Com a vitória do partido de centro-direita Aliança Democrática (AD) em Portugal, especialistas avaliam que a relação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o país pode ficar estremecida. A vitória da legenda revela mais uma etapa da ascensão da direita na Europa, pode contribuir para o afastamento do petista dos países do Ocidente, e também pode dificultar ainda mais o fechamento do acordo entre Mercosul e União Europeia, que Lula tem se esforçado para destravar, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
“Em um primeiro momento, pouco muda na relação Brasil-Portugal. Porém, podemos ver, sim, alguns impactos políticos entre os dois países, mas acho que o que realmente preocupa é o acordo Mercosul-União Europeia. Hoje, Portugal é a favor do acordo e, com essa mudança de governo [em decorrência da vitória da Aliança Democrática], o novo tende a se posicionar contra. Mais um país contra pode acabar de vez com as negociações”, avalia José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
O impacto político previsto pelos analistas diz respeito à ascensão da direita no país que, nos últimos nove anos, foi liderado por uma legenda progressista. Lula e o atual presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, mantém um bom relacionamento. Rebelo, inclusive, esteve em Brasília para assistir à posse do petista em janeiro em 2023. Os dois também se encontraram em abril do mesmo ano, em uma visita de Lula a Portugal.
Como não conseguiu o mínimo de cadeiras (115) para indicar o primeiro-ministro, a Aliança Democrática (AD), que angariou 79 assentos no Parlamento Português, precisa se aliar a outro partido para governar o país. A legenda pode fazer coalizões com o Chega, partido da direita nacionalista - que conquistou 48 cadeiras -, ou com o Partido Socialista (PS), de centro-esquerda - que elegeu 77 parlamentares. São essas alianças que vão dizer como fica a relação entre Brasil e Portugal daqui para frente.
Para o consultor de Política Internacional Guilherme Gomes, da BMJ Consultores Associados, se houver coalização entre o AD e o Chega, existe a possibilidade de o segundo partido tentar influenciar o novo governo português a reduzir sua proximidade diplomática com o Brasil. "Contudo, não deve ter quebra abrupta nas relações diplomáticas, que tendem a ser mais estáveis”, avalia.
O líder do Chega, André Ventura, com pautas conservadoras e fortes discursos contra a migração, fez críticas a Lula durante a campanha eleitoral. O político chegou a afirmar que Lula não seria recebido em Portugal, caso ele fosse eleito primeiro-ministro. Apesar do discurso enérgico, Guilherme Gomes explica que, em um cenário de coalizão entre AD e Chega, a situação não deve gerar atritos tão impactantes quanto o citado por Ventura.
“Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando Portugal era governado pelo Partido Socialista, houve alguns incidentes diplomáticos entre os países, mas não o suficiente para afetar de maneira duradoura essa relação”, pondera o consultor da BMJ.
“Por outro lado, caso a coalização seja fechada entre a Aliança Democrática (AD) e o Partido Socialista (PS), a expectativa é de que as relações diplomáticas com o Brasil fiquem inalteradas, considerando a boa relação e proximidade do PS com o governo Lula”, avalia Gomes.
Acordo Mercosul-União Europeia pode ser impactado
Para especialistas, a maior preocupação para Lula com relação à mudança de cenário político em Portugal é o destino do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. As negociações já duram mais de duas décadas, mas o acordo está estagnado devido a divergências entre as partes.
Além disso, o acordo tem ganhado um viés mais político do que econômico, o que tem causado ruído entre os países da União Europeia. No meio deste ano, o Parlamento Europeu, órgão legislativo da organização, terá eleições e novas figuras serão eleitas para tratar das discussões do organismo. Com o crescimento da direita em países europeus, esse movimento também deve se estender à UE.
De acordo com Gomes, é possível que os portugueses elejam, pela primeira vez, um eurodeputado da direita nacionalista para o Parlamento Europeu. "Com isso, é possível que as relações entre Brasil e União Europeia sejam enfraquecidas no médio prazo, a depender do resultado da eleição europeia neste ano”, avalia.
Para Castro, presidente da AEB, as negociações podem se tornar ainda mais difíceis. “O grande problema é que os países que são contra [o acordo] têm mais voz ativa nessas negociações, ainda que eles não sejam maioria. Caso a oposição aumente, como uma maneira de agradar os agricultores e produtores de seus países, o acordo pode morrer de fato”, pontua.
Afastamento de Lula do Ocidente
Lula, que já afirmou que sente orgulho em ser chamado de “comunista” e “socialista”, tem adotado discursos mais radicais neste terceiro mandato. O petista já saiu em defesa da Rússia e do grupo terrorista Hamas diante das guerras que causaram contra Ucrânia e Israel, respectivamente.
Ele também tem se aproximado da China, do autocrata chinês Xi Jinping.
Em diversas ocasiões, Lula defendeu e repetiu discursos do Partido Comunista da China. Em 2023, acusou o G7 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) de causar a guerra entre Rússia e Ucrânia na Europa.
O brasileiro também chegou a dizer que os dois países seriam igualmente culpados pelo conflito iniciado pela Rússia na Europa, que teve início depois que Vladimir Putin ordenou que tropas russas invadissem a Ucrânia.
Recentemente, Lula acusou Israel de cometer genocídio contra o povo palestino em razão da contraofensiva israelense na Faixa de Gaza contra o Hamas. O grupo terrorista atacou Israel no dia 7 de outubro de 2023 e deu início ao conflito na região.
Enquanto os países do Ocidente cobram uma postura mais coerente do presidente brasileiro, Lula tem reforçado esses discursos radicais. Após as acusações contra Israel, membros do governo dos Estados Unidos repreenderam as afirmações do petista, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou o brasileiro persona non grata para Israel. Ou seja, Lula não é mais bem-vindo no país.
Lula também tem causado mal-estar entre os países do Ocidente ao sair em defesa do ditador venezuelano Nicolás Maduro. Acusado de uma série de crimes contra os direitos humanos, Maduro tem sido pressionado pela comunidade internacional a realizar eleições democráticas em seu país. O venezuelano, contudo, tem ido no caminho oposto da democracia. Além de tornar inelegível seus opositores, tem mandado prender políticos da oposição.
A perda de força do petista no Ocidente se agravar diante do pleito previsto para o final deste ano nos Estados Unidos. Caso o ex-presidente Donald Trump seja reeleito, as relações do petista com o país podem arrefecer. O republicano é aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Crescimento da direita em Portugal
Embora um cenário mais estável para o novo governo português ainda não esteja formado, especialistas chamam atenção para a ascensão da direita no país e na Europa. Nos últimos nove anos, Portugal foi liderado pelo Partido Socialista (PS), legenda de centro-esquerda que liderava com maioria absoluta no Parlamento do país. No pleito deste ano, contudo, o resultado mostrou uma maior força dos partidos com discursos alinhados à direita.
Além do bom desempenho obtido pela coligação Aliança Democrática (AD), liderada pelo Partido Social Democrata (PSD), houve um salto nos votos da população para o Chega. A legenda angariou 18,1% dos votos contra os 7,2% de 2022. Com o resultado, passou de 12 para 46 deputados no Parlamento.
O líder da AD, chamou o resultado das eleições de “vontade do povo por um governo diferente”. “O povo português falou. Eles querem um governo diferente, políticas diferentes, partidos renovados e diálogo entre os seus líderes… E é isso que estamos preparados para oferecer”, disse Luís Montenegro, que lidera a Aliança Democrática (AD).
Esse movimento também tem sido visto em outros países europeus. Além daqueles que já são governados pela direita, especialistas avaliam que há um movimento da população para eleger partidos tidos como mais conservadores ou "liberais" no aspecto econômico nas nações que atualmente são governadas por lideranças progressistas.
A matéria foi corrigida para informar que o partido Chega conquistou 48 cadeiras no parlamento e o Partido Socialista, 77 – não o contrário.
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