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Em reação às mais de 20 invasões de terra em menos de uma semana e aos afagos do governo federal ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a bancada do agro na Câmara conseguiu a aprovação de urgência para votação de uma proposta que deve inibir invasões. A proposta, que prevê a possibilidade de acionar a polícia para retirada de invasores mesmo sem ordem judicial, ocorre após o governo não repreender invasões e premiar movimentos sociais com um programa de reforma agrária.
A votação reforçou o desgaste do governo com a bancada do agro que viu no lançamento do programa “Terra da Gente” um ato de conivência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com as invasões recentes do MST
Para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR) a ação do governo diante das invasões, é a “prova cabal de que, no Brasil do PT, o errado é o certo, e o crime, se cometido pelos aliados, compensa”. O líder da bancada do agro ainda questionou a pacificação pregada por Lula e integrantes do governo. “É assim que o governo federal diz querer paz no campo?”, disse Lupion.
A reação da bancada do agro pode ainda desencadear a votação de outras propostas para coibir as invasões de terra, envolvendo outros crimes atribuídos aos movimentos. "A irresponsabilidade do MST e o deboche das ameaças de invasões no 'Abril Vermelho' estão se concretizando. Para piorar, eles tem a conivência, ou omissão, do governo federal. É inadmissível que a gente ainda tenha esse tipo de crimes no campo. Eu não falo só de esbulho possessório, mas de extorsão, de dano ao patrimônio, crimes ambientais e corrupção e afins", disse presidente da Frente Parlamentar Invasão Zero, deputado Zucco (PL-RS).
A resposta do governo às invasões de terras incluiu a destinação inicial de R$ 520 milhões, com previsão de assentar 73 mil famílias ainda em 2024. Embora o MST aponte que há 105 famílias acampadas aguardando por terras, a meta do programa é assentar 295 famílias. A diferença se deve ao fato de o governo incluir no programa os assentamentos quilombolas, que, de acordo com o anúncio, receberão pouco mais de 25% do valor, ou seja, R$ 137 milhões.
Bancada do agro pode votar mais propostas para coibir invasões
A urgência para votação da proposta que permite que proprietários de terras acionem a polícia pra retirar invasores sem a necessidade de ordem judicial, é apenas a primeira de uma série de votações articuladas pela bancada do agro.
Os parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e da Frente Parlamentar Invasão Zero divulgaram uma lista com 17 propostas chamadas de "anti-invasão". Elas estão em diferentes estágios de tramitação, em quatro comissões da Câmara e no Senado, mas a articulação da bancada pode garantir que algumas sejam levadas diretamente para o plenário. Foi o que ocorreu nesta terça-feira, quando foi aprovada a urgência do PL que facilita a retirada de invasores das terras.
Com a articulação da FPA, a proposta, que estava na pauta de votações da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), passou direto para o plenário e terá o mérito analisado mais rapidamente. O mesmo pode ocorrer com outras propostas que foram elaboradas ou compiladas no ano passado, durante as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST.
De acordo com Lupion, este é o primeiro passo para coibir as ações do MST. “Não podemos aceitar, em pleno 2024, baderna no nosso país. Temos trabalhado na FPA para auxiliar com propostas que possam acabar com a liberdade de organizações que só destroem o desenvolvimento social e econômico. Ainda temos muito para caminhar, com projetos que vão desde tirar os invasores dos programas sociais do governo a tipificar o crime como terrorismo. Demos o primeiro passo agora”, afirmou Lupion.
Para o presidente da Frente Parlamentar Invasão Zero, deputado Zucco (PL-RS), as propostas devem colocar freio nas ações de grupos de invasão de terras.
“Vocês podem fazer o que vocês quiserem”, disse Lula para integrantes de movimentos
O lançamento do “Terra da Gente” contou com a presença de integrantes do MST e outros também ligados à reforma agrária, como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf). Em seus discursos, os representantes dos movimentos cobraram ainda mais ações para atender às demandas.
Ceres Hadish, do MST, cobrou “água, luz, estradas, escolas, postos de saúde, assistência técnica” para os assentamentos. “Assentar é mais que distribuir ou regularizar terras, é garantir o direito do acesso à terra e a todas as políticas públicas que permitem o pleno desenvolvimento das pessoas e das comunidades no campo”, disse a militante.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, sinalizou que deve atender à demanda na criação dos próximos assentamentos. “Nós queremos que esses novos assentamentos nasçam em berço de ouro. O que é nascer em berço de ouro? Com assistência técnica da melhor qualidade. Nós estamos fazendo uma rede de universidades estaduais, federais e institutos federais, para ajudar a ver quais são as questões ambientais e as questões econômicas, e, assim, fazer com que eles nasçam com muita orientação”, disse o ministro.
Ao mencionar a possibilidade de manifestações e greves no regime democrático, Lula disse que os movimentos podem fazer o que quiserem. “Nós queremos é provar de que somente através de um regime democrático, somente através da convivência democrática na diversidade, a gente pode fazer aquilo que a gente quer. A gente pode, enquanto trabalhador da cidade, reivindicar, fazer greve, pedir aumento de salário, pedir plano de carreira, o trabalhador da fábrica pode fazer greve, pode fazer um monte de coisa, e vocês podem fazer o que vocês quiserem”, exemplificou o presidente.
Lula também legitimou a continuidade das ações dos movimentos de reforma agrária. “Pedi ao [ministro] Paulo Teixeira um levantamento para a gente ter noção de todas as terras que podiam ser disponibilizadas para assentamento nesse país. Isso não invalida a continuidade da luta pela reforma agrária, mas o que queremos fazer é mostrar aos olhos do Brasil o que a gente pode utilizar sem muita briga", disse Lula no evento.
Sem repressão, MST critica o agro e não deve recuar mesmo com afagos
Apesar da atenção recebida, o MST não deve frear as invasões. O movimento, responsável pelas invasões de terras registradas no chamado “Abril Vermelho”, lançou uma “carta ao povo brasileiro”, em que justifica as ações e reforça as críticas ao agronegócio. O "Abril Vermelho" é o mês em que historicamente o MST realiza uma série de mobilizações e invasões para lembrar o massacre de Eldorado de Carajás, quando integrantes do movimento foram mortos em confronto com a polícia.
A carta, divulgada à imprensa e lida pela coordenadora nacional do MST, Ceres Hadich, durante evento no Palácio do Planalto, afirma que o agronegócio “não pode, não consegue e não quer produzir alimentos saudáveis, pois alimentar verdadeiramente o povo não cabe no seu projeto”. O movimento alega ainda que o setor “recebe subsídios vultuosos do Estado brasileiro e do capital internacional”, em meio a críticas sobre a atuação do agronegócio.
Além disso, o MST acusa o agronegócio de financiar “garimpeiros ilegais, grileiros e pistoleiros que ameaçam terras e povos indígenas, quilombolas e assentamentos”.
Nas redes sociais, Ceres compartilhou uma imagem com a lei que instituiu o dia nacional de luta pela reforma agrária e convocou a militância para “cumprir a lei”. “A luta pela reforma agrária é garantida por lei federal, desde 2002, quando se instituiu o dia 17 de abril como o dia nacional de Luta pela Reforma Agrária! Bora cumprir a lei, começou o abril vermelho!”, disse a militante na publicação feita na segunda-feira (15), dia do evento no Palácio do Planalto.
Agronegócio critica falta de repressão a ações do MST
Parlamentares ligados ao agronegócio criticaram a postura do governo Lula diante dos afagos ao MST, em meio à escalada de invasões. Para eles, o governo está premiando as ações do grupo que estaria cometendo crimes.
A senadora e ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina (PP-MS) chamou o programa de "saco de bondades" e considerou a ação como fracassada. "Já nasce, portanto, fracassada a política deste governo para frear as invasões de terras, que tanto mal fazem ao Brasil".
Tereza Cristina também questionou a atenção dada por Lula aos invasores. “O governo Lula 3 acaba de premiar o MST, que não para de cometer o crime de invadir propriedades, com uma 'prateleira de terras'. O programa acaba de ser lançado no Palácio do Planalto, com pompa e claque, no mesmo dia em que o MST ocupou mais sete propriedades, inclusive da Embrapa e do DNOCS [Departamento Nacional de Obras Contra as Secas]. Alguma dúvida de que o crime compensa?”, disse a senadora em publicação feita nas redes sociais.
Para o líder da bancada do agro no Congresso, deputado Pedro Lupion, o movimento tem agido com permissão do governo. “Cada um controla seus aliados. O MST está dentro do palácio do governo, dentro dos ministérios e com cargos importantes na administração federal. Isso acontece porque o governo deixa”, afirmou Lupion em entrevista ao Estadão.