O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) transformou a visita do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, na principal recepção feita aos chefes de Estados que desembarcam no Brasil nesta semana. Além do encontro com o venezuelano desta segunda-feira (29), o petista realiza nesta terça-feira (30) um encontro com ao menos de 10 líderes de países da América do Sul.
Para o ditador de esquerda, no entanto, Lula preparou uma cerimônia especial com direito a subida pela rampa do Palácio do Planalto. Essa é a primeira vez que Maduro desembarca no Brasil desde 2015, quando participou de um encontro entre os países do Mercosul, promovido pela então presidente Dilma Rousseff (PT).
Maduro ficou impedido de entrar no Brasil em 2019, quando o então presidente Jair Bolsonaro rompeu relações diplomáticas com a Venezuela e fechou a embaixada brasileira em Caracas. Até o final do ano passado, a diplomacia brasileira reconhecia o dirigente opositor Juan Guaidó como presidente interino do país venezuelano. Com a volta de Lula ao Planalto, no entanto, as relações diplomáticas entre os dois países foram restabelecidas.
Além de um encontro a portas fechadas com Lula, Maduro foi ainda recebido em uma reunião ampliada com diversos integrantes do governo petista, entre eles o ministro da Fazenda, Fernando Hadadd (PT). Na sequência, os dois governos realizarão uma cerimônia para assinatura de atos. Após isso, um almoço será servido para Maduro e sua mulher no Palácio do Itamaraty, sede da chancelaria brasileira.
"Agradeço a calorosa acolhida com que fomos recebidos em Brasília, capital da República Federativa do Brasil. Nas próximas horas estaremos desenvolvendo uma agenda diplomática que reforce a necessária união dos povos de nosso continente", publicou Maduro nas redes sociais.
Segundo integrantes do governo Lula, a reunião com Maduro servirá para repassar o processo de normalização da relação entre os dois países. O novo embaixador venezuelano, Manuel Vicente Vadell Aquino, já apresentou as credenciais em Brasília. Antes chegar ao Planalto, o ditador foi recebido na Base Aérea de Brasília pela embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores.
Brasil quer atuar como observador das eleições da Venezuela em 2024
Integrantes da diplomacia brasileira argumentam ainda que um dos temas que será discutido durante a visita de Maduro ao Brasil será a realização das eleições da Venezuela no ano que vem. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, esse encontro será a oportunidade para que o presidente brasileiro e o ditador conversem sobre os "processos de diálogo interno na Venezuela".
As eleições, previstas para ocorrerem em maio de 2024, vem sendo acompanhadas por diversos países, como Estados Unidos, México e Noruega. Segundo integrantes do governo Lula, a oposição ao regime de Maduro já sinalizou que não pretende adotar um movimento para interromper o atual mandato do ditador. No entanto, a oposição trabalha para viabilizar uma eleição que dê condições legítimas para que diferentes partidos possam concorrer – o que não correu nos últimos pleitos realizados no país vizinho.
Maduro assumiu o poder após a morte de Hugo Chávez em 2013 e desde então vem sendo acusado de violações de direitos humanos. Neste ano, por exemplo, o Brasil atingiu a marca de 100 mil venezuelanos interiorizados no Brasil por conta da crise econômica e social do país vizinho.
Além do Brasil, outros países como Colômbia, Equador e Peru são os mais procurados pelos venezuelanos que tentam fugir do regime de Maduro. Mais de 7 milhões de venezuelanos já deixaram o país, segundo o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Além dos refugiados, o encontro de Lula com Maduro também terá como pauta a proteção das populações que residem nas fronteiras entre os dois países, entre elas os povos yanomami.
De volta ao Planalto, Lula defendeu "carinho especial" com a Venezuela
Além de restabelecer relações diplomáticas com a ditadura de Maduro, Lula tem defendido que os demais países tenham um "carinho especial" com as ditaduras da Venezuela e de Cuba. O petista também já indicou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) volte a conceder empréstimos ao governo venezuelano, que já acumula uma dívida de mais de US$ 1 bilhão.
"O Brasil, sobretudo o Brasil, e os países que compõem a Celac, têm que tratar Cuba e Venezuela com muito carinho. E aquilo no que pudermos ajudá-los a resolver seus problemas, vamos ajudar", disse Lula na ocasião.
Sobre a dívida da Venezuela com o Brasil, integrantes do governo Lula admitem que os dois países já negociam formas de pagamento. Em março, durante uma visita à Caracas, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, alegou que havia uma disposição ditador Maduro em ressarcir os cofres brasileiros, mas desde então nenhum plano de pagamento foi divulgado pelo governo petista.
O maior projeto financiado pelo BNDES na Venezuela foi a construção da Usina Siderúrgica Nacional, tocada pela empreiteira Andrade Gutierrez. A obra teve um empréstimo de US$ 865 milhões contratado em 2010. Em meio às investigações da Operação Lava Jato, o financiamento foi suspenso. Outro projeto de destaque é construção da Linha 2 do Metrô de Los Teques, a cargo da Odebrecht, que recebeu empréstimo de US$ 862 milhões e também foi suspenso por suspeitas de corrupção.
Cúpula vai receber demais chefes de Estados da América do Sul
O encontro com Maduro no Planalto ocorre na véspera da cúpula do Sul, que foi convocada por Lula junto aos demais chefes de Estado do continente. Ao menos dez líderes confirmaram presença no evento que será realizado no Palácio do Itamaraty.
Até esta segunda, apenas a presidente do Peru, Dina Boluarte, não tinham indicado presença no evento. O Peru vive uma grave crise política desde a destituição do agora ex-presidente Pedro Castillo, no fim do ano passado. Em seu lugar, virá o presidente do conselho de ministros do país, Alberto Otárola, uma espécie de primeiro-ministro. A Guiana Francesa não participa porque é um território ultramarino da França.
Lula vai propor aos demais chefes de Estado a criação de um novo mecanismo de coordenação com a participação de todas as nações do continente sul-americano. O objetivo é retomar um espaço de deliberação conjunta para a integração regional, a despeito das divergências políticas entre os governos.
Esse será o primeiro encontro com todo o grupo desde 2014, quando houve a última reunião da União das Nações Sul-americanas (Unasul) com todas as nações do bloco.
"O principal objetivo desse encontro é retomar o diálogo com os países sul-americanos, que ficou muito truncado nos últimos anos, e é uma prioridade do governo Lula. Temos consciência que há diferença de visão e diferenças ideológicas entre os países, mas ele [Lula] quer reativar esse diálogo a partir de denominadores comuns com os países”, explicou a embaixadora Gisela Padovan.
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