Com apenas dois votos explicitamente contrários na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado – os dos senadores Eduardo Girão (Novo-CE) e Magno Malta (PL-ES) –, o advogado Cristiano Zanin, 47 anos, indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deverá ter seu nome confirmado pelo colegiado nesta quarta-feira (21) e, em logo em seguida, também pelo plenário da Casa, com igual facilidade.
Essa consagração deve-se à tradição de aprovação das escolhas presidenciais. Candidatos à Suprema Corte foram barrados na história da República apenas em 1894, no conturbado governo de Floriano Peixoto. Mas o principal fator que favorece Zanin é a dependência dos senadores do STF para impedir sanções legais.
Na atual legislatura, ao menos 35 dos 81 senadores (43% do total) tiveram ou ainda têm inquérito criminal aberto contra si no STF. Segundo analistas, isso explica em parte o tom cauteloso adotado pelos senadores ao sinalizarem seus votos em indicados ao tribunal. Uma parte dos processos continua em tramitação e aguarda decisões de ministros para ter algum desfecho. Além disso, há ainda várias ações da área cível relacionadas a senadores que aguardam análise de membros da Suprema Corte.
No plenário, a estimativa é de que Zanin tenha no máximo 20 votos contra sua nomeação, pois parte dos senadores devem votar contra, mas sem chamar atenção. Assim, além de Malta e de Girão, também devem se opor à indicação do advogado de Lula os oposicionistas Rogério Marinho (PL-RN), Cleitinho (Republicanos-MG), Marcos do Val (Podemos-ES), Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Damares Alves (Republicanos-DF), Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e Sergio Moro (União Brasil-PR), com quem o advogado de Lula se confrontou quando o senador era juiz da Lava Jato.
Advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que o indicou para ocupar vaga do ex-ministro Ricardo Lewandowski, Zanin teve suas resistências relativas à falta de impessoalidade e de carreira acadêmica vencidas pelo fato de a Suprema Corte ser o foro privilegiado para parlamentares federais.
Em suas andanças pelos gabinetes antes das sabatinas, o indicado recebeu apoio em bloco de partidos aliados ao Planalto e de nomes da oposição, como Carlos Portinho e Ciro Nogueira, ex-ministro da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro (PL). O próprio ex-presidente afirmou que a indicação de ministro do STF é uma “competência exclusiva” do chefe do Executivo.
Para ter a indicação confirmada pelo Senado, são necessários 41 votos a favor, mas Zanin pode ter cerca de 20 a mais. As maiores dificuldades de aprovação no passado recente envolveram as indicações dos ministros Edson Fachin, por Dilma Rousseff (PT), em 2015, e André Mendonça, por Bolsonaro (PL), em 2021. Fachin recebeu 52 votos a favor e Mendonça, 47.
Senadores críticos levarão questionamentos à sabatina
O senador Magno Malta (PL-ES), mesmo sendo réu por calúnia movida pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, após ter dito em evento público que Barroso “batia em mulher”, mantém a postura firme de rejeição à indicação de Zanin. “Medo? Desconheço esse aí, nunca fui apresentado a ele”, disse o senador à Gazeta do Povo.
Eduardo Girão (Novo-CE), que também adiantou voto contrário ao indicado de Lula, afirmou estar “apenas cumprindo com o papel de parlamentar”, prometendo fazer perguntas que achar pertinentes para o advogado durante a sabatina.
Marcos do Val, que também votará contra a indicação, é o mais recente alvo de inquéritos no STF, após a determinação do ministro Alexandre de Moraes de abrir procedimento para apurar suspeita da prática dos crimes de falso testemunho em transmissão ao vivo, após afirmar que Bolsonaro tentou coagi-lo a dar um golpe de Estado e, depois, ter desmentido o fato à Polícia Federal (PF).
Também relatado por Moraes, outro inquérito investiga Moro por suposta interferência na Polícia Federal na gestão de Bolsonaro.
Critérios de reputação e saber jurídico viraram formalidade
Em entrevista coletiva à imprensa do Rio na última segunda-feira (19), o ministro da Justiça, Flávio Dino, defendeu a indicação de Zanin ao STF e disse não haver qualquer problema no fato de o advogado ser também uma pessoa próxima a Lula. “Temos no mundo vários sistemas de indicação de ministros para as supremas cortes, mas todos têm algo em comum. Nenhuma autoridade nomeia alguém que seja seu inimigo ou rival político”, disse. “Após quase 30 dias da indicação do presidente, não surgiu nenhum fato concreto que diga que o futuro ministro Zanin não tenha o notável saber jurídico ou não tenha a reputação ilibada, requisitos da Constituição”, disse.
Para o analista político José Amorim, o processo de confirmação de Zanin no STF seguirá apenas por mera formalidade. “A base do governo calcula apoio de cerca de 60 senadores, sendo que Zanin só precisaria de 41 para a aprovação. O próprio presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), já sinalizou que o advogado tem os votos necessários para a aprovação.
Na reunião prévia da comissão, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), relator da indicação, apresentou o parecer favorável”, disse. Ele acredita que a votação na CCJ terá o questionamento de oposicionistas, sobretudo sobre o “notável saber jurídico”. Mas nada capaz de alterar o resultado final.
Se passar pelo crivo dos senadores, Zanin poderá ficar no STF, segundo critérios atuais, até 15 de novembro de 2050, quando completará 75 anos. No caso dos ministros do Supremo, a Constituição requer idade acima de 35 anos e inferior a 70, além dos tais quesitos de "notável saber jurídico" e "reputação ilibada".
Segundo o relator da indicação, Zanin “teve atuação na construção e manutenção de nossa jurisprudência constitucional, por meio da subscrição de várias reclamações constitucionais, a fim de velar pela autoridade das decisões da Suprema Corte”.
Briga com o sogro e denúncia de babás
De acordo com o jornal O Globo, Cristiano Zanin está rompido com o sogro, o também advogado Roberto Teixeira, amigo de Lula por meio de quem conheceu o presidente. Zanin e Teixeira compartilhavam um escritório de advocacia, mas a relação entre eles se deteriorou ao longo de 2022. Zanin decidiu encerrar a sociedade e estabelecer seu próprio escritório com a esposa, Valeska Teixeira Martins.
As tensões eram motivadas por questões pessoais, mas evoluíram para o terreno profissional, envolvendo, segundo o jornal, uma batalha pelo direito a honorários advocatícios no valor de R$ 9,1 milhões relacionados a processo no qual a emissora de tevê Rede 21, defendida pela antiga firma de Zanin e Teixeira, buscava indenização da Igreja Universal do Reino de Deus por inadimplência e quebra de contrato referentes à venda de direitos de programação.
Além deste episódio, o jornal Folha de S. Paulo revelou em abril que foram protocoladas duas ações na Justiça em 2017 e uma terceira em março contra Zanin referentes a três ex-babás dos filhos dele e de Valeska. Elas ingressaram na Justiça de São Paulo com acusações de danos morais e condições de trabalho abusivas. Nas ações, advogados relatam que as trabalhadoras eram ofendidas pela advogada e esposa de Zanin e tratadas por ela de forma humilhante. Os processos correram em sigilo. Segundo a Folha de S. Paulo, houve pagamento de indenização no caso de 2017. À imprensa, Valeska disse que as alegações eram "fabricadas", com o objetivo de confundir o zelo de mãe com interesses financeiros e, ao mesmo tempo, de prejudicar a reputação do seu marido.
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