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A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para limitar à segunda instância da Justiça as reavaliações periódicas das prisões preventivas. Essa reavaliação, feita a cada 90 dias, tornou-se obrigatória em 2019, mas havia dúvida sobre a quem compete essa tarefa: se apenas ao juiz que decretou a medida ou também aos tribunais estudais, federais e superiores, isto é, à toda cadeia recursal por onde passa o processo da pessoa presa.
As prisões preventivas são decretadas pela Justiça quando ainda não há uma condenação definitiva, ou seja, não significam o cumprimento da pena por um crime. Trata-se de uma medida adotada quando se verifica concretamente o risco de o suspeito do delito voltar a delinquir, fugir do país ou atrapalhar a investigação do caso, por exemplo.
Como mostrou a Gazeta do Povo, desde o dia 25 de fevereiro, o Supremo analisa ações que questionam como aplicar a regra da reavaliação, inserida pelo Congresso dentro do chamado pacote anticrime. O julgamento, realizado em ambiente virtual (apenas com votos escritos) termina à meia-noite desta terça-feira (8).
Em 2020, a regra foi usada pelo ministro Marco Aurélio Mello, já aposentado, para soltar o traficante internacional do PCC André do Rap. Na época, ele considerou que o fim do prazo de 90 dias sem uma reavaliação da prisão preventiva deveria implicar em soltura imediata.
Naquele mesmo ano, porém, a maioria dos ministros rejeitou essa interpretação – considerou que o vencimento do prazo apenas dá ao preso o direito de ter sua prisão reavaliada imediatamente – e derrubou a decisão que havia libertado o traficante. Ele só não foi preso novamente porque fugiu do país e até hoje não foi encontrado.
No fim do mês passado, os ministros do STF começaram a analisar a constitucionalidade da reavaliação, a partir de ações apresentadas pelo PTB e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
O partido propôs o fim dessa regra, sob o argumento de que o Judiciário não tem capacidade institucional para fazer a reavaliação a cada 90 dias, o que criaria o risco de solturas automáticas em massa caso fosse adotada a solução de Marco Aurélio Mello.
STF limita chances de soltura
No julgamento atual, maioria dos ministros optou por não anular a regra e manter o entendimento, já firmado em 2020, que impede a soltura imediata se não houver a reavaliação. Faltava, porém, decidir sobre um pedido da AMB, para que a reavaliação seja feita apenas pelo “emissor da decisão”, ou seja, somente pelo juiz que decretou a prisão.
Esse entendimento limita as chances de soltura, porque a reavaliação seria feita apenas em uma instância. E foi assim que votou o relator, Edson Fachin. “Há, a meu sentir, um óbice inscrito no enunciado da norma, a saber, a determinação de que somente o 'órgão emissor da decisão [deverá] revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias'”, escreveu no voto, citando o próprio texto da lei.
Gilmar Mendes propôs que a revisão da prisão preventiva ocorresse ao longo de todo o processo, nas quatro instâncias, do juiz de primeiro grau até o próprio STF, e seria realizado pelo relator do tribunal onde estivesse a ação penal do réu preso. Argumentou que muitas prisões preventivas se alongam injustificadamente por falta de cuidado do juiz que a decreta.
“A restrição cautelar deve ser imposta enquanto houver motivo concreto que a justifique. Cessando o motivo, deve ser revogada a medida. Portanto, em essência, as medidas cautelares são provisórias”, escreveu no voto – trata-se da interpretação mais extensiva da lei, porque permitiria ao Judiciário revisar de ofício as prisões preventivas, do início ao fim do caso.
Essa aplicação era motivo de preocupação por parte do Ministério Público. Havia o temor de que um ministro de um tribunal superior, como o STF ou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), analisasse de ofício se havia necessidade ou não de manter as prisões, estando distante do caso concreto.
Venceu, no entanto, uma proposta intermediária, apresentada por Alexandre de Moraes. Ele entendeu que a reavaliação deve ser feita apenas na primeira e na segunda instância, porque é somente até esta fase, em regra, que a Justiça analisa a fundo os fatos e provas do caso. Ele observou que, quando um tribunal de segunda instância condena a pessoa pelo crime, pode decretar ou manter a prisão preventiva avaliando mais a fundo os riscos de soltura.
“Ao considerar-se que o segundo grau já decidiu definitivamente a questão das provas (cognição plena), não há razoabilidade de exigirmos, nesses casos em que já há decisão condenatória de segundo grau – a qual manteve, de forma fundamentada, a prisão cautelar – a obrigatoriedade de continuar promovendo reavaliações periódicas do decreto a cada 90 dias”, escreveu o ministro no voto.
Até o momento, ele foi acompanhado por outro cinco ministros: Rosa Weber, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, André Mendonça e Luiz Fux. O julgamento está previsto para terminar à meia-noite desta terça e ainda faltam votar os ministros Kassio Marques, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski.