O agronegócio, principal fonte de boas notícias para a equipe econômica do governo, é alvo frequente de ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que já rotulou o setor de “fascista”, prestigiou invasores de propriedades rurais e endossou decisões do Judiciário, como o recente fim do marco temporal para demarcação de terras indígenas e o sinal verde para desapropriar terras produtivas na reforma agrária que não cumpram "função social".
Apesar desse clima hostil, o campo ruma para presentear a publicidade federal com um feito histórico em 2023 – o superávit anual recorde na balança comercial do país, projetado para US$ 90 bilhões. A participação do agronegócio nas exportações totais brasileiras já passa de 51%.
Nos dois primeiros mandatos de Lula, sobretudo o segundo (2007-2010), o êxito do agronegócio contribuiu de forma decisiva para ele alçar popularidade recorde de 80% ao deixar a Presidência, resultado direto dos ganhos de renda para assalariados via ingresso massivo de dólares, o que também conteve a inflação. Tudo graças a uma supervalorização das matérias-primas agrícolas e minerais. Dessa vez, Lula colherá de novo frutos de exportações de grãos e celulose, puxados por volumes crescentes. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, apostam, contudo, que o impacto político desse sucesso será menor e menos duradouro em relação a gestões petistas passadas.
Os ganhos de popularidade de Lula que impulsionaram a eleição da sua sucessora Dilma Rousseff (PT) em 2010 não devem se repetir devido a várias razões. Primeiramente, os resultados positivos na balança comercial estão fortemente ligados aos volumes de exportação, que podem recuar nos próximos anos.
Além disso, o presidente enfrenta no seu terceiro mandato novos desafios decorrentes de um quadro fiscal mais frágil, bem como a vigilância mais intensa do Congresso Nacional para a expansão de gastos, o que dificulta a transformação desses ganhos momentâneos em benefícios diretos para a renda do público ou projetos de investimento de perfil populista.
Como pano de fundo, o clima de confronto entre o petista e os representantes do setor também impede uma maior colaboração e ainda gera incerteza em relação aos números futuros. Por fim, as condições externas também dependem de um planejamento adequado do governo para garantir a sustentabilidade do crescimento setor agrícola, o que não parece estar ocorrendo.
Performance do agro se deve ao volume exportado
Divulgados na segunda-feira passada (18), pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento (MDIC), os dados da balança comercial da terceira semana de setembro registrou saldo anual recorde de US$ 68,14 bilhões, com US$ 240,52 bilhões acumulados em exportações e US$ 172,38 bilhões de importações.
O salto acima de 40% do superávit sobre igual período do ano anterior deve-se ao desempenho do agronegócio nos últimos meses. Com isso, a balança comercial já sinaliza para um saldo de US$ 90 bilhões até o fim do ano, o maior desde o início da série histórica, em 1989. Os últimos recordes foram registrados justamente nos dois anos anteriores, com US$ 61,4 bilhões (2021) e US$ 62,3 bilhões (2022).
Ao contrário do fenômeno que beneficiou Lula na primeira década do século, chamado de super ciclo de alta das commodities minerais e agrícolas, a performance das exportações desta vez deve-se mais aos volumes exportados, resultado de uma safra recorde de soja e milho, além de um recuo nas importações. A consultoria Tendências prevê um superávit comercial de US$ 93,4 bilhões este ano, mas indicando para 2024 um saldo menor, de US$ 60 bilhões. Para a economia como um todo, uma das consequências positivas do aumento do volume exportado pelo agronegócio será, de novo, o real mais valorizado, o que ajuda a controlar o avanço dos preços no país.
Soja, milho e celulose estão entre os produtos que mais cresceram na pauta de exportações nos últimos anos. A produção de cereais, leguminosas e oleaginosas deve registrar novo recorde este ano, somando 313,3 milhões de toneladas. Este número representa salto de 19% ante 2022, ou mais 50,1 milhões de toneladas. Se confirmada a estimativa, será a primeira vez que a safra superará a marca de 300 milhões de toneladas.
Em junho, Lula anunciou um volume recorde para o Plano Safra 2023/2024, no valor de R$ 364,22 bilhões. O montante será destinado a apoiar a produção agropecuária de médios e grandes produtores rurais até junho de 2024. O anúncio do plano foi feito dentro do contexto favorável ao país do chamado rearranjo nas cadeias produtivas globais, depois da pandemia, a invasão da Ucrânia e da “guerra fria” entre Estados Unidos e China.
Apesar dos bons números, o agronegócio tem reclamado da pouca articulação e poucas entregas do ministro da Agricultura e também senador pelo PSD, Carlos Fávaro, que também sofre a desconfiança da bancada da agropecuária em relação a temas como invasões de terra e o confronto ideológico com o setor fomentado por Lula.
Especialistas mostram balança comercial dependente do agro
“Historicamente o efeito agronegócio na balança tem sido positivo e explica, em grande parte, os sucessivos recordes na balança comercial, reforçando o quão estratégico esse setor continua sendo para a economia do Brasil, independentemente de oscilações de preços muito comuns em tempos de crises e incertezas, como nas guerras e nas disputas entre os competidores maiores do mercado”, lembra Gustavo Bernard, especialista em comércio exterior e diretor da Bernard Consulting.
O especialista ressalva, contudo, a persistência de limitações estruturais da competitividade brasileira em outras áreas que também exigem pesquisa e inovação, mas que ainda não alcançaram níveis de eficiência da agricultura nos mercados globais. “O desempenho do comércio exterior brasileiro tem se mantido sustentável e ajustes estruturais, como a reforma tributária e marcos legais definitivos e claros, podem melhorar investimentos em outros negócios relevantes para as exportações”, disse.
Para Eduardo Galvão, diretor de Public Affairs da consultoria internacional BCW, os números de setembro do comércio exterior evidenciam a liderança da soja, apesar de leve declínio de 20,4%, com participação de 13,7% nas exportações, seguida de perto pelos óleos brutos de petróleo e minério de ferro.
“O desempenho das exportações brasileiras ao longo do ano também impressiona, com a agropecuária, indústria de transformação e indústria extrativa apresentando crescimento sólido. Os resultados indicam a capacidade do Brasil de se adaptar e prosperar num ambiente global desafiador, ao mesmo tempo em que fortalece a sua presença nos mercados internacionais. À medida que o país continua a expandir seus horizontes comerciais, resta-nos aguardar o desenvolvimento econômico que a tendência pode trazer”, avalia.
Em análise para o Instituto Brasileiro de Economia (FGV), ligado à Fundação Getúlio Vargas (FGV), Armando Castelar, economista e professor da UFRJ, lembra que 60% do crescimento da economia estimado para 2023, de 2,5%, virá do “excelente desempenho da agropecuária e da indústria extrativa”. Ou seja, 1,5% da expansão do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano virá em boa parte do desempenho do campo. Joga contra essa ajuda, a perspectiva de inflação para o ano ainda acima da meta de 3% e juros reais elevados.
Além disso, o ambiente externo segue conturbado, com aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e a economia chinesa ainda desacelerando. “Trata-se de um quadro ainda desafiador, apesar da surpresa positiva de a economia se expandir este ano mais do que se previa antes”, resumiu.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião