O depoimento Walter Delgatti Neto à Polícia Federal (PF) levantou uma suspeita de cumplicidade da candidata a vice-presidente em 2018, Manuela D’Ávila (PCdoB), com a invasão dos celulares de dezenas de autoridades, incluindo o ministro da Justiça, Sergio Moro. A ex-deputada foi citada pelo hacker como sendo a "ponte" entre ele e o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil. Desde que foi mencionada no depoimento, a pergunta que todos passaram a fazer nas redes sociais é: Manuela cometeu alguma irregularidade?
A defesa dela afirma que a ex-deputada não tomou parte na ação do suposto hacker. "Ela não teve envolvimento nenhum com apoio financeiro [a Delgatti Neto] ou coisa parecida. Manuela não tem preocupação alguma, apenas preocupação em dizer a verdade", afirmou o advogado Alberto Toron. "Ela simplesmente indicou o jornalista Glenn e se retirou do cenário".
Segundo o especialista em direito penal Gustavo Polido, não houve crime na conduta da ex-deputada no episódio. “Comunicar conteúdo de um crime à imprensa não é crime. A imprensa é livre, a Constituição Federal garante a liberdade de imprensa”, diz. “A pergunta central deveria ser: e se não tivesse sido a Manuela, tivesse sido qualquer pessoa que tivesse o telefone do Glenn? Essa pessoa também recairia sobre a investigação? Não, porque comunicar a imprensa um conteúdo, você sabendo ou não se ele é de origem ilícita, não é crime”, ressalta o especialista.
Segundo Polido, há pessoas obrigadas por lei a comunicar a possibilidade de crime às autoridades, mas esse não é o caso de Manuela. “A obrigação de notificar crimes se dá para determinadas pessoas, as quais por lei têm essa obrigação. O cidadão comum não é obrigado a fazer nada. Por exemplo, se vejo uma pessoa cometendo um homicídio na minha frente, eu posso dar voz de prisão para ele, porque ele está em flagrante delito. Mas se não o fizer, eu não cometi crime algum. Eu tenho a faculdade”, explica o advogado.
O especialista alerta, ainda, que punir a ex-deputada por ter feito a ponte entre o hacker e o jornalista pode criar uma sensação de coação para que não se divulgue nada contra o governo. “O simples fato de suscitar eventual investigação sobre a Manuela já fere os princípios democráticos e constitucionais. É uma eventual possibilidade de coação a pessoas que receberem informações contra o governo para não as divulgarem”, explica.
Como surgiu o nome de Manuela
Walter Delgatti Neto foi preso pela PF na última terça-feira (23) na operação Spoofing, junto com outros três suspeitos de envolvimento no crime de invasão dos celulares de autoridades: o DJ Gustavo Henrique Elias Santos e sua companheira, Suelen Priscila de Oliveira, e o motorista de aplicativo Danilo Marques. Em depoimento à PF, Delgatti confessou ter hackeado as contas do Telegram de dezenas de autoridades, inclusive Moro e o procuradores da força-tarefa da Lava Jato.
No depoimento, o hacker também diz ter repassado a Greenwald o conteúdo de conversas entre o procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, e outros colegas da força-tarefa e entre Deltan e Moro, que era juiz do caso até novembro do ano passado – quando deixou a magistratura para assumir um cargo no governo Bolsonaro. O Intercept vem publicando reportagens sobre as conversas desde o início de junho deste ano. As reportagens mostram supostas irregularidades cometidas pela Lava Jato no decorrer do caso.
O nome de Manuela surgiu quando Delgatti explicou como entrou em contato com Greenwald. Segundo o hacker, ele conseguiu o contato do jornalista com a ex-deputada do PCdoB. Delgatti contou que conseguiu o telefone dela através da lista de contatos no Telegram da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que também foi alvo do hacker.
Delgatti disse que no Dia das Mães ligou para Manuela, dizendo que “possuía o acervo de conversas do MPF contendo irregularidades” e que precisava do contato de Greenwald. Segundo o depoimento de Delgatti, a ex-deputada não teria acreditado nele, “motivo pelo qual fez o envio para ela de uma gravação de áudio entre os procuradores da República Orlando e Januário Paludo”. Cerca de dez minutos após o envio, Greenwald teria entrado em contato com Delgatti, afirmando ter interesse em publicar o material.
Contradições entre Delgatti e Manuela
Após ter sido citada por Delgatti, a ex-deputada Manuela D’Ávila se manifestou sobre o caso nas redes sociais. Enquanto o suspeito diz ter ligado para Manuela, ela afirma ter se comunicado com ele através de mensagens pelo Telegram.
“No dia 12 de maio, fui comunicada pelo aplicativo Telegram de que, naquele mesmo dia, meu dispositivo havia sido invadido no Estado da Virginia, Estados Unidos. Minutos depois, pelo mesmo aplicativo, recebi mensagem de pessoa que, inicialmente, se identificou como alguém inserido na minha lista de contatos para, a seguir, afirmar que não era quem eu supunha que fosse, mas que era alguém que tinha obtido provas de graves atos ilícitos praticados por autoridades brasileiras. Sem se identificar, mas dizendo morar no exterior, afirmou que queria divulgar o material por ele coletado para o bem do país, sem falar ou insinuar que pretendia receber pagamento ou vantagem de qualquer natureza”, disse a ex-candidata em nota.
Manuela também disse que repassou ao hacker o contato do jornalista do Intercept. Pelo depoimento de Delgatti, foi Greenwald que entrou em contato com ele depois do envio de um áudio para Manuela – o que ela não relata em seu posicionamento oficial sobre o caso.
Em nota, a ex-deputada também afirmou que seus advogados vão entregar cópia das mensagens trocadas por ela com o invasor de seu celular à Polícia Federal. Manuela também se dispôs a entregar o celular para perícia, além de se colocar à disposição da PF para esclarecimentos.
No Twitter, Manuela escreveu que está fora do país desde o dia 23 de junho. “Adquiri passagens em 14/2 pois efetuei matrícula em curso no dia 27/1. Tenho tudo documentado, para além de boa memória, meu ascendente em virgem faz com que guarde comprovantes”, disse a ex-deputada.
Neste domingo, a defesa de Manuela afirmou que ela vai prestar depoimento à PF sobre a Operação Spoofing assim que voltar ao Brasil – o que está previsto para acontecer em meados de agosto. "Assim que chegar no Brasil, ela prestará depoimento na data em que a autoridade determinar", disse o advogado Alberto Toron.
Para Polido, a deputada está demonstrando boa fé no auxílio às investigações. “Pelo que eu vi no noticiário, ela vai se apresentar voluntariamente, o que demonstra justamente boa fé da parte dela”, diz.
Ele ressalta ainda que se a ex-deputada tivesse procurado a polícia sem saber da veracidade das informações, poderia ser responsabilizada por falsa denúncia de crime. “Ela não teria como saber se é verdade, não tem como apurar minimamente a verdade dos fatos porque ela não tem instrumentos de investigação para isso, então ela levando ao conhecimento de autoridades policiais poderia incorrer em uma falsa denunciação de crime”, diz o especialista.
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