As manifestações pró-governo do último domingo (26) surpreenderam pela adesão e capilaridade com que ocorreram. Milhares de brasileiros foram às ruas das principais cidades do país dar apoio ao presidente Jair Bolsonaro e pressionar pela aprovação das reformas que o Brasil precisa. A dúvida que fica é se e como os atos públicos vão influenciar na agenda do Congresso daqui para frente.
A temperatura política deve continuar elevada nesta semana. Depois de perder o trecho da votação da Medida Provisória (MP) 870 na Câmara que remetia o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao Ministério da Justiça, o governo Bolsonaro precisa encarar novamente o tema, mas agora no Senado – e aí com um cenário curioso, em que a derrota parece a melhor opção.
Na Câmara, a reforma da Previdência ainda domina os holofotes e os líderes do processo prometem o cumprimento do cronograma.
Os deputados e senadores precisarão também dar conta de uma série de temas de relevo que, por conta das prioridades de momento, acabam ficando em segundo plano. Muitos deles estão também conectados a MPs que têm prazo para serem votadas. Ou seja, ainda que os parlamentares prefiram se dedicar a outros tópicos, não conseguirão escapar dessas temáticas por muito tempo.
Há ainda a expectativa de um novo protesto nacional contra os cortes na educação, agendado para a próxima quinta-feira (30).
Ecos das manifestações
Os debates a serem travados no Congresso ao longo da semana terão como referência as manifestações populares. Tanto as favoráveis ao governo quanto as contrárias aos cortes das verbas da educação. Deputados e senadores estão sob pressão das ruas, disso ninguém tem dúvida.
Os atos a favor da gestão de Jair Bolsonaro lançaram críticas sobre o trabalho do Legislativo. A ponto de as manifestações terem nascido tendo entre as pautas bandeiras radicais, como a defesa do fechamento do Congresso, o que desagradou até mesmo membros da direita e apoiadores de Bolsonaro.
“Eu cheguei a temer que as manifestações pudessem ter como efeito uma piora nas relações entre Congresso e governo, mas não foi isso que ocorreu. Foi um ato ordeiro, e é positivo que as pessoas estejam nas ruas”, disse o deputado federal Enrico Misasi (PV-SP). “Democracia é isso aí, e todas as manifestações são bem-vindas”, endossou o também deputado federal Fábio Ramalho (MDB-MG).
Já o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) disse que “as duas manifestações são válidas”, em referência aos atos dos dias 26 e 30, mas rebateu parte das críticas ao Parlamento: “nós [deputados e senadores] também fomos eleitos, também temos legitimidade para estarmos em nossas funções, e somos parte da sociedade”. Líder da minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ) declarou ter identificado “ataques à democracia” no ato de domingo.
A parlamentar do PCdoB está entre os membros do Congresso que tem divulgado os atos do dia 30. A manifestação tem sido repercutida por outras lideranças de esquerda como Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Zeca Dirceu (PT-PR) e Talíria Petrone (PSOL-RJ). Os protestos contra os cortes na educação do dia 15 foram considerados um sucesso pela oposição e tiveram seu efeito admitido também por apoiadores de Bolsonaro – tanto que foram os principais motivadores dos atos favoráveis ao presidente da República.
Perder para ganhar
Protestos à parte, o governo vai vivenciar nesta terça-feira (28) uma votação no Senado em que a derrota se apresenta como um caminho melhor do que a vitória. O tema em questão é o destaque da MP 870 sobre o destino do Coaf, se com o Ministério da Justiça, como queria o Planalto, ou se com o Ministério da Economia, como votaram os deputados federais na última quarta-feira (22).
Os senadores avaliarão o tema e poderão votar como o governo desejava inicialmente. O problema é que se isso ocorrer a MP volta para avaliação da Câmara. E, se os deputados não a votarem até o dia 3, a norma deixa de ter validade – com isso, os outros pontos da MP 870, como a reestruturação dos ministérios, que já pareciam pacificados, podem voltar a ser uma dor de cabeça.
O presidente Bolsonaro já havia identificado a derrota como um cenário mais favorável e falou em uma live na semana passada que pediria aos senadores que não modificassem o texto. Mas, nesta segunda-feira (27), o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), disse que promete se esforçar para que o Coaf fique sob o controle do ministro Sergio Moro. Outro parlamentar simpático ao Planalto, Espiridião Amin (PP-SC), afirmou que não abriria mão do direito de analisar a MP e dar sua opinião sobre o texto.
Os senadores já haviam protestado, na semana passada, por conta do pouco prazo que têm para analisar medidas provisórias. O protesto se deu na apreciação da MP das companhias aéreas, a que permitiu a atuação de empresas com 100% de capital estrangeiro no setor. Senadores se queixaram de serem vistos como “carimbadores” das decisões tomadas pela Câmara, em especial pelo seu presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Cuidar desse “fogo amigo” é o que se mostra como o desafio do governo no Senado.
Reforma com prazos esgotados
A prioridade econômica do governo, a reforma da Previdência, tem também outra semana decisiva. A quinta-feira (30) é o dia limite para que os deputados apresentem emendas ao texto que está tramitando na comissão especial da Câmara sobre o assunto. O prazo inicial era a quinta-feira (23) passada, mas Maia aceitou prorrogar o período.
O presidente da comissão, Marcelo Ramos (PR-AM), reiterou no fim de semana que está “tudo certo” para que o grupo cumpra todos os prazos regimentais e que o relator Samuel Moreira (PSDB-SP) apresente seu texto no dia 15 de junho.
A reforma foi um dos assuntos mais abordados nas manifestações pró-governo do domingo e a defesa do tema estimulou a equipe econômica e os parlamentares a prosseguirem com os trabalhos para a alteração no sistema de pagamento de aposentadorias e pensões.
O apoio à reforma foi enfatizado como uma bandeira dos atos ainda durante a semana passada, de forma a despistar a aura de radicalismo inicialmente colocada sobre a mobilização. Para a deputada Jandira Feghali, entretanto, não há conexão entre os atos do último domingo e a reforma: “neste país não há apoio à reforma da previdência”.
A comissão sobre a reforma realizará também quatro audiências públicas ao longo da semana. Três em Brasília: uma na terça-feira (28), para discutir o impacto da reforma sobre as mulheres, uma na quarta-feira (29), que abordará o regime de capitalização; e outra na quinta-feira (30), que contará com a presença do secretário-especial adjunto de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco. Também na quinta-feira, deputados do colegiado fazem debate sobre a reforma em Fortaleza.
Medidas provisórias: prazo estourando
A MP 870 ganhou mais visibilidade por envolver a reestruturação administrativa do governo federal, mas outras seis medidas provisórias precisam ser apreciadas por deputados federais e senadores com agilidade – o prazo final de validade de todos os textos é a próxima segunda-feira, 3 de junho.
As MPs abordam temas distintos como o fornecimento de saneamento básico, a adesão de produtores rurais ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a revisão de benefícios do INSS, a concessão de créditos para ações decorrentes da intervenção federal em Roraima, e normas para o pagamento de servidores cedidos à Advocacia-Geral da União (AGU).
A proposta que fala do saneamento é a MP 868/2018, que recupera texto da MP 844/2018. Ambas foram editadas pelo ex-presidente Michel Temer. A MP 844 não foi apreciada pelos parlamentares nos prazos regimentais e, por isso, deixou de ter validade.
A norma elimina o chamado “contrato de programa”, mecanismo utilizado atualmente por municípios que querem contratar empresas estaduais que prestam serviços de saneamento. A extinção desse tipo de contrato é elogiada pelos defensores da MP por permitirem, na visão deles, que empresas privadas entrem no segmento e ampliem a concorrência, o que pode gerar a prestação de melhores serviços aos cidadãos. Já os críticos da MP afirmam que a proposta gera a privatização do sistema, quadro que afeta as cidades pobres, pouco interessantes aos grupos particulares.
“A MP tem muitos méritos. O modelo que temos hoje não deu conta de universalizar o serviço de saneamento. E não há outra forma de reverter isso que não seja permitir a entrada do capital privado”, declarou o deputado Enrico Misasi, que vai lançar uma frente parlamentar sobre o tema na próxima quarta-feira.
As MPs estão na pauta da Câmara e podem ser votadas ao longo da semana.
Outros assuntos
O turbilhão político das últimas semanas tem feito com que questões que em tempos anteriores seriam prioridade para o Congresso acabem passando batidas dentro do dia a dia parlamentar.
Um exemplo é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura desvios no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O colegiado recebeu em audiência o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na semana passada e, na atual, deverá se reunir com o antigo ocupante do mesmo cargo Antonio Palocci. O encontro com o ex-petista deverá ser a portas fechadas, na quarta-feira (29).
Também ponto de discussão de um assunto de olhar nacional, a CPI sobre a tragédia em Brumadinho ouvirá na terça-feira (28) funcionários da Vale. No dia anterior, deputados que integram o grupo foram a Barão de Cocais, cidade do interior mineiro em que há a ameaça de um novo rompimento de barragem.
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