a gente gosta de paz e gosta de tratar as pessoas bem. Então, eu acho que o Putin pode vir tranquilamente para o Brasil. Eu posso dizer que se eu for presidente do Brasil, não há por que ele ser preso", afirmou.

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Em seu artigo 5º, a Constituição Brasileira determina que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional". Já no decreto 4.388/2002, o governo brasileiro afirma que o Estatuto de Roma será “executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”. Isso inclui o cumprimento do artigo 87 do tratado, segundo o qual “o Tribunal estará habilitado a dirigir pedidos de cooperação aos Estados Partes". “Se, contrariamente ao disposto no presente Estatuto, um Estado Parte recusar um pedido de cooperação formulado pelo Tribunal, impedindo-o assim de exercer os seus poderes e funções nos termos do presente Estatuto, o Tribunal poderá elaborar um relatório e remeter a questão à Assembleia dos Estados Partes ou ao Conselho de Segurança, quando tiver sido este a submeter o fato ao Tribunal”, completa o texto.

Presidente não pode impedir prisão 

Na avaliação de Alexandre Pires, professor de Relações Internacionais do Ibmec SP, uma atitude de Lula no sentido de impedir a prisão de Putin representaria “uma ingerência dentro da Polícia Federal, que é quem cuida desse tipo de execução de cooperação com a corte penal internacional”. Ainda assim, ele prevê que seja possível o Executivo “ganhar tempo”, por meio de questionamentos formais da Advocacia Geral da União (AGU), Ministério da Justiça e da própria PF ao TPI sobre o mandado de prisão vigente contra o russo. “É possível que, nesse imbróglio, caso o presidente russo pouse no Brasil e haja um questionamento, até obter uma resposta da corte, ele já tenha embarcado de volta sem que necessariamente o Brasil tenha violado o acordo”, afirma.

Outra possibilidade, na avaliação de Pires, é que o Brasil seja demovido da ideia de recepcionar Putin por parceiros internacionais, como os EUA ou a União Europeia. “Isso para não criar precedentes, enfraquecendo ainda mais a corte internacional que já tem poucos meios de execução de suas decisões, especialmente com relação a crimes de guerra, que é onde o presidente russo se enquadra, inclusive envolvendo crianças”, afirma.

O jornalista e professor de Relações Internacionais do Ibmec, Carlo Cauti, concorda que Lula não pode impedir a prisão de Putin, que precisa ser aplicada pela justiça do país tão logo ele pouse em solo brasileiro. “Ao menos que assumamos que o Lula tem o controle sobre o Judiciário, aí é o quanto ele tem influência no STF", diz.

Caso decida violar a determinação do TPI, no entanto, os especialistas ponderam que o Brasil não sofreria sanções ou expulsão imediata, mas passaria por um processo por quebra de acordo. “Chama-se responsabilidade internacional. O país que não respeita um tratado acaba ficando em mora com suas obrigações e pode ser cobrado pelos outros países. Pega mal para o Brasil, nunca aconteceu de um país signatário não respeitar os tratados internacionais, tanto que o Putin não foi para a África do Sul, que é um país signatário”, afirma.

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Retórica 

O economista e empresário Igor Lucena, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, vê a fala de Lula "muito mais como uma retórica pró-Russia do governo brasileiro" do que como uma resolução prática, uma vez que desrespeitar o acordo com o TPI “seria muito negativo” interna e externamente para o país.

“Colocaria em xeque acordos de livre comércio, como a negociação que o Brasil está fazendo com a União Europeia. Se o Brasil não aceita uma regra como essa, a probabilidade de desrespeitar acordos fica muito grande e isso colocaria a credibilidade em risco”, diz. Lucena exemplifica que a recente obtenção de imagens da suposta agressão sofrida por Alexandre de Moraes em Roma ocorreu por meio de um acordo internacional. Ou seja, a não cooperação do Brasil com o TPI implicaria em dificuldade de acesso a outros tipos de informações e apoios futuros.

Lucena reforça que não há como “relativizar” a invasão de um país a outro, como a Rússia fez com a Ucrânia. Nesse sentido, receber Putin não seria uma atitude pacífica, como defende Lula. “A relativização de conflitos internacionais estimula outros players a buscarem a militarização para resolver seus problemas”, diz.

Reação da oposição 

Políticos da oposição reagiram à fala de Lula, alegando que o presidente tem se afastado de princípios democráticos, para se alinhar a posturas autoritárias. O senador Sergio Moro (Podemos-PR) disse que as declarações do petista acerca de Putin mostram que "o Brasil de Lula está alinhado internacionalmente com as autocracias, não com as democracias ocidentais". Já para o ex-deputado Deltan Dallagnol, no governo Lula, o Brasil é amigo de ditadores sanguinários.

O deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) escreveu no X (antigo Twitter) que, com suas declarações, Lula desafia o Tribunal Penal Internacional e “dá um recado ao mundo democrático: o Brasil está ao lado dos autoritários que atentam contra o mundo livre".

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]