A vitória da bancada do agronegócio no Congresso Nacional durante a derrubada dos vetos ao projeto de lei do marco temporal para demarcação de terras indígenas não deve ser suficiente para pacificar o tema. Governo, Partido dos Trabalhadores e associações indígenas já sinalizaram que levarão o tema novamente ao Supremo Tribunal Federal (STF), a fim de derrubar a proposta. Enquanto isso, a bancada do agro se articula para aprovar duas Propostas de Emendas à Constituição (PECs) que tratam do assunto: a das indenizações e a do marco temporal.
Em setembro, o STF decidiu que a demarcação de terras não pode estar atrelada à data da promulgação da Constituição, como prevê a tese do marco temporal. No entanto, no Congresso, a bancada do agro venceu a queda de braço após conseguir a aprovação do projeto de lei e a recente derrubada de vetos feitos por Lula.
A votação expressiva conquistada na rejeição dos vetos acendeu um novo alerta para o governo, que é contra o marco temporal. Foram 321 votos na Câmara e 53 votos no Senado a favor da tese. Ao comemorar a vitória, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), lembrou que os votos conquistados são suficientes para aprovar PECs, tanto na Câmara, quanto no Senado – este tipo de proposta precisa do apoio de 308 deputados e de 49 de senadores para ser aprovada.
Bancada do agro dará prioridade para PECs em 2024
Tendo em vista que o imbróglio do marco temporal aprovado por meio de lei pode se estender com a judicialização, a alternativa será modificar a Constituição para garantir segurança jurídica aos proprietários de terras no Brasil.
Os parlamentares da FPA já se articulam para garantir a votação de duas PECs que tramitam no Congresso para resolver o impasse: a das Indenizações (132/2015) e a do Marco Temporal (48/2023).
A PEC das Indenizações, já aprovada no Senado Federal, ainda precisa passar pela análise do Câmara. Recentemente, a bancada do agro recebeu autorização para criar a comissão especial que vai analisar a proposta antes da votação no Plenário da Câmara. Para que esse colegiado inicie os trabalhos, é preciso que os seus membros sejam indicados pelos partidos. Até o momento, apenas 15 membros titulares, de um total de 34 previstos, foram indicados para compor a comissão. Ainda não há previsão para o início dos trabalhos da comissão especial, mas a FPA já se articula para garantir que o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) seja o relator da proposta.
No caso da PEC do Marco Temporal, o senador Espiridião Amin (PP-SC) foi designado relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no início de outubro. Como o relatório ainda não foi apresentado, também não há previsão de data para votação. Com o início do recesso parlamentar, os trabalhos devem ser retomados somente em fevereiro. No entanto, o senador Amin já se manifestou favoravelmente ao marco temporal.
Apesar da pouca previsibilidade sobre as datas das próximas votações sobre o tema, a expectativa é de que o placar da derrubada dos vetos se repita em caso de avanço das PECs das indenizações e do marco temporal para o plenário de ambas as casas legislativas.
Partidos de esquerda, MPI e APIB vão recorrer ao STF
Antes da sessão do Congresso Nacional que derrubou os vetos do presidente Lula, houve a sinalização de um acordo entre a bancada do agro e a base governista para tentar garantir que o tema não fosse novamente levado ao STF. Nesta negociação, três vetos de Lula ao projeto seriam mantidos em troca da garantia de não judicialização. Tais vetos tratavam do contato com indígenas isolados, sobre o plantio de transgênicos em terras indígenas e sobre a possibilidade de revisão de demarcação em caso de perda de traços culturais de indígenas.
Apesar da manutenção desses vetos, partidos de esquerda, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) já confirmaram que vão recorrer ao STF. Por meio de ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), a lei do marco temporal será questionada, buscando que a tese para demarcação de terras indígenas seja invalidada.
Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sinalizou que acionará o STF sobre a derrubada dos vetos. “O MPI vai acionar a Advocacia Geral da União (AGU) para dar entrada no STF a uma ação Direta de Inconstitucionalidade a fim de garantir que a decisão já tomada pela alta corte sobre o marco temporal seja preservada, assim como os direitos dos povos originários”, enfatizou a nota.
A Apib, por sua vez, deve apresentar ação em conjunto com os partidos políticos PT, Rede, Psol e PSB. Em nota, a associação indígena destacou que “direitos não se negociam”. “Como resposta ao resultado da votação, vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena”, pontuou a entidade.
Advogados orientam que proprietários ajuízem possíveis demarcações
No período em que as ações seguirão em tramitação no STF, a lei do marco temporal estará valendo. No entanto, é importante destacar que somente as terras indígenas que ainda não foram efetivamente demarcadas ou homologadas poderão se beneficiar com a nova lei.
De acordo com a equipe técnica da FPA, a lei, com os vetos derrubados, passa a valer a partir da sua promulgação. Com base na Constituição, a promulgação deve ser feita pelo presidente da república em até 48 horas após a comunicação sobre a votação do Congresso. No entanto, até o fechamento desta matéria a promulgação não havia ocorrido.
A partir da promulgação, a lei passa a valer. Ainda assim, o direito não retroage, ou seja, terras demarcadas e homologadas permanecem como estão. Sendo assim, as demarcações de terras indígenas que estão em etapas anteriores do processo demarcatório passarão a ser regidas pela lei do marco temporal. “Os processos ainda em discussão e sem homologação já entram na nova lei”, pontuou a equipe da FPA.
O advogado Vinicius Borba, que atua em casos de demarcações de terras indígenas, afirma que há o risco real do STF declarar inconstitucional a Lei do marco temporal, mas orienta que os proprietários de terras já demarcadas, em processo ou que podem ser questionadas, que busquem ajuizar suas demandas. “Até que isso aconteça, se é que irá acontecer, a lei está valendo. Assim sendo oriento ajuizar as demandas conforme a lei para fins de direitos adquiridos e prequestionamento”, orienta Borba.
Por outro lado, a Apib anunciou que deve solicitar salvaguardas para assegurar que as demarcações continuem até que o STF julgue as ações contra o marco temporal. “Esta lei é inconstitucional e deve ser analisada pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
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