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O presidente Jair Bolsonaro demitiu o médico e ex-deputado Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde nesta quinta-feira (16). O oncologista carioca Nelson Teich aceitou convite e vai assumir a pasta. Mandetta deixa o comando da Saúde em meio à crise sanitária e econômica causada pela pandemia do novo coronavírus no Brasil e com aprovação de 76% da população ao seu trabalho desenvolvido na Saúde, segundo pesquisa Datafolha. Ele permaneceu no ministério por um ano e três meses.
O desligamento de Mandetta ocorre após semanas de desgaste, que só piorou após uma entrevista dele ao programa Fantástico, da TV Globo, no domingo (12), quando criticou a falta de um discurso único do governo. "Brasileiro não sabe se ouve o presidente ou o ministro", disse, na ocasião.
O agora ex-ministro foi ao Twitter para confirmar a sua demissão. " Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e de planejar o enfrentamento da pandemia do coronavírus, o grande desafio que o nosso sistema de saúde está por enfrentar", escreveu.
Bolsonaro tinha uma série de nomes cotados para assumir a pasta, como o ex-ministro Osmar Terra e a médica Nise Yamaguchi, que ganharam muita força ainda depois das primeiras divergências entre o presidente e Mandetta. Mas, atualmente o nome mais forte para assumir o ministério é o de Nelson Teich, médico oncologista que se reuniu com Bolsonaro nesta quinta-feira (16).
Mandetta e Bolsonaro estavam em rota de colisão desde o início da pandemia de coronavírus. O agora ex-ministro defendeu a adoção dos protocolos de isolamento social aos moldes do praticado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e que atinge toda a população. Já Bolsonaro é favorável ao chamado isolamento vertical, quando apenas idosos e pessoas de grupos de risco têm sua circulação restrita. O presidente sempre externou seu descontentamento com os impactos da política de restrição na economia.
Relação entre Mandetta e Bolsonaro estava desgastada
Em entrevista à Rádio Jovem Pan no dia 2 de abril, Bolsonaro deixou claro as divergências com o então ministro. Disse que ele e Mandetta estavam "se bicando há muito tempo" e que o ex-ministro "quer valer muito a verdade dele, está faltando humildade para conduzir o Brasil nesse momento delicado”. Na ocasião, ele também falou que não pensava em demitir Mandetta "no meio da guerra".
No dia 5 de abril, em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro fez críticas a pessoas que compõem o seu governo e a quem "subiu à cabeça". "Algumas pessoas no meu governo subiu à cabeça deles (sic). Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. E falam pelos cotovelos. Tem provocações. Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. E a minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta, nem pavor", falou, sem citar nomes.
Quando Bolsonaro falou à Jovem Pan, Mandetta disse em resposta: "quem tem mandato fala, e quem não tem, como eu, trabalha". Já a declaração do último domingo não foi respondida. Questionado por jornalistas, o ex-ministro disse que estava dormindo e, por isso não havia visto a fala do presidente da República.
O clima piorou no dia 6 de abril, quando os rumores de que o ministro da Saúde seria substituído tomaram corpo. Auxiliares de Mandetta chegaram a limpar as gavetas e ensaiaram seguir o ministro em caso de demissão. Uma reunião com todos os ministros foi convocada por Bolsonaro. Mandetta participou e teria, outra vez, batido de frente com o chefe do Executivo, repetindo um quase mantra dos últimos dias — "médico não abandona seu paciente" —, deixando claro que não pediria para sair e que esse seria um ônus que Bolsonaro teria de assumir.
A situação foi contornada por influência dos militares do governo e interferência do Congresso, que fez chegar aos ouvidos do presidente que a demissão do ministro não seria bem recebida. Mas Bolsonaro teria voltado a se irritar com a entrevista coletiva concedida por Mandetta, logo após a reunião, para anunciar à imprensa que continuava no cargo. O ministro da Saúde ainda se recusou a endossar um protocolo de hidroxicloroquina para tratamento do novo coronavírus por falta de embasamento científico.
No dia 8 de abril, uma trégua foi ensaiada entre Bolsonaro e Mandetta após reunião particular entre ambos no Palácio do Planalto. O ministro chegou a dizer na entrevista coletiva que atualiza diariamente o contágio do novo coronavírus no Brasil que "quem comanda esse time aqui é o presidente Jair Messias Bolsonaro." O chefe do Executivo fez um pronunciamento em rádio e TV naquela noite defendendo, a contragosto do ministro, o uso da hidroxicloroquina em todos os casos de Covid-19.
No dia seguinte, uma conversa vazada entre o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, e o deputado Osmar Terra (MDB-RS), causou desconforto no governo. Houve críticas ao comportamento de Mandetta e ao próprio Bolsonaro, jogando mais lenha na fogueira. No mesmo dia, o presidente da República foi a uma padaria em Brasília, causando aglomeração de pessoas. Na sexta-feira Santa, Bolsonaro saiu novamente, passou em uma farmácia e protagonizou um episódio deseducativo: passou a mão no nariz e depois cumprimentou uma idosa na rua.
Ao Fantástico, Mandetta não deixou barato e criticou o comportamento de pessoas que têm furado o isolamento social. “Quando você vê as pessoas entrando em padaria, supermercado, fazendo fila, piquenique isso é claramente uma coisa equivocada”, avaliou o ministro. A entrevista repercutiu mal na ala militar do governo, a mesma que havia avalizado a permanência dele no governo na semana passada. Nos dias seguintes, o próprio Mandetta reconheceu que cometeu um erro estratégico ao reacender o fogo da "fritura" — sua permanência na pasta já era insustentável.
Mandetta era o ministro da Saúde do governo Bolsonaro desde o início do mandato. Ele é médico de formação e foi deputado federal entre 2011 e 2019. É filiado ao DEM, mesmo partido dos ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Tereza Cristina (Agricultura), e do presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.
Barco à deriva: como fica o combate ao coronavírus
O Ministério da Saúde divulgou na quarta-feira (15) uma nova atualização sobre a expansão do coronavírus no Brasil. O país tem 1.924 mortes e 30.425 casos confirmados de Covid-19. Até agora, 4,9% dos pacientes diagnosticados com coronavírus morreram no Brasil.
Todos os estados brasileiros e mais o Distrito Federal declararam situação de emergência para coronavírus, adotando políticas de restrição à circulação de pessoas. Hospitais de campanha foram montados para ampliar a capacidade de leitos do Sistema Único de Saúde para atender os pacientes de Covid-19. Segundo o Ministério da Saúde, o pico da doença no Brasil deve ocorrer no início de maio.
O país enfrenta problemas como a falta de equipamentos básicos, como máscaras cirúrgicas e respiradores. Além disso, profissionais de saúde trabalham próximo ao esgotamento físico, mental e emocional diante de uma pandemia sem precedentes nos últimos 100 anos. No Amazonas, o sistema público de saúde já estrangulou devido ao número crescente de casos de Covid-19.