Ao falar sobre os 10 anos da Lava Jato, o ex-procurador da força-tarefa, Carlos Fernando dos Santos Lima, disse que “Lula tinha que estar na cadeia”. Aposentado em 2019, Lima disse que o Supremo Tribunal Federal (STF) está no centro do desmonte da Lava Jato e não vê chance de surgimento de uma nova operação de combate à corrupção.
As declarações foram dadas em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo (Estadão), nesta quarta-feira (13).
Lima participou do início do que viria a se transformar na maior operação de combate à corrupção já realizada no país. Sendo o mais experiente dos membros da operação, Lima ajudou na criação das estratégias e foi o responsável por parte da essência da Lava Jato.
Lima também assinou a denúncia que levou o presidente Lula (PT) à prisão por recebimento de propina da OAS na forma de um apartamento triplex no Guarujá, no litoral paulista.
Mais tarde, a condenação de Lula foi revertida pelo STF, que segundo o procurador aposentado, promoveu um desmonte na operação e virou “fonte de insegurança jurídica”.
“É um jogo muito pesado os colaboradores investirem contra a colaboração. Alguns estão fazendo isso porque não querem pagar as multas. E o que está acontecendo hoje é que existem estruturas dentro do Judiciário jogando a favor da impunidade, jogando a favor da destruição da Lava Jato. Se as colaborações forem feitas conforme as orientações internas do Ministério Público Federal, são um instituto poderoso [...] Há interesses de legisladores e de ministros do Supremo, que estão lá muitas vezes na defesa de agrupamentos políticos. Infelizmente, nossa democracia é assim mesmo. Aí basta uma canetada de um ministro, porque hoje não se julga mais coletivamente, para ter toda essa confusão que foi instaurada”, disse o procurador.
Lima negou que tenha havido excessos de membros da operação, como acusam constantemente os críticos da Lava Jato.
“Isso é terminologia típica de quem quer jogar para a população e tentar desqualificar o oponente. O Ministério Público só sofre o que está sofrendo porque fez o certo e fez bem feito. Os fatos aconteceram”, afirmou.
Ao afastar qualquer possibilidade de politização da operação, o procurador destacou que a Lava Jato contava “com mais de 50 procuradores, centenas de policiais, delegados, peritos, auditores da Receita Federal” e investigou alvos de organizações e partidos variados.
“Nunca houve uma direção política. Nós iniciamos investigando um fato criminoso envolvendo uma diretoria da Petrobras que estava dividida entre PP e PT. Então, esses foram os alvos iniciais, mas depois ela se estendeu para o PSDB em São Paulo e para o MDB no Rio de Janeiro. A Lava Jato foi crescendo de tal maneira que foi abarcando e atacando a classe política como um todo, todos os grandes partidos. E revelou um fato essencial no Brasil dos últimos 30 anos: a classe política tem cada vez mais se apropriado do dinheiro público para sustentar campanhas eleitorais caríssimas e para sustentar uma máquina partidária”, disse.
Apesar de reconhecer que a operação foi completamente desmontada, Lima afirmou que o legado da Lava Jato está no que ela revelou e passou a ser parte do imaginário popular.
“Esse é o legado. São os fatos e a esperança, que ainda existe em boa parte da população, de que de alguma forma isso volte a acontecer, que nós tenhamos capacidade de limpar o sistema político”, apontou o procurador.
Sem perspectiva sobre o surgimento de uma nova operação com os traços da Lava Jato, Lima disse que tentar montar uma operação semelhante, atualmente, seria um “erro”.
“Seria um erro tentar novamente uma operação do tamanho da Lava Jato. Mostrou-se que ela se torna inviável. O poder político se torna incontrolável quando se vê acuado daquela maneira. Ela tem que ser desmembrada em menores e, ao mesmo tempo, bem coordenada, porque não se pode perder a visão do todo. Então, eu acho que nós temos que repensar a formulação e saber que tem uma hora que nós vamos ter que enfrentar uma ressaca, o poder político vai vir com tudo, assim como fez nas Mãos Limpas na Itália”, afirmou.
Lima revelou ainda não enxergar com bons olhos a ida do ex-juiz Sergio Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol para a política. Para Lima, Moro foi “cooptado” pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, por quem o procurador aposentado diz não nutrir qualquer simpatia.
“Bolsonaro foi um surfista que se apropriou, espertamente, do discurso de combate à corrupção, enquanto nos gabinetes da família rolavam as rachadinhas, o que gerou uma apropriação indevida das investigações pela extrema-direita. Tudo isso facilitou uma argumentação genérica contra a Lava Jato, que é difícil até de responder. Ele cooptou, no final, o próprio Moro [...] Deltan saiu porque ou ele saia ou saíam com ele. Essa foi também uma conversa bem clara que eu tive com ele depois do episódio do (procurador) Diogo Castor, obrigado a pagar do próprio bolso um outdoor elogiando a Lava Jato. Uma burrice total, mas no máximo deveria ter sido punido com uma advertência. Ele foi demitido. Veja a desproporção. E ficou claro que o próximo a ser demitido seria Deltan Dallagnol. Ele foi para política, daí é uma situação diferente. De qualquer modo, também gerou o mesmo recurso ao argumento retórico de que tudo não passava de uma grande conspiração contra o Lula”, afirmou Lima.
Questionado se o presidente Lula deveria estar preso, o procurador disse que “primeiro, não deveria nem estar como presidente”.
“Ele deveria estar preso. A prisão dele foi correta. Não foi o Moro que prendeu o Lula. A prisão decorreu da confirmação, pelo Tribunal Regional da 4ª Região, de que houve crime e que Lula era o autor. Um órgão colegiado, por unanimidade, entendeu que havia provas que Lula era o autor desses crimes. Depois disso, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) não viu nenhuma ilegalidade. Lula é inocente? Não. Ele é inocente pela presunção da inocência decorrente da anulação de todos os processos pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, se eu lembro bem, o TRF-4 disse que ele era culpado. Então, para mim, Lula tinha que estar na cadeia”, ressaltou.
Por fim, o procurador criticou o revisionismo promovido pelas instâncias superiores e disse que, no início da operação, depois de alguma resistência, o STF chegou a dar sinais de uma atuação no mesmo sentido da Lava Jato em relação ao combate à corrupção.
“As primeiras decisões do Teori (Zavascki, ex-ministro do STF) não foram exatamente decisões favoráveis à operação. Mas à medida em que houve o convencimento dele, através das sucessivas fases da operação, ele passou a tentar fazer com que as investigações prosseguissem. Porque é importante dar limites ao Estado em suas investigações, mas também é importante permitir que elas sigam em frente. O ministro foi percebendo também que, de cada pena que se puxava, saía uma galinha inteira. Mesmo depois do seu falecimento (em janeiro de 2017), isso continuou. Nós tínhamos uma confiança do que eu considero o núcleo ‘são’ do Supremo Tribunal Federal. Com as mudanças na composição do STF, a classe política conseguiu reverter a vantagem da Lava Jato e isso foi se perdendo”, concluiu.
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