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A indicação do senador americano Marco Rubio como Secretário de Estado e do bilionário Elon Musk para liderar o Departamento de Eficiência Governamental (Doge) no futuro governo de Donald Trump, nos EUA, deve trazer impactos significativos para o Brasil, especialmente em questões relacionadas à Venezuela e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto Rubio pode pressionar o Itamaraty a adotar uma postura mais dura contra o regime de Maduro, Musk tende a intensificar os embates com a Suprema Corte brasileira, aumentando as tensões para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A expectativa inicial é que Rubio concentre seus esforços em enfrentar a China e liderar tratativas sobre a guerra na Ucrânia e os conflitos no Oriente Médio. No entanto, analistas de política internacional avaliam que o senador republicano também dedicará atenção significativa à América Latina, impulsionado por sua postura firme contra as ditaduras e governos de esquerda na região.
No Congresso, Rubio ganhou notoriedade ao defender a aplicação de mais sanções contra Cuba e Venezuela. No caso do país caribenho, ele foi uma figura central na aplicação de 243 medidas para reforçar o embargo americano durante o primeiro mandato de Trump. É crítico do ditador Nicolás Maduro, da Venezuela, e também já fustigou o presidente brasileiro ao afirmar que Lula é um “líder de extrema esquerda que encobre a natureza criminosa do narco-regime de Maduro”.
A recusa da diplomacia brasileira em criticar mais duramente o regime venezuelano é vista como um elemento que pode estimular os Estados Unidos a concentrarem ações contra Maduro. Como a Venezuela faz parte da esfera de influência do Brasil, Maduro foi visto pelo atual presidente americano, Joe Biden, como responsabilidade do governo brasileiro. Com a mudança na gestão americana, a expectativa é que o Itamaraty seja pressionado a se posicionar de forma mais contundente.
Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, a chegada de Marco Rubio ao cargo de secretário de Estado dos Estados Unidos pode trazer mudanças significativas na relação com o Brasil, sobretudo no que diz respeito a questões de liberdades e direitos humanos. Ele acredita que Rubio adotará uma postura mais incisiva contra medidas polêmicas do governo brasileiro e decisões do STF. O senador foi um dos políticos dos EUA que criticaram o ministro Alexandre de Moraes por suspender o X e bloquear contas e ativos da Starlink, divisão de satélites da SpaceX, no Brasil.
"Marco Rubio dará uma guinada mais incisiva na política americana, especialmente em temas relacionados à censura e restrição de liberdades no Brasil. Ações como os bloqueios de perfis nas redes sociais, a censura de matérias jornalísticas e as tentativas de regular as mídias serão alvos de forte pressão do novo Secretário de Estado", afirma Cerqueira. Ele lembra que, mesmo como senador, Rubio já defendia medidas como o cancelamento de vistos de ministros do STF.
O analista também destaca o contraste entre as agendas ideológicas do governo Lula e do novo governo americano, liderado por Donald Trump. "O apoio do Brasil a regimes de esquerda na América Latina, bem como sua proximidade com países como Irã, China e Rússia, será um ponto de atrito. Marco Rubio, junto com Trump, deve intensificar o confronto comercial e diplomático com a China e buscar maior aproximação com Israel e Arábia Saudita, o que entra em choque direto com a atual orientação do governo Lula", completa.
Governo terá que lidar com disputa entre Musk e Rubio contra STF
Se o Palácio do Planalto já atua no Congresso Nacional para barrar pautas anti-STF, o governo Lula enfrentará a pressão internacional que Elon Musk e Marco Rubio podem exercer contra a Suprema Corte brasileira. No caso do dono do "X", sua posição à frente do Departamento de Eficiência Governamental conferirá à disputa com o ministro Alexandre de Moraes um caráter oficial e governamental.
"Esses conflitos revelaram um alinhamento entre o Executivo brasileiro e a Suprema Corte, especialmente em relação a medidas de censura e regulação. Musk foi diretamente impactado por essas decisões, mas agora, com sua proximidade com Trump, ele terá mais influência na política externa americana", analisa Elton Gomes, da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
O professor alerta que Musk deverá pressionar o governo americano a adotar uma postura mais rigorosa contra países que implementam restrições às plataformas de tecnologia, o que pode impactar diretamente o Brasil, já criticado por sua abordagem em relação à liberdade de expressão.
Um incidente envolvendo Janja, a primeira-dama do Brasil, durante o evento Cria G20, ocorrido antes da cúpula de líderes do G20 em novembro, pode agravar as tensões. Em sua participação, Janja fez uma declaração polêmica ao magnata: "Eu não tenho medo de você. Inclusive, fuck you, Elon Musk". Em resposta, Musk ironizou: "Eles vão perder a próxima eleição".
Além disso, Rubio, futuro Secretário de Estado dos EUA, receberá uma requisição de seus colegas republicanos para suspender os vistos americanos de ministros do STF devido ao bloqueio do "X". O pedido, assinado em setembro pelos deputados María Elvira Salazar, Carlos A. Giménez, Rich McCormick e Chris Smith, além do senador Rick Scott, foi enviado ao atual Secretário de Estado, Antony Blinken, mas não teve andamento sob a gestão Biden.
Rubio também criticou diretamente as ações de Moraes. "A decisão de banir o X é mais uma manobra do juiz Alexandre de Moraes para minar as liberdades básicas. Desde multar indivíduos e entidades privadas que buscam informações no X até impor censura legal, o povo do Brasil está enfrentando sérias repressões por simplesmente usar uma plataforma de rede social. Em nome das liberdades básicas e do nosso relacionamento bilateral, o Brasil deve retificar esse movimento autoritário", escreveu Rubio em seu site oficial.
Comentando o cenário, Elton Gomes destaca que Rubio poderá estreitar os laços entre a oposição brasileira e os congressistas republicanos, agora no controle da Câmara e do Senado americanos.
"Esse contexto cria um ambiente propício para sanções direcionadas a ministros do STF, políticos e até agentes de segurança pública, dependendo da postura do Brasil em temas como censura digital e sua aproximação com o bloco sino-russo", afirma Gomes.