Com a paralisação de um julgamento da primeira instância da Lava Jato por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem a possibilidade de se livrar de uma punição mesmo que venha a ser condenado. Isso porque parte dos crimes aos quais o petista responde na ação corre o risco de prescrever se a condenação dele for de até 4 anos de reclusão.
O crime que pode prescrever é o de lavagem de dinheiro na ação penal em que o petista é acusado de ter recebido propina por meio da compra de um terreno para construção de uma nova sede para o Instituto Lula e pela cessão, para seu uso pessoal, de um imóvel em São Bernardo do Campo (SP).
A data limite para que o julgamento ocorresse e a lavagem de dinheiro não tivesse risco de prescrição era 19 de dezembro, ou seja, neste sábado. Esse prazo prescricional existe porque, na ação, há pelo menos três réus com mais de 70 anos – o próprio Lula, o advogado Roberto Teixeira e Glaucos da Costamarques.
Por terem mais de 70 anos quando a sentença for proferida, os prazos de prescrição são contados pela metade. Por isso, a possível extinção da punibilidade pela prescrição ocorre dependendo de quantos anos Lula e outros receberão na sentença. Na prática, eles só serão punidos se forem condenados a mais de 4 anos de prisão.
STF paralisou julgamento para que Lula tivesse acesso a dados
O processo está há dois anos pronto para ser julgado. Mas enfrenta uma série de vaivéns que impediram que o juiz do caso, Luiz Antônio Bonat, pudesse tomar uma decisão. Bonat substituiu Sergio Moro na 13ª Vara Federal, onde tramitam as ações da Lava Jato em Curitiba.
O julgamento foi paralisado porque o STF entendeu que Lula tinha o direito a ter acesso a informações das investigações do Ministério Público Federal antes da análise final do caso.
Em agosto, a Segunda Turma do STF havia concedido acesso à defesa de Lula ao acordo de leniência firmado pela empreiteira Odebrecht com autoridades brasileiras. Para tanto, restava apenas que o Ministério Público e a Odebrecht especificassem quais dados diziam respeito ao ex-presidente. A decisão fez com que o processo, que estava pronto para sentença, voltasse à fase anterior à apresentação das alegações finais, que é a última fase antes do anúncio da sentença.
Em setembro, o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que a 13ª Vara Federal de Curitiba estava afrontando a decisão anterior do STF e ordenou que fosse garantida à defesa de Lula acesso ao acordo de leniência. A decisão foi uma resposta à reclamação dos advogados do petista, que se queixaram do fato de Bonat ter pedido manifestações do MPF e da própria Odebrecht antes de liberar acesso aos anexos em que Lula é citado.
Em outubro, o MPF pediu que o processo fosse retomado, alegando que a decisão do Supremo havia sido cumprida. Os procuradores argumentaram que as informações já haviam sido repassadas à defesa.
Mas Lewandowski entendeu que a decisão não havia sido cumprida. E, em novembro, voltou a determinar que a Justiça Federal de Curitiba disponibilizasse à defesa de Lula o acesso aos dados contidos no acordo de leniência entre a Odebrecht e o MPF nos processos que envolvem o ex-presidente na Lava Jato.
"O dado concreto é que a Lava Jato se recusa desde 2017 a dar acesso a documentos que estão na sua posse, situação que permanece inalterada mesmo após 3 decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal reconhecendo o direito afirmado pela defesa do ex-presidente Lula", dizem os advogados que representam o petista.
Dentre os documentos aos quais a defesa do ex-presidente tinha direito a ter acesso estão a troca de correspondência entre a força-tarefa da Lava Jato com outros países, como Estados Unidos e Suíça, além de vários relatórios, depoimentos e perícias.
Depois que o STF entender que Lula teve acesso aos dados, todos os réus ainda vão precisar apresentar suas alegações finais para que Bonat possa tomar uma decisão. Segundo a Justiça Federal do Paraná, a ação penal está suspensa no momento em função da decisão proferida por Lewandowski e uma eventual prescrição deverá ser analisada pelo juiz por ocasião da sentença.
Processo de Lula terá fase de alegações finais três vezes
O processo sobre a compra do terreno para o Instituto Lula e o aluguel do imóvel em São Bernardo do Campo é marcado por um vaivém de decisões judiciais. O caso chegou à fase de alegações finais pela primeira vez em 2018.
Após a decisão do STF que determinou prazos diferentes para entrega de alegações finais quando há réus delatores no processo, a ação penal contra Lula retornou a esse ponto no início de 2020.
E, mais uma vez, quando o processo estava pronto para sentença, a Segunda Turma do Supremo determinou que a defesa tivesse acesso aos documentos do acordo de leniência da Odebrecht, atrasando mais uma vez a conclusão do caso.
Entenda o caso
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, entre 2010 e 2014, o executivo Marcelo Odebrecht prometeu uma propina no valor de R$ 12,4 milhões para o ex-presidente Lula, paga na forma da aquisição de um terreno para a construção de uma nova sede para o Instituto Lula, em São Paulo.
O MPF afirma que, para receber a propina, Lula contou com o auxílio de um seus advogados, Roberto Teixeira, e também do ex-ministro Antonio Palocci. O terreno foi comprado por Glaucos da Costamarques e pela DAG Construtora, que agiram como “laranjas” da Odebrecht. A construção da nova sede do instituto, porém, nunca ocorreu.
No mesmo processo, o MPF também denunciou Lula, Glaucos e Teixeira por lavagem de dinheiro no valor de R$ 504 mil, realizado através da aquisição em favor de Lula do apartamento em São Bernardo do Campo. O imóvel foi mantido no nome de Glaucos, mas foi adquirido com recursos da Odebrecht por intermédio da DAG.
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