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Lula sinaliza apoio à ofensiva da China para fortalecer o bloco dos Brics e desafiar os EUA

Presidente Lula durante viagem à China (Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto)

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Numa sinalização de um maior alinhamento com a China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aproveitou sua visita ao país asiático para mandar um recado para os Estados Unidos. Em Xangai, o petista fez um discurso contra o dólar e defendeu o fortalecimento do Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

O movimento do petista ocorre em meio a um esforço da China para dar um caráter político ao bloco, originalmente econômico, dos Brics. O objetivo de Pequim é fazer frente à hegemonia dos Estados Unidos e de outros blocos como o G-7, o grupo das sete maiores economias do mundo.

Nesta sexta-feira, ao se encontrar com Zhao Leji, o terceiro na hierarquia do Partido Comunista Chinês, Lula afirmou: "Queremos elevar o patamar da parceria estratégica entre nossos países, ampliar fluxos de comércio e, junto com a China, equilibrar a geopolítica mundial".

A fala sobre equilíbrio da geopolítica deu um tom político e não apenas econômico ao posicionamento brasileiro. Caso a aproximação continue, o Brasil pode se integrar ao eixo das ditaduras da China, da Rússia, do Irã, da Coreia do Norte e da Arábia Saudita, que está em processo de formação.

A ideia de Brics foi criada em 2001 pelo economista do banco Goldman Sachs, Jim O'Neill, que agrupou inicialmente Brasil, Rússia, Índia e China em um acrônimo para designar economias em desenvolvimento com potencial para liderar a economia global no meio do século 21. Os países adotaram a ideia e fizeram a primeira reunião do bloco econômico em 2009. A África do Sul foi incorporada no ano seguinte.

Mas, quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022, a China, que estava na presidência rotativa dos Brics, passou a manobrar para aumentá-lo e utilizá-lo para confrontar politicamente seu maior rival, os Estados Unidos. Pequim vem então usando o sentimento anti-americano para aproximar países como o Irã e o Uruguai. Outras nações começaram a se interessar pelo grupo por entender que os EUA não teriam mais interesse em protegê-los, como no caso da Arábia Saudita.

Nesse contexto, Lula abraçou uma das principais bandeiras da China e da Rússia: tentar enfraquecer a hegemonia do dólar, usado como a principal moeda de trocas globais.

"Quem decidiu que era o dólar a moeda? Depois que desapareceu o ouro como paridade? Por que não foi o iene? Por que não foi o real? Por que não foi o peso? Porque as nossas moedas eram fracas, as nossas moedas não têm valor em outros países. Então, se escolheu uma moeda sem levar em conta a necessidade que nós precisamos ter uma moeda que transforme os países em uma situação um pouco mais tranquila", disse Lula.

No último mês, o Banco Central brasileiro anunciou que havia fechado um acordo com chinês para conversão direta das moedas dos dois países em operações comerciais. Até então, as instituições precisavam fazer as operações com a intermediação do dólar americano.

Mas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad negou que os ataques de Lula ao dólar tenham fundamentação geopolítica. Ele afirmou que, do ponto de vista econômico, em paralelo ao novo sistema, as transações em dólar vão continuar acontecendo.

O dólar se consolidou como a moeda de comércio internacional após a Segunda Guerra. Na década de 1970, ele deixou de ser lastreado pelo ouro, o que rendeu a Washington um poder praticamente hegemônico sobre a economia mundial.

Além da declaração contra a moeda norte-americana, Lula visitou um centro de pesquisa da gigante de tecnologia Huawei, considerada pelos EUA um risco à segurança e um braço do governo chinês. Contudo, a Huawei afirma ser uma empresa privada que acabou indo parar no centro das disputas sino-americanas.

As declarações de Lula seguem um padrão diplomático iniciado em seu primeiro governo - época em que o mundo estava menos polarizado. O presidente brasileiro tenta dialogar com potências antagônicas e até com países autocráticos, como o Irã e a Venezuela. Para isso, adapta seu discurso de acordo com o país que visita.

Para Manuel Furriela, professor de Direito Internacional da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), o movimento de Lula, por enquanto, ainda não tem peso para gerar um desgaste com o governo norte-americano.

"Os Estados Unidos provavelmente farão algumas críticas a essas declarações do Lula, mas eu não acredito que isso, neste momento, vai levar a um desgaste das relações entre Brasil e Estados Unidos ou algum problema mais sério. Pelo menos no momento atual", avalia Furriela.

China defende que Brics seja ampliado e fortaleça os laços políticos dos membros 

A China, no entanto, tem defendido uma expansão dos Brics e se movimentado para atrair outros países para o bloco. Em maio do ano passado, por exemplo, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, realizou uma reunião dos ministros das Relações Exteriores do bloco com a presença de outros nove convidados, incluindo da Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.

No mês seguinte, como anfitrião de uma cúpula do Brics, o líder chinês, Xi Jinping, defendeu a expansão do grupo e propôs novos esforços cooperativos na economia digital, comércio e investimento e na cadeia de suprimentos. O líder comunista também convidou pelo menos 13 líderes mundiais para participar de um diálogo sobre desenvolvimento global com os países do Brics, incluindo o presidente iraniano Ibrahim Raisi e o primeiro-ministro cambojano Hun Sen.

Em julho, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, chegou a sugerir que os membros do grupo “criassem uma nova moeda de reserva mundial para melhor atender a seus interesses econômicos”. A estratégia seria uma forma de Moscou amenizar os efeitos das sanções internacionais impostas à Rússia pelo G7 depois da invasão da Ucrânia. A China e outros países que antagonizam com os EUA querem esvaziar a força do dólar para se proteger de eventuais sanções futuras. Contudo, segundo analistas, a hegemonia da moeda americana ainda deve perdurar por décadas.

Lula defende plano de paz para a Ucrânia que beneficia Moscou

Ainda neste ano, a Rússia defendeu o plano de paz proposto pela China para pôr fim à guerra na Ucrânia. A proposta é vista com bons olhos por parte dos integrantes do governo Lula e será tema de debate durante o encontro do brasileiro com Xi Jinping nesta sexta-feira (14).

“A minha sugestão é que a gente crie um grupo de países, que tente sentar à mesa com a Ucrânia e com a Rússia para tentar encontrar a paz”, declarou Lula antes de embarcar para Pequim, acrescentando que o Brasil está disposto a participar da mediação e que a China teria um papel importante na negociação pelo fim da guerra. O presidente brasileiro aparentemente parou de dizer que bastaria tomar uma cerveja com o líder russo e o presidente ucraniano para acabar com a guerra.

O plano de paz da China, no entanto, é considerado pró-Rússia e já foi descartado pela Ucrânia e pelos demais países do Ocidente. Isso porque ele não prevê a retirada das tropas do Kremlin do território ucraniano invadido em Luhansk, Donetsk, Zaporizhzia, Kherson e Crimeia.

Depois de sofrer críticas no Brasil e no exterior, Lula fez novas declarações sem mencionar as regiões tomadas em 2022 e passou a defender que a Rússia se aposse ilegalmente da Crimeia para selar a paz.

O chanceler russo, Sergey Lavrov, desembarcará na próxima segunda-feira (17) no Brasil para se reunir com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. A posição de Lula agrada muito Moscou, pois dá suporte ao uso da guerra e da violência para resolver questões políticas. Essa prática havia sido banida pela comunidade internacional após o fim da Segunda Guerra.

A expectativa é que Vieira apresente a Lavrov um cenário da discussão feita por Lula e Xi Jinping sobre a guerra na Ucrânia. A visita de Lavrov ao Brasil ocorre menos de um mês após o assessor especial da Presidência para política externa, o ex-chanceler Celso Amorim, visitar a Rússia.

Pressão chinesa põe em risco a posição do Brasil no bloco dos Brics 

No discurso, o Brasil tem defendido que pretende manter a neutralidade na guerra da Ucrânia. O país também defende o "multilateralismo" em suas relações diplomáticas. A Rússia e a China também usam esse termo para passar a ideia de desejarem um mundo mais igualitário. Mas outra interpretação sobre esse posicionamento é que Moscou e Pequim na verdade tentam impor suas vontades a nações mais fracas em termos econômicos e de capacidade bélica.

Lula sugeriu por diversas vezes que a Ucrânia seria tão culpada quando a Rússia pela guerra, o que enfureceu a Ucrânia e deixou líderes ocidentais em estado de alerta. Isso porque a Ucrânia foi a vítima e a Rússia a autora da invasão armada.

Em uma votação nas Nações Unidas há duas semanas, o Brasil foi um dos únicos países a ficar ao lado de uma proposta da Rússia de criar um grupo de investigação no órgão para examinar as explosões nos gasodutos Nord Stream 1 e 2 no mar do Norte. Ao lado do Brasil estavam apenas a China e a própria Rússia. Em votações anteriores o Itamaraty vinha adotando posições ambíguas, sempre evitando acusar Moscou diretamente pela guerra.

A expectativa a partir de agora é de que a pressão da China e da Rússia por um maior alinhamento político entre os integrantes do Brics seja ampliada durante a próxima reunião da cúpula, que vai acontecer na África do Sul em agosto.

O líder sulafricano, Cyril Ramaphosa, que ocupa a presidência rotativa dos Brics, já deu sinais de ceder à pressão. Ele foi além da abstenção a críticas a Moscou na ONU. Neste ano, por exemplo, a África do Sul participou de um exercício militar naval em conjunto com as marinhas da Rússia e da China.

O alinhamento, que avançou além da linha do discurso político, já provoca desgastes para a diplomacia da África do Sul. A presença de Putin no próximo encontro do Brics virou uma incógnita, depois que o Tribunal Penal Internacional pediu a prisão do presidente da Rússia por crimes de guerra. Moscou agora tenta costurar com Pretória uma forma na qual Putin participe do evento sem ser preso.

Vicent Magwenya, porta-voz do presidente sul-africano, informou que o governo busca “mais compromissos em termos de como isso será gerenciado”, e que assim que as negociações forem concluídas os anúncios necessários serão realizados.

A Índia, outro membro dos Brics, é uma grande rival econômica da China e tem mantido uma posição de neutralidade no bloco. Mas, ela se beneficiou com o conflito por meio da compra de petróleo abaixo do preço de mercado oferecido pela Rússia por causa da guerra.

Publicamente, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, já deixou claro que recebeu de Lula a missão de reconstruir pontes e abrir canais nas relações com praticamente todas as regiões do mundo.

No Itamaraty, a avaliação é de que o Brasil voltou a fazer “diplomacia presidencial”. Isso quer dizer, na opinião dos governistas, que Lula vai tentar se engajar pessoalmente nas mais importantes discussões globais, além de viajar para os mais diversos países. Porém, na prática, o presidente está também reforçando laços com regimes ditatoriais.

Para o professor Furriela, a estratégia de Lula é tentar se manter independente dos EUA e da China, ao mesmo tempo que participa de um bloco fortalecido, como os Brics.

"Não interessa ao governo brasileiro a demonstração de um alinhamento com a China ou com os Estados Unidos. Agora fazer parte de um bloco, onde haverá um tratamento por igual a todos os integrantes, fortalece a proposta de agenda brasileira de independência internacional", afirma o professor de Direito Internacional.

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