O ministro da Justiça, Sergio Moro, foi alvo de críticas por afirmar que o conteúdo hackeado recuperado pela Polícia Federal (PF) na Operação Spoofing será destruído. O problema é que ele não tem autonomia para decidir sobre o destino de provas decorrentes de investigações, embora seja o chefe da PF. Esta é uma decisão que cabe ao juiz responsável pelo caso.
Antes de tudo, o material precisa passar por perícias, podendo, inclusive, ser usado pela defesa de réus que buscam absolvição em outros processos. O próprio Moro, por ter sido citado em vazamentos de supostas conversas, pode usar esse conteúdo para comprovar que nada de ilegal foi feito durante o período em que presidiu os inquéritos da Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Nesta quinta-feira (25), Moro telefonou para algumas vítimas do grupo preso dois dias antes pela PF sob acusação de invadir os celulares de autoridades para informar sobre a invasão. Além do ministro da Justiça, foram alvos do grupo o presidente Jair Bolsonaro (PSL), os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), e ministros de tribunais superiores.
Na conversa que manteve com o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, Moro teria afirmado categoricamente que o conteúdo obtido pela PF, produto da invasão dos celulares, seria destruído para preservar a intimidade das vítimas.
Qual a importância de se manter intacto o material apreendido?
Para o advogado especialista em processo penal, João Rafael de Oliveira, a preservação do material apreendido pela PF com os hackers é importante para submeter o conteúdo a perícias, por exemplo. “A manutenção desse material de forma incólume, com todos os cuidados, é importante. Primeiro para a própria investigação, para verificar se esse material de fato é fidedigno ou não”, explica.
Um dos suspeitos presos, Walter Delgatti Neto, teria confessado ser o autor da invasão nos celulares de autoridades. Ele também disse à PF ser a fonte anônima que enviou diálogos entre o procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, e outros procuradores e com o próprio Moro, que era o juiz do caso, ao site The Intercept Brasil.
Para o perito Eduardo Becker Tagliarini, presidente do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo, o material apreendido vai servir para saber se o conteúdo divulgado pelo Intercept é o mesmo armazenado nos computadores dos suspeitos. “O que foi encontrado ali vai servir para confrontar com o conteúdo que foi publicado pelo site Intercept”, explica.
Para o perito José Henrique Perenne Fonseca, especializado em perícia digital, porém, vai ser muito difícil determinar se as conversas que vêm sendo publicadas pelo Intercept desde junho são, de fato, autênticas, mesmo com o material apreendido pela PF. “Se você captura um print de uma tela de um celular, tem como se certificar, mas no caso deles, como eles obtiveram diretamente o texto, esse texto pode ser modificado”, afirma.
O perito destaca que a única forma de atestar que o conteúdo não foi alterado é fazendo uma perícia no celular da vítima. “Quando eu te mando uma mensagem no Whatsapp, você tem como alterar minha mensagem? Não. E a que você me mandou também não tem como. Dessa forma, sim. Eu tendo a fonte, que é o aparelho, sim [é possível determinar autenticidade]”, explica Fonseca.
Moro diz ter entregado seu celular para a Polícia Federal quando percebeu ter sido alvo de um ataque hacker, em junho. Mas o ministro afirma que não usava o Telegram desde 2017 e que não tinha mais o conteúdo das mensagens em seu telefone. Outro alvo dos hackers, o procurador Deltan Dallagnol, não entregou o celular para perícia da PF – ele não é obrigado a fazer isso.
Mesmo com o celular de Dallagnol em mãos, segundo Fonseca, seria difícil provar que as mensagens são autênticas. O perito lembra que o hacker chegou a se passar pela vítima ao manter conversas no Telegram com contatos do celular hackeado. Nesse caso, as mensagens são autênticas, mas a identidade de quem as enviou, não.
Entre as autoridades hackeadas pelo grupo preso pela PF está, por exemplo, o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele teve o celular invadido e o invasor conversou pelo Telegram com jornalistas, inclusive com a Gazeta do Povo, se passando pelo ministro. Nesse caso, as mensagens são autênticas, porque saíram da conta do Telegram de Guedes, mas a identidade não, já que o hacker se passou pelo ministro.
Moro extrapolou sua competência ao falar ordenar destruição de provas?
A informação repassada por Moro ao presidente do STJ não foi confirmada pela Polícia Federal. Em nota, a corporação afirmou que “o conteúdo de quaisquer mensagens que venham a ser localizadas no material apreendido será preservado, pois faz parte de diálogos privados, obtidos por meio ilegal. Caberá à justiça, em momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções”.
Para Oliveira, Moro extrapolou sua competência ao falar em destruição do material apreendido. “Ele jamais pode, como autoridade do Executivo, na chefia do Ministério da Justiça, ordenar a destruição, isso não existe”, explica. “Quem ordena ou não a destruição de provas é o juiz do caso. O juiz que autorizou a busca e apreensão pode determinar a destruição de alguma prova se entender que aquela prova não é necessária para a investigação e, além de não ser necessária, traz informações que prejudiquem a intimidade e privacidade de outras pessoas que não digam respeito ao caso”, explica o advogado.
Neste caso, a decisão cabe ao juiz Vallisney Oliveira, da Justiça Federal de Brasília. O magistrado autorizou a prisão dos quatro suspeitos, a realização de buscas e apreensões em endereços ligados a eles e a quebra dos sigilos telemático e bancário.
Até quando as provas devem ser preservadas e como podem ser usadas?
Segundo Oliveira, não existe um prazo específico para que provas obtidas através de investigações sejam preservadas. “Não tem previsão específica, mas para a doutrina que trabalha com direito processual penal, todos os elementos de prova, de interceptação telefônica, de quebra de dados, precisa ficar custodiada, guardada pelo poder público e mantida incólume durante o desenvolvimento da investigação e do processo. Pode ser destruída depois do processo ter uma decisão final”, explica.
A manutenção do material permite que tanto a defesa quanto a acusação tenham acesso ao que é chamado de cadeia de custódia, segundo o advogado. “Tem que dar oportunidade para as partes, a qualquer momento, pedirem uma perícia, verificarem rastreabilidade, verificarem se não foi manuseada de forma ilegal pela própria polícia no momento de apreensão. Tem que permitir a análise pelas partes de como esse material foi buscado e apreendido, se ele foi armazenado de forma correta, se não teve nenhuma alteração durante a guarda dessa prova”, explica.
Apesar de preservados, os diálogos interceptados pelos hackers não podem ser usados para acusar as vítimas de crimes. “Elas não podem ser utilizadas para fins de criminalizar a conduta daquelas pessoas cujos diálogos são comprometedores. Não posso pegar essa prova para criminalizar a conduta do Sergio Moro, do Dallagnol, dos demais procuradores, porque ela foi inicialmente levada a cabo por um mecanismo ilícito”, diz Oliveira.
Por outro lado, os diálogos podem ser entregues pela Justiça a advogados de réus que tenham sido condenados por Moro e que busquem uma absolvição, alegando ilegalidades na condução do caso. “Tendo em vista o interesse de outras pessoas que foram condenadas, me parece também razoável manter isso e franquear a eventuais interessados”, diz o advogado. “É difícil determinar destruição disso porque essa prova, ainda que ilícita, pode servir para pessoas que tenham sido condenadas a fim de conseguir alguma absolvição, ou seja, podem ser utilizadas em favor de réus”, esclarece.
Enxurrada de críticas
A postura de Moro em relação ao material apreendido pela PF gerou reações. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o ex-ministro do STJ, Gilson Dipp, disse que Moro age como investigador, acusador e juiz ao falar em destruição de provas.
O presidente da Associação dos Delegados da PF, Edivandir Paiva, também criticou Moro e afirmou à revista Veja que sua postura é “inadequada”. Membros do STF também já afirmaram que não cabe a Moro definir o destino do material apreendido pela PF.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, reagiu e disse que o ministro “banca o chefe de quadrilha”.
Segundo Oliveira, o problema com a postura de Moro a respeito das investigações é, inclusive, anterior à fala sobre destruição do conteúdo apreendido. “Se ele se declarou como vítima, a rigor ele não poderia participar da investigação, porque há aí um nítido interesse na resolução do caso que pode comprometer uma investigação séria e isenta”, diz o advogado.
“Essa manifestação de destruição de provas pelo poder Executivo, nesse caso o ministro da Justiça, é ilegal e inconstitucional. Quem tem que zelar pela prova é o Judiciário”, ressalta Oliveira. “O mesmo problema, claro que em graus diferentes, que o Intercept está denunciando, que é a participação do juiz no processo Lula, de forma ativa e sem imparcialidade, guardadas as proporções vem para essa investigação dos hackers também. A autoridade policial, ainda que funcione de forma inquisitiva, ou seja, está buscando elementos que possam comprovar a ocorrência do crime e a autoria desse crime, ela tem que ter uma isenção”, avalia o advogado.
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