O recente encontro reservado entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no Palácio do Planalto, parecia ter selado a paz entre os dois. O democrata disse, na ocasião, que ambos precisavam encontrar pontos que os unissem para enfrentar a pandemia juntos e apaziguar os ânimos políticos. Bolsonaro consentiu e, com o testemunho de seus dois ministros militares, Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), prometeu buscar esse entendimento. Mas bastaram apenas três semanas para o relacionamento "morde-e-assopra" do presidente da Câmara com Bolsonaro recomeçar.
Na terça-feira (9), Maia e Bolsonaro trocaram indiretas acerca da continuidade do auxílio-emergencial por mais dois meses além dos três já aprovados. O presidente da República condicionou o aumento do valor do auxílio extra, de duas parcelas de R$ 300, se deputados e senadores cortarem parte dos próprios salários. O chefe da Câmara respondeu ao Planalto que pagar pagar um valor menor dos que os atuais R$ 600 contraria a lei e, para isso, uma nova proposta precisa passar pelo Congresso. "O salário dos parlamentares em relação aos custos [do auxílio emergencial] tem uma diferença um pouco grande. Vai ficar distante para cobrir, mas se todos os três poderes estiverem de acordo para cortar salários por alguns meses, para garantir os R$ 600, o Parlamento está disposto a sentar na mesa e conversar", disse Maia.
Na segunda-feira (8), Maia já havia contrariado o presidente da República ao chamar de "perverso" a omissão do número de mortos pela Covid-19 no balanço divulgado pelo Ministério da Saúde. Em entrevistas à Rádio Gaúcha, nesta quarta-feira (10), perguntado sobre os pedidos de impeachment contra o presidente da República protocolados na Câmara, o deputado democrata falou que tomará uma decisão no momento adequado, ressalvando que seria muito ruim para o país passar por isso novamente. "Não é hora de pensar em impeachment. É preciso união para salvar vida a empregos. O presidente da Câmara decide pelo sim ou pelo não. Tenho que ter muito cuidado, isenção e equilíbrio", disse.
Bolsonaro também tem emitido sinais dúbios em direção a Maia. Um dos últimos encontros públicos de ambos teve tom harmônico. Foi a reunião com governadores de 21 de maio. Além de Maia, Bolsonaro e dos gestores estaduais, participou do encontro o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Na semana anterior, o presidente utilizou uma de suas metáforas favoritas para celebrar o bom momento que vivia com Maia: "voltamos a namorar". O problema, segundo reportagem da Folha de São Paulo, é que Bolsonaro vê no presidente da Câmara uma peça de um "complô" contra seu mandato, do qual participariam também o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF).
É fato que Maia se ressente da participação de Bolsonaro em manifestações antidemocráticas, que pregam o fechamento do Congresso e do STF, e uma intervenção militar. Além disso, o comandante da Câmara tem sido um dos principais alvos dos bolsonaristas nos atos públicos que se tornaram rotina aos domingos, em Brasília — seu nome é geralmente mais citado do que o de representantes de esquerda. Por mais boa vontade que demonstre com o Planalto, Maia não consegue assistir de forma passiva os ataques desferidos contra ele.
Maia sobe o tom contra aliados de Bolsonaro
As análises críticas do chefe da Cãmara não se restringem ao presidente. O democrata também distribui diretas e indiretas a apoiadores de Bolsonaro — por exemplo, chamou de "vandalismo" a presença de faixas que pedem fechamento de Congresso e STF nos atos governistas. Maia chegou a ironizar o deputado Capitão Derrite (PP-SP), que apresentou um projeto de lei para criminalizar a queima da bandeira nacional por manifestantes. O presidente da Câmara perguntou se a proposta também puniria faixas contra o Congresso.
Outro alvo da ironia de Maia foi o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), que apresentou um projeto de lei equiparando os antifascistas a terroristas. Maia declarou que não ia "perder tempo" com a iniciativa de Silveira. Na mesma entrevista em que criticou a proposta do parlamentar do Rio, Maia também criticou um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP): disse que não fazia sentido falar sobre eleições na Câmara diante da gravidade da pandemia de coronavírus.
O presidente da Câmara ainda declarou ser vítima na internet de militantes bolsonaristas. Ele fez a declaração ao comentar as ações de autoridades contra as fake news, como o recente inquérito coordenado pelo STF. Maia é um defensor da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o tema que transcorre no Congresso e que mira apoiadores de Bolsonaro.
Quando o presidente da República criticou o STF após a operação da Polícia Federal contra bolsonaristas, o presidente da Câmara tratou logo de marcar posição. "O Supremo vai continuar tendo apoio do Poder Legislativo, da sociedade, para continuar tomando as suas decisões de forma independente. É o que eu acredito fortemente. Nós vamos continuar com cada poder tomando as suas decisões", disse em entrevista à rádio Tupi, depois de Bolsonaro afirmar que não cumpriria "ordens absurdas" e que não haveria outro dia igual "aquele", em referência à operação deflagrada no dia 27 de maio.
"Maia e Bolsonaro são políticos experientes", diz líder
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), minimizou a intensidade dos problemas que existem entre Maia e Bolsonaro. "Diferentemente do que as pessoas podem imaginar, Congresso e poder Executivo vêm de um 2019 extremamente positivo. Aprovamos a reforma da Previdência e demos encaminhamento a outras reformas", declarou.
O senador destacou que "Maia e Bolsonaro são políticos experientes" e que, portanto, têm habilidade para lidar com eventuais discordâncias. Gomes ressaltou a trajetória de ambos: "Maia é o deputado que há mais tempo preside a Câmara de forma consecutiva e Bolsonaro é o presidente da República com mais tempo de Parlamento, com mais mandatos eletivos. Há uma ilusão das pessoas de que eles não sabem o que estão fazendo, o que não é verdade".
Gomes afirmou ainda não acreditar em uma hipótese de impeachment de Bolsonaro, o que, para acontecer, teria que ter como primeiro passo a aceitação de um pedido por parte de Rodrigo Maia, conforme determina a Constituição. "Não vejo a menor condição. Não há crime de corrupção, ou fiscal, ou uma pedalada. Não há uma discussão que tome o Brasil todo", acrescentou.
Problemas se repetiram ao longo da gestão
O momento mais tenso da relação entre Maia e Bolsonaro se deu em abril, quando o presidente acusou o democrata de sabotá-lo. Em entrevista à CNN, Bolsonaro não poupou críticas ao deputado: "o Brasil não merece a atuação dele na Câmara. Péssima sua atuação", disse. "Não estou rompendo com o Parlamento, não", acrescentou.
"Ele não pode jogar todos os governadores contra mim, fazendo o Senado aprovar essa proposta sem contrapartida. Até que ponto pode chegar essa despesa, vai ultrapassar R$ 100 bilhões. Qual é o objetivo do senhor Rodrigo Maia? Resolver o problema ou atacar o presidente da República?". A proposta a que Bolsonaro se referia era a de ajuda aos estados que, na avaliação do presidente, havia sido descaraterizada pela Câmara.
O incidente, entretanto, foi apenas mais um na série de desinteligências que marcou o relacionamento entre Maia e Bolsonaro desde o início do mandato do presidente da República, a partir de janeiro do ano passado. Maia se desentendeu não apenas com Bolsonaro, mas também com alguns de seus ministros, como o então titular da Justiça, Sergio Moro, e o da Educação, Abraham Weintraub.
Maia chegou a dizer que tem uma relação positiva com Bolsonaro no particular, mas que o estágio pacífico não se mantém quando o presidente se manifesta em público. "Como presidente do Brasil, cada vez que ele vai para o enfrentamento, ele desorganiza e gera insegurança. Quando se conversa pessoalmente com ele, a conversa é muito boa; o diálogo é positivo. Mas, quando ele vai para entrevista, ele acaba gerando insegurança", disse Maia, no sábado (30).
Para o presidente da Câmara, Bolsonaro precisa buscar a harmonia. "Quando você é um deputado crítico, que vai para o enfrentamento, isso é uma coisa. Quando você chega à Presidência da República, o seu papel é conciliar. Você não é apenas o presidente dos que o elegeram, você é o presidente de todos os brasileiros."
A troca de palavras em sentidos diversificados torna complexo estabelecer uma previsão adequada sobre o futuro da relação entre Maia e Bolsonaro. O histórico da trajetória do diálogo entre ambos contribui ainda mais para acentuar o cenário de imprevisibilidade.
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