Os atos de apoio ao governo de Jair Bolsonaro, que estão ocorrendo neste domingo (26), foram alvo de uma verdadeira "montanha russa" no meio político. De extremamente controversas há uma semana - a ponto de provocarem um racha dentro da própria direita -, as manifestações pró-Bolsonaro acabaram por se fortalecer, ganhar respaldos de peso e se colocar como uma fonte de ânimo para o Palácio do Planalto, que vive o momento mais delicado desde o início da gestão. Siga os atos em tempo real clicando aqui.
O presidente decidiu não ir às ruas - embora tenha compartilhado em sua conta de Twitter imagens das manifestações - e pediu que seus ministros também não compareçam. Mas a expectativa é que lideranças do PSL e outros políticos simpáticos ao governo, como o deputado Marco Feliciano (Podemos-SP), estejam nos atos - em São Paulo, a manifestação está marcada para o período da tarde. Os bolsonaristas esperam a realização de manifestações em 350 cidades do país. Pela manhã, o pedido do presidente foi atendido e não se viu aliados integrando as marchas.
Nos atos, o objetivo é mostrar suporte ao governo Bolsonaro, protestar contra a conduta do chamado "centrão" dentro do Congresso Nacional e também tentar descolar dos bolsonaristas a pecha de radicais - o que motivou as controvérsias dentro da direita.
Fechar Supremo e Congresso é "pauta de Maduro"
Os atos pró-Bolsonaro foram idealizados após o sucesso das manifestações convocadas pela oposição no último dia 15, que protestaram contra o corte de verbas na educação. Diante do grande número de pessoas que foi às ruas, núcleos bolsonaristas começaram a veicular mensagens sugerindo uma manifestação a favor do presidente - e algumas das convocações continham bandeiras consideradas antidemocráticas como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, que estariam, na visão destes grupos, "impedindo" Bolsonaro de governar.
A postura radical fez com que lideranças da direita, como a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) e o Movimento Brasil Livre, rejeitassem as manifestações. E levou a um racha dentro da bancada federal do PSL, que só foi minimizado na terça-feira (21), após a decisão do partido de não apoiar institucionalmente os atos, mas de permitir que cada deputado atue como quiser.
EDITORIAL: Manifestações e democracia
Daquele dia até o domingo dos atos, o PSL se empenhou para dizer que as reivindicações radicais não tinham o aval do partido. Deputados da sigla que defendiam as manifestações pró-Bolsonaro, como Carlos Jordy (RJ), Márcio Labre (RJ) e Carla Zambelli (SP), se revezavam em dizer que as posturas antidemocráticas não eram endossadas pela legenda.
O presidente Bolsonaro endossou o discurso: em café da manhã com jornalistas na quinta-feira (23), ele disse que "quem defende o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional está na manifestação errada" e que "essas pautas são estão mais para [Nicolás] Maduro", numa referência ao ditador da Venezuela, frequentemente criticado pelos bolsonaristas.
Um elemento importante para que o discurso radical fosse minimizado foi a adoção de uma pauta mais específica para as manifestações. Os atos passaram a ter como principais bandeiras a defesa da reforma da previdência, do pacote anticrime do ministro Sérgio Moro (Justiça) e, em menor escala, da instalação da CPI "Lava Toga" (para investigar supostos abusos do Poder Judiciário) e da operação Lava Jato.
Com a nova ótica, antigos críticos dos atos mudaram de lado. Um deles é o presidente do PSL, deputado federal Luciano Bivar (PE). Se no começo da semana ele havia dito que a manifestação "não fazia sentido", na quinta-feira (23) ele declarou "muito feliz" com o ato e disse pretender estar nas ruas, em São Paulo ou no Recife. "A mobilização é algo de rua, que nós não sabemos a origem, mas sabemos o objetivo, que é defender as reformas propostas pelo governo. E isso me deixa muito feliz. Estamos caminhando muito bem", disse, à Gazeta do Povo.
Reforços institucionais
A mudança no discurso trouxe às manifestações pró-Bolsonaro, ao longo das semanas, novos apoios. Um suporte de peso veio do Clube Militar. O grupo reúne 38 mil associados das três forças armadas e convocou seus integrantes para as ruas. O diretor de Comunicação Social da instituição, Ivan Cosme, disse que o Clube identifica que "está havendo na verdade um cerceamento da possibilidade de o governo realmente governar", e que por isso se mostrar ao lado de Bolsonaro seria essencial.
A adesão dos militares ao governo Bolsonaro seria natural pela origem profissional do presidente da República e pela defesa da categoria que ele fez em sua trajetória política. Mas é também relevante porque, apesar do "background", a condição dos militares no atual governo não é plenamente pacífica - a briga da ala militar com os "olavistas", os seguidores do filósofo Olavo de Carvalho, é um dos principais ruídos deste primeiro semestre de gestão. Até o momento, o apoio à manifestação tem reunido expoentes dos dois segmentos.
Outro apoio de relevo que a manifestação pró-Bolsonaro obteve veio do meio empresarial, com o grupo Brasil 200. O núcleo, liderado pelo empresário Flávio Rocha, do grupo Riachuelo, formalizou seu apoio às manifestações na sexta-feira (23). O Brasil 200 conta também com nomes como o dono da Havan, Luciano Hang, e da Polishop, João Appolinário.
Presidente atual do Brasil 200, Gabriel Rocha Kanner disse que o grupo demorou a aderir ao movimento justamente pela pauta radical que aparecia com mais destaque no início dos preparativos para o ato.
As diferentes frentes de suporte se mostram necessárias ao governo Bolsonaro principalmente porque os últimos dias não foram cômodos para o Palácio do Planalto. A sessão da Câmara de quarta-feira (21) registrou uma derrota do Executivo, com a retirada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça.
Mesmo com Planalto e o PSL tentando minimizar os impactos da derrota, a votação indicou que o governo não dispõe de tanto apoio dentro do Congresso. Outra notícia ruim veio com a pesquisa XP/Ipesp divulgada na sexta-feira (23): o número de brasileiros que considera o governo "ruim/péssimo" é de 36%, superior ao dos que consideram o governo "ótimo/bom", que está em 34%. É a primeira vez, desde o início da gestão, que a avaliação negativa supera a positiva.
Centrão sob ataque em manifestações pró-Bolsonaro
A mudança no discurso radical, entretanto, não mudou um dos focos das manifestações pró-Bolsonaro: o chamado "centrão" do Congresso Nacional.
O grupo de parlamentares - principalmente deputados federais - que não pertence formalmente nem à oposição e nem à base aliada é tido por apoiadores do governo como os principais "vilões" do momento, por imporem derrotas a Bolsonaro e impedirem a aprovação de projetos favoráveis ao Planalto.
"A manifestação é contra as ações do centrão, que era para ser governo, para ser base governista, e está traindo o governo, fazendo corpo mole com as reformas", disse à revista Época o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP).
O clima entre as partes, que já era árduo, se dificultou ainda mais após a divulgação de entrevista do ministro da Economia, Paulo Guedes, à revista Veja, em que ele disse que deixaria o cargo se o Congresso aprovasse uma "reforminha" da previdência. Presidente da comissão da Câmara que avalia a reforma, Marcelo Ramos (PR-AM) disse que a declaração de Guedes "beira a chantagem" e que haverá reforma da previdência "com ou sem ele [Guedes]".
O "centrão" é de difícil classificação - principalmente porque os deputados não gostam de ser associados ao grupo, em virtude da má reputação do bloco. Siglas como PP, PR, Solidariedade, PTB e outras são mencionadas como sendo as principais que abrigam os integrantes do núcleo. Membro de uma dessas siglas, Evair Vieira de Melo (PP-ES) - que nega ser do "centrão" - disse ver com bons olhos as manifestações pró-Bolsonaro.
"Acho que esse tipo de movimento é necessário. Porque garante que a população permaneça mobilizada. É algo que ajuda o Brasil a andar para a frente, que também colabora para o nosso trabalho parlamentar", disse o deputado - que, por outro lado, apontou "não ver nada de novo" nos atos programados para domingo, por, segundo ele, serem uma continuidade das movimentações que levaram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Outro integrante de um partido relacionado ao "centrão", Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) também define como positivo o ato das pessoas irem às ruas, mas acredita que as mobilizações terão pouca capacidade de mudarem o voto dos parlamentares. "O Congresso é uma casa muito plural - há um deputado que representa os professores, outro que representa os advogados, e assim por diante. Então os parlamentares acabam por ouvir mais esses grupos", disse.
Apesar de "respeitar" a mobilização, Aureo criticou uma bandeira dos manifestantes, a briga pela retirada do Coaf do Ministério da Justiça. "Isso [transferência do Coaf para o Ministério da Economia] serviu para darmos um voto de confiança ao ministro Paulo Guedes. Se ele perde nossa confiança, é sinal que ele não tem legitimidade para tocar a reforma da previdência, que é essencial para o país", disse.
Bronca na direita
Além dos alvos já mencionados, as manifestações têm um inusitado ponto de críticas: o Movimento Brasil Livre. Mesmo sendo uma das principais forças da direita e de ter exercido papel chave no processo de impeachment de Dilma Rousseff, o MBL caiu em desgraça entre os bolsonaristas por criticar as manifestações - e por não mudar de opinião.
Os membros do grupo contestaram, de início, as bandeiras radicais, como as de fechamento de STF e Congresso. Posteriormente, acrescentaram a isso a ideia de que as manifestações pró-Bolsonaro representariam uma espécie de "carta branca" ao presidente.
"Eu não vou participar e nenhum coordenador do MBL também não vai. As manifestações podem se tornar um salvo-conduto para que Bolsonaro faça o que quiser", disse o principal líder do MBL, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP).
Apesar do posicionamento do parlamentar, alguns integrantes do MBL que participaram de ato em defesa da reforma da Previdência no Congresso na última quarta-feira (22) falavam publicamente sobre a participação nos protestos de domingo. Sobre eles, Kataguiri disse que não tinha como controlar a totalidade dos integrantes do grupo, mas reiterou a negativa em relação aos coordenadores.
O deputado disse ainda que não teme a perda de seguidores nas redes sociais - segundo ele, esse movimento já ocorreu em 2017, quando o grupo se posicionou a favor da reforma da Previdência apresentada pelo ex-presidente Michel Temer.
A postura de Kataguiri foi ironizada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) na sexta-feira (24). O filho do presidente compartilhou em seu perfil no Twitter uma imagem que continha críticas às manifestações feitas por Kataguiri, pela presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), e pelo ex-presidenciável do PSOL, Guilherme Boulos. "PT de Gleisi, PSOL de Boulos e DEM de Kim Kataguiri unidos?", escreveu Eduardo Bolsonaro.
E a esquerda?
Em meio às discussões sobre centro e a própria direita, os partidos de esquerda, inimigos de primeira hora do bolsonarismo, acabaram em segundo plano. Os nomes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de outros expoentes do campo esquerdista ficaram em segundo plano nas manifestações pró-bolsonaro.
Os representantes da oposição, entretanto, têm monitorado as movimentações da direita. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Gleisi Hoffmann e Boulos acreditam que a mobilização bolsonarista pode ser bem-sucedida. A deputada é da opinião de que o grupo que apoia o presidente não tem a mesma força que tinha no período eleitoral, mas, por outro lado, passou a contar com o reforço da máquina pública.
No Rio de Janeiro, a esquerda promoverá uma manifestação no mesmo dia e hora da dos apoiadores do governo. Divulgado pelo ex-deputado Chico Alencar (PSOL), o ato terá como mote o combate à violência policial, definida pelo ex-parlamentar como "política de extermínio do Estado criminoso de Bolsonaro e Witzel".
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