O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abre nesta terça-feira (24), a 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em uma posição de alinhamento do Brasil às bandeiras defendidas pela China para as áreas de política e segurança global - como a não intervenção da comunidade internacional em conflitos regionais de países e um plano de paz para Ucrânia que favorece a Rússia.
Lula deve usar seu discurso para tentar chamar a atenção dos líderes mundiais sobre pautas de seu interesse, como a preservação do meio ambiente, o combate à pobreza, a taxação dos super-ricos e o controle das mídias sociais. Mas as atenções dos países participantes da Assembleia da ONU vão estar voltadas para outras agendas, como a ineficácia do Conselho de Segurança em evitar as guerras em curso no mundo.
"As guerras em Gaza, na Ucrânia e no Sudão serão os três principais pontos de crise em foco na Assembleia-Geral. Não acho provável que vejamos avanços em nenhum deles", disse Richard Gowan, analista do think tank International Crisis Group, em uma entrevista durante os preparativos para o evento em Nova York, nos Estados Unidos.
Lula chegou a abordar um desses temas em discurso que fez no domingo em um evento preparatório. Ele falou da necessidade de reformulação do Conselho de Segurança da ONU, que não foi capaz de evitar a guerra da Ucrânia, por causa do veto da Rússia, e nem de Israel, devido ao poder de veto dos Estados Unidos.
Desde seu primeiro mandato em 2003, Lula argumenta pela inclusão do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Ele vem defendendo há anos a expansão do número de membros permanentes, que hoje são apenas EUA, França, Reino Unido, Rússia e China. Mas o debate deste ano é sobre a possibilidade de se acabar com o poder de veto desses países, em uma tentativa de que a ONU seja capaz de impedir novos conflitos de larga escala.
“A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado. A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades”, disse Lula no discurso da abertura da Cúpula do Futuro, em Nova York, no domingo (22).
Desde que iniciou seu terceiro mandato no ano passado, Lula vem se alinhando à China e à Rússia na defesa de um alegado "multipolarismo", que valorizaria a importância no cenário mundial do chamado "Sul Global", o grupo de países em desenvolvimento. Esse discurso visa diminuir a hegemonia americana na política e na economia do mundo, mas não deve dar voz ou poder de decisão a países como o Brasil, segundo analistas. A maior beneficiada deve ser a China.
O maior canal de expansão dessa política chinesa alegadamente multipolar tem sido o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos).
No ano passado, Lula foi à Assembleia da ONU ainda com a intenção de disputar com o autocrata chinês, Xi Jinping, a posição de líder do Sul Global. Mas com economia e poderio militar mais fracos em relação aos de seu rival chinês, Lula acabou sendo engolido pela agenda de Xi.
Pequim prega atualmente uma arquitetura de segurança mundial que desencoraja a comunidade internacional a pressionar ou mesmo intervir em assuntos considerados "internos" ou de "soberania" de países. Por esse raciocínio, as potências ocidentais não deveriam auxiliar a Ucrânia a se defender contra a invasão da Rússia ou Taiwan a rechaçar uma eventual investida militar chinesa.
Na prática, o Brasil aderiu a esse discurso ao assinar em abril deste ano um tratado para apoiar a proposta de paz da China para acabar com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O documento é largamente rechaçado pelas democracias liberais do Ocidente porque garante à Rússia o direito de anexar cerca de um quinto do território ucraniano, que foi invadido militarmente em 2022.
Segundo o Itamaraty, o Brasil vai ajudar a China a organizar uma reunião para divulgar a proposta de paz no próximo dia 27 em uma reunião durante a Assembleia da ONU. Foram convidados para o encontro apenas países do Sul Global, entre eles Arábia Saudita, África do Sul, Egito, Indonésia, Emirados Árabes Unidos, Vietnã, Etiópia, Nigéria, Colômbia, México, Malásia, Argélia e Quênia.
O governo brasileiro será representado pelo chanceler Mauro Vieira e, possivelmente, também pelo assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Celso Amorim.
“É basicamente uma reunião de divulgação para apresentar e discutir com os países que estejam interessados no documento desenhado pelo Brasil e pela China”, explicou o embaixador Carlos Márcio Cozendey, secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Itamaraty.
Para o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a proposta de paz sino-brasileira para o fim da guerra na Ucrânia é “destrutiva” e serve simplesmente como uma “declaração política”.
“Não nos perguntaram nada. E a Rússia aparece e diz que apoia a proposta do Brasil e da China. Nós não somos tolos. Para que serve esse teatro? Ou seja, vocês falaram com a Rússia sobre uma iniciativa, apresentaram essa iniciativa e disseram: ‘esta é a nossa proposta’. Bem, definitivamente não se trata de justiça, não se trata de valores. Definitivamente é uma falta de respeito à Ucrânia. Não somos tolos”, afirmou Zelensky em entrevista ao portal Metrópoles.
Na entrevista, o presidente ucraniano ainda afirmou que o Brasil seria pró-Rússia. Disse também que não seria necessário fortalecer a posição ucraniana antes de qualquer negociação futura para o fim da guerra.
“Eu disse a Lula e ao lado chinês: ‘vamos sentar juntos, vamos conversar’. Vocês não são nossos inimigos. Por que você de repente vocês decidiram que deveriam ficar ao lado da Rússia? Ou estar em algum lugar no meio? Qual é esse ponto de vista? No meio do quê? Não estamos lutando no meio. Não estamos lutando na fronteira. Estamos lutando nas nossas terras. Devemos parar os russos”, afirmou Zelensky.
Na semana passada, segundo o jornal Folha de São Paulo, o assessor especial do ditador Vladimir Putin, Anton Kobyakov, disse que hoje o Brasil é um dos parceiros estratégicos de Moscou mais importantes na América Latina. A declaração foi dada em uma reunião preparatório para a cúpula dos Brics que ocorrerá em outubro na Rússia.
Lula vai tentar levantar assuntos onde o Brasil ainda pode ter protagonismo
O Brasil tradicionalmente é o primeiro país a discursar. Lula deve aproveitar a atenção da audiência global para defender a preservação do meio ambiente, o combate à pobreza, a taxação mundial dos super-ricos e o controle das mídias sociais. Especula-se que use o espaço até para atacar o bilionário Elon Musk.
Segundo o professor Luís Renato Vedovato, o momento atual é de dificuldades para o Brasil chamar a atenção no cenário internacional. "Reconstruir o papel do Brasil internacionalmente não é algo fácil e não seria fácil no contexto atual, que engloba conflitos de grandes proporções e menor preocupação com fortalecimento de instituições coletivas", argumenta.
Para tentar capitalizar o tema ambiental e contornar o desgaste provocado pelas queimadas no Brasil, Lula também vai investir no discurso sobre as necessidades de mudanças na agenda climática. O petista pretende defender que haja um pacto global sobre o clima.
Sobre a responsabilidade de seu governo, que, como admitiu o próprio Lula, não estava “100% preparado” para lidar com a situação das queimadas, o presidente brasileiro deve responsabilizar a associação de fenômenos como El Niño e comportamentos humanos criminosos e predatórios em relação ao meio ambiente.
No Brasil, integrantes do governo têm usado o termo "terrorismo" para se referir aos possíveis atos criminosos nas queimadas. Na ONU, analistas dizem que Lula pode citar outros eventos climáticos para argumentar que o tempo de ação para os líderes globais está se esgotando e que o mundo pode em breve atingir um ponto de não retorno, o que comprometeria a própria sobrevivência humana.
Em seu discurso do domingo, o presidente brasileiro já havia defendido que os objetivos da Agenda 2030 foram o “maior empreendimento diplomático dos últimos anos”. Em 2015, os 193 países-membros das Nações Unidas estabeleceram uma agenda comum de 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas que devem ser atingidas até 2030.
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