O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está à caminho da Cúpula dos Brics (grupo comercial e diplomático formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que acontece na cidade de Joanesburgo, na África do Sul, entre os dias 22 e 24 deste mês. Na agenda estão previstas discussões sobre critérios para admissão de mais países-membros no bloco, posicionamento diplomático em relação à guerra na Ucrânia, fortalecimento do Banco dos Brics e maior cooperação econômica.
O assunto-chave em discussão deve ser a possibilidade de expansão futura do bloco. Mas não há perspectivas de que novos países sejam aceitos nesta 15ª Cúpula dos Brics.
China e Rússia têm pressionado o grupo para que mais países o integrem. Isso porque, desde 2022, Pequim tem tentado transformar o caráter do bloco de puramente econômico para político. Os chineses tentam fortalecer os Brics com base em uma agenda antiamericana para transformar o bloco em um organismo político capaz de fazer frente ao G7, o grupo das maiores economias democráticas do planeta, que é liderado pelos Estados Unidos.
A politização do bloco também é conveniente à Rússia, que foi isolada nas áreas econômica e diplomática pelas nações do Ocidente por causa da invasão da Ucrânia. Esse contexto de rivalidade entre Washington e seus aliados do G7 contra Pequim e Moscou vem sendo chamado por analistas de "Guerra Fria 2.0".
Ou seja, os chineses trabalham para que o Brics seja cada vez maior, para que possa ser usado contra os Estados Unidos. Os russos enxergam também a possibilidade de diminuir seu isolamento comercial e diplomático.
A expansão dos Brics é boa ou ruim para o Brasil?
A expansão dos Brics tem aspectos tanto negativos quanto positivos para o Brasil. O negativo se dá pelo fato que tanto o Brasil como a África do Sul são as economias mais fracas dos Brics. A inclusão de mais países ao grupo pode deixar o Brasil em uma posição ainda mais desconfortável, segundo José Augusto de Castro, presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil. Com mais países no bloco, o Brasil pode perder importância política e poder de decisão no grupo.
Outro aspecto negativo é a possível entrada de mais ditaduras além da China e da Rússia, em um contexto de tentativa de politização do bloco. Além do sistema de governo, candidatos como Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos têm culturas e religiões completamente diferentes das praticadas no Brasil.
Outros países que pleiteiam a entrada nos Brics são a Indonésia, a Argentina, o Egito, Etiópia e a ditadura vizinha aliada de Lula, a Venezuela.
Por outro lado, a disparidade entre a economia chinesa e a brasileira tende a colocar o Brasil em uma posição de submissão aos chineses no bloco. Assim, a entrada de mais países-membros seria positiva, pois tenderia a diluir esse efeito, segundo o analista de riscos Nelson Ricardo Fernandes Silva, da ARP Risk.
O presidente Lula se posicionou sobre o tema da expansão dos Brics no início de agosto: "Eu acho extremamente importante a gente permitir que outros países que cumpram as exigências possam entrar para os Brics. Do ponto de vista mundial, eu acho que os Brics podem ter um papel, eu diria, excepcional."
Líder russo não comparecerá pois é procurado por crimes de guerra
O líder da Rússia, Vladimir Putin, não pode comparecer presencialmente ao encontro junto com Lula e os presidentes Cyril Ramaphosa (África do Sul), Narendra Modi (Índia) e Xi Jinping (China).
O Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão contra o russo e, caso ele pise em solo sul-africano, poderia ser preso. Ele é acusado do crime de guerra de determinar o rapto e extradição forçada de crianças ucranianas de regiões invadidas para adoção por famílias russas. Milhares de menores de idade estão sendo arrancados de suas famílias ucranianas e desaparecendo na Rússia atualmente. Putin diz estar protegendo as crianças ao arrancá-las de suas famílias e país.
O líder russo chegou a cogitar viajar para a África do Sul. Se assim o fizesse, dificilmente seria preso. Isso porque os sul africanos temem uma reação militar do Kremlin. Mas a presença do autocrata russo colocaria Cyril Ramaphosa em uma saia-justa diplomática com a comunidade internacional.
Por isso, Putin vai participar da reuniões por videoconferência e também será representado presencialmente por seu chanceler Sergey Lavrov. O intuito é, mesmo que à distância, desenrolar a discussão sobre a expansão do bloco.
O presidente Lula, inclusive, chegou a dar declarações contraditórias sobre invasão da Ucrânia e disse, entre outros equívocos, que Kyiv era "tão culpada pela guerra" quanto Moscou. Os posicionamentos do brasileiro em relação à guerra vêm gerando revolta no mundo Ocidental e seu consequente isolamento político -- mesmo em pautas de outras áreas, como o meio ambiente.
O governo brasileiro tem apontado como motivo para não condenar Moscou pela invasão à Ucrânia o fato do Brasil ser grande exportador de produtos agrícolas e depender de importação de fertilizantes russos. Além disso, Lula tem aproveitado o cenário internacional para importar óleo diesel barato da Rússia.
Ao mesmo tempo, o Brasil faz vista grossa para o regime autoritário de Xi Jinping e para os abusos de direitos humanos e caça a minorias étnicas que ele promove em seu país, pois a China é o maior parceiro comercial do Brasil.
China usa Banco dos Brics e propagada para aumentar sua influência no Sul Global
Desde que o Brics foi criado, em 2009, a economia da China decolou e hoje o país desponta com o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. A ambição de Pequim, contudo, é ocupar a primeira posição desse ranking.
Com um PIB de mais de US$ 11 trilhões, a China é a maior economia dos Brics. Assim, o país asiático também é o principal responsável por financiar o Banco Nacional de Desenvolvimento – também chamado de Banco dos Brics.
O organismo foi criado oficialmente em 2015 para que seus membros pudessem ter acesso a verbas para financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, públicos ou privados. Ainda que com uma estrutura e aporte menores que organismos similares, o NDB nasceu com o intuito de ser uma alternativa e se contrapor a organismos ocidentais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
A propaganda criada em torno do banco tentava levar a crer que países em desenvolvimento poderiam recorrer a empréstimos "menos burocráticos" e que seriam mais palpáveis para suas realidades.
Empréstimos e financiamentos concedidos por organismos ocidentais geralmente são atrelados a exigências de medidas de austeridade econômica e compromissos com questões sociais e ambientais. Por isso, o discurso de emprestar dinheiro e supostamente não se intrometer em questões internas dos países tem atraído nações do Sul Global.
Mas tanto os investimentos ocidentais como os chineses ou do Banco dos Brics aos países em desenvolvimento vêm acompanhados de carga ideológica e tentativa de influenciar suas populações.
Por exemplo, uma reportagem do jornal americano New York Times revelou que Pequim tem patrocinado jornais para fazer "propaganda" do governo chinês em nações em desenvolvimento, entre elas o Brasil.
A investigação mostrou que existe uma rede que financia veículos de imprensa de esquerda ao redor do mundo para fazer publicidade positiva do Partido Comunista Chinês. No Brasil, o veículo identificado foi o portal Brasil de Fato, conhecido por publicar material favorável à esquerda. Em sua página, o portal tem um espaço reservado para divulgar um boletim semanal com notícias da China.
Algumas das reportagens enaltecem os Brics e reproduzem o discurso de Xi Jinping em apoiar a Rússia na guerra e de fazer negociações financeiras sem o intermédio do dólar.
Criador do termo "Brics" diz que é impossível criar moeda comum no bloco
O discurso chinês de contestar a hegemonia do dólar e defender a criação de uma moeda comum para os Brics também virou uma pauta comum entre integrantes do bloco e foi rapidamente adotado por Lula e por Putin.
"Toda noite me pergunto por que é que todos os países estão obrigados a fazer seu comércio lastreado no dólar. Por que é que nós não podemos fazer o nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que é que nós não temos o compromisso de inovar?", disse Lula em um discurso em Xangai neste ano.
O termo Brics foi cunhado no início dos anos 2000 pelo economista Jim O’Neill, que trabalhava no banco de investimentos Goldman Sachs. Ele agrupou Brasil, Rússia, Índia e China como economias em desenvolvimento, na época com muitas semelhanças, que tinham potencial para influenciar o cenário global nos cinquenta anos seguintes.
Cerca de dez anos depois do termo ser criado, os países decidiram formar um bloco e depois incluir a África do Sul. Em entrevista ao jornal britânico Financial Times no último dia 15, O'Neill disse que os Brics "nunca alcançaram nada desde que começaram a se reunir".
Ele também criticou a ideia da criação de uma moeda comum entre os países-membros. “É simplesmente ridículo. Eles vão criar um banco central dos Brics? Como você faria isso? É quase embaraçoso", disse Sachs sobre a criação de uma moeda comum para negociações entre os membros da organização. Ele disse, porém, que a hegemonia do dólar americano tem sido um grande empecilho para países emergentes, que têm que se submeter às políticas do Fed, o banco central americano.
Hoje O'Neill trabalha para o think tank britânico Chatham House.
À Gazeta do Povo, especialistas disseram que a ideia de criar uma moeda comum (que existiria em paralelo às moedas dos países-membros) poderia criar uma instabilidade financeira no mercado global. "Essa mudança traria impactos negativos para investidores que "usam suas reservas em dólar para investir e especular em diferentes bolsas de valores", disse Rogério Pereira de Campos, doutor em Ciências Sociais e pesquisador da Fundação Araporã.
A África do Sul, que detém a presidência rotativa do Brics, já disse que o tema da moeda comum, defendido por Lula, não vai estar na pauta de discussões.
Depois de participar da Cúpula dos Brics, Lula deve visitar Angola e São Tomé e Príncipe, ambos no continente africano.
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