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Ao marcar um evento para relembrar os atos ocorridos em 8 de janeiro de 2023, nesta quarta-feira (8), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) almeja manter o clima de polarização com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para uma eventual disputa em 2026. Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que o ato visa pressionar a direita e agradar à base petista.
A expectativa é de que o evento deste ano tenha maior representação da esquerda. No ato "Democracia Inabalada", em 2024, o Executivo realizou uma cerimônia fechada com os presidentes dos demais Poderes, ministros e parlamentares da base aliada. Neste ano, o evento terá mais etapas além da solenidade no Planalto. Além da cerimônia com autoridades, a programação inclui a entrega de obras de arte restauradas, como o relógio do século 17 reparado na Suíça e uma manifestação na Praça dos Três Poderes intitulada de "Abraço da Democracia".
Diferentemente do ano passado, Lula não deverá contar com as presenças de Arthur Lira (PP-AL), Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Luiz Roberto Barroso. O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), favorito na disputa pela sucessão da Câmara, e o senador Davi Alcolumbre (União-AP), favorito no pleito pela presidência do Senado, também não devem participar do ato. A avaliação é de que o comparecimento pode causar atrito com parlamentares de oposição às vésperas da eleição no Congresso. O ministro Edson Fachin, vice-presidente do STF, representará a Corte.
O Partido dos Trabalhadores (PT) e demais aliados se mobilizam para levar manifestantes no ato programado na Praça dos Três Poderes, mas há incertezas sobre o comparecimento de público.
Com indicadores econômicos pressionando o governo, como a alta do dólar, o ato é avaliado pelo mundo político como uma forma de ofuscar o noticiário econômico e melhorar a imagem do mandatário, que vê sua rejeição crescer desde que assumiu o cargo.
O último levantamento feito pelo instituto PoderData, publicado neste domingo (5), mostrou que 33% dos entrevistados disseram que o governo Lula é “ruim ou péssimo”, enquanto 27% classificaram como “ótimo ou bom”. Em janeiro de 2023, o cenário era inverso: 43% aprovavam e 33% rejeitavam. Os que consideram o governo “regular” saltaram de 14% para 35%.
O governo Lula também tentou usar o Globo de Ouro conquistado pela atriz Fernanda Torres para promover o ato de quarta-feira.
“O Brasil merecia isso. E, sobretudo, isso acontecer para você faltando dois dias para a gente fazer o ato em defesa da democracia. [...] Quero ver se a gente consegue transformar 2025 em um ano de defesa da democracia, contra a extrema-direita e contra os fascistas”, disse Lula ao ligar para a atriz na segunda-feira (6).
O cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), acredita que a realização do evento busca reforçar uma narrativa que favoreça o grupo político do presidente Lula.
“O objetivo é realizar aquilo que chamamos na Ciência Política de controle de narrativa. Querem manter viva a ideia de que o grupo político associado ao ex-presidente Bolsonaro tentou subverter a ordem democrática e destituir autoridades da República pelo uso da força”, explica.
Segundo Gomes, essa estratégia discursiva tem encontrado resistência na opinião pública, mas cumpre o papel de fortalecer a base de apoio já consolidada do governo.
“Para além daquele 25% a 30% que invariavelmente apoia o PT e o lulopetismo, não houve uma grande comoção nacional. Mesmo assim, essa narrativa serve para eletrizar o grupo político alinhado com o governo e o Judiciário, que a reproduz como uma interpretação legítima dos fatos”, avalia.
Ato reforça polarização, mas impacto fora da base de Lula é limitado
O cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte, avalia que o evento promovido pelo presidente tem como objetivo principal reforçar a polarização política e mobilizar a base que acredita na narrativa de uma tentativa de golpe de Estado no 8 de janeiro de 2023..
"Eles vão tentar fazer disso uma data, como um dia de intentona, não comunista, mas golpista. O objetivo é claramente político, publicitário: tentar manter a base que acredita que houve uma tentativa de golpe ainda mobilizada e jogar pressão pública contra a direita, que cresceu muito", afirma.
Segundo Cerqueira, o evento também busca desviar a atenção do desgaste enfrentado pelo governo devido à alta do dólar, dos juros e do impacto econômico no início do ano.
“Com certeza isso incentiva a polarização e tenta tirar o Lula dos maus momentos que ele vem passando por conta da economia. No entanto, o impacto será restrito. A parte que acredita que houve uma tentativa de golpe já é a base eleitoral do Lula e do PT. Por outro lado, quem vê aquilo como um ato de vandalismo não vai dar muita importância para o evento”, destaca.
Parte do PT quer Bolsonaro elegível para manter polarização
Para manter o presidente em destaque, uma ala do Partido dos Trabalhadores entende que o embate entre Lula e Bolsonaro precisa continuar até 2026. Sob anonimato, um presidente de um partido do Centrão afirmou à reportagem que alguns petistas desejam que Bolsonaro seja reabilitado eleitoralmente, para que Lula tenha um oponente para polarizar.
A leitura de integrantes do PT é de que o retorno de Bolsonaro à disputa daria a Lula uma vitória mais tranquila, visto que, para alguns, a rejeição a Bolsonaro seria maior do que a de Lula. Caso outro candidato surgisse, o cenário seria mais incerto.
Uma ala do Centrão e a oposição acreditam que o ex-presidente pode vencer Lula caso seja reabilitado eleitoralmente. Além dos fatores econômicos negativos do governo Lula, analistas apontam que o recado das urnas em 2024 favoreceu o centro e a direita, o que pode se repetir em 2026.
Polarização desejada por Lula é insustentável até 2026
Na avaliação do cientista político Antônio Testa, o evento promovido por Lula é mais uma ação de caráter publicitário e sem impacto significativo. “O ato é fake, como quase todas as ações e falas do Lula. Para se manter na mídia, ele precisa de eventos forjados e bem pagos, afirmou.
Testa aponta que o desgaste do governo e a crescente rejeição popular tornam essa tentativa de manter a polarização pouco viável. Na visão do especialista, a estratégia de polarização será obsoleta em 2026. “Esse jogo será ultrapassado. Jogadores velhos, sem propostas exequíveis para um mundo novo e imprevisível, não terão espaço”, avalia.
Ele acredita que novos nomes devem surgir no cenário político. “Terão que aparecer novos jogadores com capacidade para mudar de fato esse jogo da velha política. Bolsonaro será um grande eleitor, mas não disputará. Lula, talvez, tente emplacar outro poste”, afirma.
Oposição critica Lula por evento
Parlamentares de oposição criticaram duramente o evento planejado pelo governo Lula para relembrar o 8 de janeiro, classificando-o como uma tentativa de manipulação de narrativa e desvio de atenção dos problemas enfrentados pelo país. Para o líder da oposição na Câmara, o deputado Luciano Zucco (PL-RS), o governo usa o ato para justificar o cerceamento da liberdade de expressão.
“Uma narrativa contraditória e seletiva, vale ressaltar. Como pode um governo que se autointitula defensor da democracia apoiar regimes autoritários como o de Nicolás Maduro, cuja reeleição é amplamente questionada? Esse falso discurso de defesa da democracia tem como único objetivo deslegitimar quem se opõe ao governo e espalhar a ideia de que o Brasil corre o risco de ser governado por ‘antidemocratas’”, disse Zucco.
Na avaliação do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), a iniciativa é vazia e busca potencializar uma narrativa infundada.
“Essa ‘comemoração’ que o governo Lula pretende fazer em relação aos eventos de 8 de janeiro é a verdadeira exaltação ao nada! Nada há para comemorar. Querem, sim, potencializar a narrativa de um suposto golpe impossível. Em nenhum momento houve deslocamento de tropas, jamais os comandos militares cogitaram tal intento e nunca as autoridades da República estiveram ameaçadas”, afirma.
Já o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, afirmou que o evento faz parte de uma estratégia para encobrir falhas da atual gestão.
“Começa o ano de 2025, e os sinais são claros: a cortina de fumaça do pretenso golpe serve para mascarar o desgoverno, o desastre econômico, a perseguição de adversários políticos e a narrativa de que o PT defende a democracia. O ataque às redes sociais e a tentativa de regulamentação revelam o desespero de quem não consegue mais esconder a verdade”, critica.
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*Metodologia: A pesquisa do instituto PoderData sobre a popularidade de Lula foi realizada entre os dias 14 a 16 de dezembro de 2024 com 2.500 pessoas em 192 cidades das 27 unidades da federação. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.