A sexta-feira (5) se encerrou sem consensos. A Polícia Militar de São Paulo não conseguiu fazer com que os manifestantes que defendem o governo de Jair Bolsonaro e os que são contrários ao presidente entrassem em um acordo. Foi necessário que o juiz Rodrigo Galvão Medina proibisse que grupos “manifestamente antagônicos entre si” estivessem na Avenida Paulista no mesmo horário, em decisão expedida na noite da sexta. Apenas na manhã de sábado o ex-presidenciável Guilherme Boulos anunciou que a Frente Povo Sem Medo, grupo que coordena, desistiu de marchar na Paulista e realizará seus atos no Largo da Batata, na Zona Oeste de São Paulo.
Houve também desacordos entre forças de esquerda sobre a realização ou não de atos de rua no domingo. Já dentro da direita, embora a orientação do próprio Bolsonaro é a de ficar em casa, alguns grupos mantêm o interesse em fazer ações públicas no domingo.
É neste clima de indefinições que o Brasil aguarda as manifestações do primeiro fim de semana após o último domingo (31), em que houve confronto em São Paulo, e também após os conflitos entre os antifascistas (antifas) e policiais militares em Curitiba, no dia seguinte (1o).
Além do contexto político e dos tumultos dos últimos dias, há o panorama decorrente da pandemia de coronavírus. O número de mortos pela Covid-19 superou os 34 mil e, como uma das principais medidas de recomendação para o combate à doença é o distanciamento social, manifestações têm sido desencorajadas.
Bolsonaro contribuiu para deixar o ambiente com mais incertezas após criticar seus adversários na própria sexta e no dia anterior. Durante sua habitual live semanal no Palácio da Alvorada, o presidente chamou os manifestantes contrários ao seu governo de "marginais" e "viciados", além de relacionar os antifas aos black blocs, perfil de manifestantes que se notabilizou à época das jornadas de 2013 por adotar táticas de depredação.
E na sexta, na inauguração de um hospital de campanha em Goiás, Bolsonaro subiu ainda mais o tom: "são marginais, terroristas, maconheiros, desocupados que não sabem o que é economia, não sabem o que é trabalhar pra ganhar seu pão de cada dia".
O presidente também sugeriu que a Força Nacional poderia ser utilizada para repreender tumultos durante as manifestações. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), descartou o emprego da instituição. Em nota divulgada na noite da sexta, o governo de Brasília disse que as forças de segurança "estarão nos locais dos eventos com o efetivo necessário para garantir a livre manifestação e a ordem" e "estarão posicionadas em toda a Praça dos Três Poderes e arredores, de forma a garantir que as manifestações ocorram de maneira pacífica".
A Esplanada dos Ministérios permanecerá fechada para os carros. A Esplanada, o Congresso e a Praça dos Três Poderes se tornaram ponto de encontro de bolsonaristas nos últimos domingos.
Na esquerda, opiniões distintas
A presença constante dos bolsonaristas nas ruas em atos de apoio ao presidente e crítica a governadores como João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ) estimulou forças de esquerda a buscarem organizar manifestações para expressar força no ambiente político, como se viu no último domingo.
Mas a convocação de protestos para o dia 7 de junho foi um movimento que registrou divisões dentro da oposição e até mesmo no interior do PT, o principal partido de contestação a Bolsonaro.
Na quinta-feira (4), PDT e PSB publicaram mensagens em que pediam à população que não fosse às ruas. Senadores da oposição divulgaram texto com mensagem semelhante. Os parlamentares diziam que, apesar do contexto político, o momento não é de atos públicos por conta da pandemia de coronavírus e a orientação de se evitar aglomerações.
O texto foi assinado por Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Eliziane Gama (Cidadania-MA), Weverton Rocha (PDT-MA), Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB), Otto Alencar (PSD-BA) e Jaques Wagner (PT-BA). O petista subescreveu o texto na condição de líder em exercício do partido no Senado.
No mesmo dia, entretanto, o PT publicou uma nota em sentido oposto, com apoio às manifestações de rua. "Nós, do Partido dos Trabalhadores, somos solidários aos que participam destes atos e sofrem os ataques da repressão e de provocadores. A tentativa de criminalização dos movimentos sociais e populares e das manifestações democráticas visa a naturalizar o projeto neofascista e autoritário do atual governo, contrário aos interesses nacionais e aos direitos do povo", diz um trecho do texto. Quem assina a nota é a presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PR), o líder da bancada na Câmara, Enio Verri (PR), e o líder efetivo do partido no Senado, Rogério Carvalho (SE).
O posicionamento da cúpula petista não representou o fechamento de um consenso: na sexta (5), o governador do Ceará, Camilo Santana, condenou os atos públicos. "Sempre apoiarei o engajamento dos brasileiros em defesa da democracia, uma de nossas maiores riquezas. Mas sou absolutamente contra a realização de quaisquer atos nas ruas neste momento grave de pandemia. Há no Ceará um decreto que proíbe aglomerações, e deve ser respeitado", publicou o petista, em seu perfil no Twitter.
PT e partidos à parte, a expectativa em São Paulo é que entidades como a Povo Sem Medo, liderada por Guilherme Boulos (PSOL), e grupos do movimento negro protagonizem os atos anti-Bolsonaro. A temática racial seguirá inspirada nos protestos pela morte do segurança negro americano George Floyd, vítima de violência policial. Há ainda a possibilidade de que membros de torcidas organizadas de futebol engrossem as manifestações, como ocorrido no último domingo.
Direita fica em casa. Mas…
O presidente Bolsonaro pediu, nos últimos dias, para que seus apoiadores não estejam nas ruas no domingo. "Domingo, o pessoal de verde e amarelo, que é patriota, que pensa no seu país, que é conservador, esses que trabalham, que são liberais, que acreditam que o Brasil pode ficar melhor pelo trabalho… Não é ficar em casa, não. Não vá, não compareçam a esse movimento", afirmou o mandatário na live da quinta-feira.
Parlamentares e integrantes de movimentos bolsonaristas indicaram que seguirão a orientação do presidente e não participarão de manifestações. "Nós não participaremos dos atos. Vamos adotar o que foi indicado por Bolsonaro", declarou Edson Salomão, membro do Movimento Conservador, que atua em São Paulo.
Mas há a expectativa de que grupos variados ou mesmo militantes individuais participem de mobilizações. Em Brasília, grupos estudam repetir o que tem sido feito nos últimos fins de semana.
E segundo reportagem da Folha de S. Paulo, há ainda a possibilidade de que o próprio Bolsonaro contrarie o que disse e esteja nos atos. Foi o que ele fez em 15 de março, no início da quarentena motivada pela pandemia de coronavírus, quando se juntou a apoiadores que o aguardavam em frente ao Palácio do Planalto - mesmo tendo pedido, dias antes, que seus defensores ficassem em casa.
"Infiltrados" nas manifestações são o maior medo. De todos os lados
Um consenso entre integrantes de direita e de esquerda é o medo dos infiltrados.
A nota assinada por Gleisi Hoffmann, Enio Verri e Rogério Carvalho alerta os aliados a "resistir às provocações e isolar os infiltrados, que já vêm agindo para tentar desvirtuar o caráter das manifestações e dar pretexto à repressão e ao discurso de fechamento do regime". Os "infiltrados" foram também citados nas notas de PDT, PSB e em outra produzida pelas lideranças de Minoria e Oposição na Câmara e no Congresso.
Menções a "infiltrados" são também recorrentes nas falas de Bolsonaro e de apoiadores do presidente. Eles dizem que a defesa de causas antidemocráticas, como o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), é exclusiva destes grupos. Bolsonaro também atribuiu a "infiltrados" a agressão a profissionais da imprensa ocorrida durante as manifestações de 3 de maio.
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