"Vamos ao Congresso, ao Supremo, ao Ministério Público. Isso não se esgota hoje. Terá um desdobramento", disse o ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc (2008-2010) em reunião inédita, nesta quarta-feira (8), com sete ex-ministros do Meio Ambiente no no Instituto de Estudos Avançados da USP, em São Paulo.
Além de Minc, compareceram os ex-ministros Rubens Ricupero (1993-1994), Sarney Filho (1999-2002 e 2016-2018), José Carlos Carvalho (2002), Marina Silva (2003-2008), Izabella Teixeira (2010 - 2016) e Edson Duarte (2018).
Após breve reunião fechada, os ex-ministros apresentaram um comunicado de pouco mais de três páginas com fortes críticas às decisões do governo Jair Bolsonaro sobre a governança ambiental que, segundo o documento, "está sendo desmontada, em afronta à Constituição".
"Há que se fortalecer as regras que compõem o ordenamento jurídico ambiental brasileiro, estruturadas em perspectiva sistêmica, a partir da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981", defende a carta, apontando que as mudanças em contrariedade à lei põem "um país inteiro sob risco de judicialização".
"Nós todos temos nossas diferenças políticas e ideológicas, mas nenhum de nós ousou desmontar o ICMBio, o Ibama, propor a extinção de parques ou de terras indígenas já demarcadas e homologadas, ou até mesmo de voltar atrás nos avanços das gestões anteriores. Sempre reconhecemos os avanços das gestões anteriores e fomos adiante", disse Sarney Filho em coletiva de imprensa após a reunião.
"Nesta mesa temos o PIB ambiental dos últimos 35 anos", disse Marina Silva. "Tivemos ganhos maiores ou menores, dependendo da conjuntura, mas todos comprometidos em avançar. É a primeira vez que um governo foi eleito dizendo que vai acabar com aquilo que é estratégico para qualquer país: educação e meio ambiente. E o pior: implementa o discurso populista e irresponsável que fez para ganhar [a eleição]."
Sem citar o nome de Ricardo Salles, atual ministro do Meio Ambiente, o grupo fez críticas ao governo como um todo, enfatizando a transferências de competências para pastas com "claro conflito de interesse", como expressou Marina Silva, referindo-se à transferência da Agência Nacional das Águas, que era do MMA, para o Ministério de Desenvolvimento Regional.
A mudança do Serviço Florestal Brasileira para o Ministério da Agricultura também foi lembrada, assim como a perda da competência da Funai para a demarcação de terras indígenas, que também passou para a Agricultura.
Os ex-ministros procuraram rebater a retórica usada pelo governo de que as políticas ambientais anteriores seriam ligadas a uma ideologia comunista. "Cadê o marxismo do governo Médici? Queria que alguém me explicasse qual o marxismo cultural na lei 6938/81, criado no governo Figueiredo, em pleno regime militar", ironizou José Carlos Carvalho, que qualificou as mudanças na governança ambiental como uma "esquizofrenia institucional."
Leia na íntegra a carta dos ex-ministros
"Em outubro do ano passado, nós, os ex-ministros de Estado do Meio Ambiente, alertamos sobre a importância de o governo eleito não extinguir o Ministério do Meio Ambiente e manter o Brasil no Acordo de Paris. A consolidação e o fortalecimento da governança ambiental e climática, ponderamos, é condição essencial para a inserção internacional do Brasil e para impulsionar o desenvolvimento do país no século 21.
Passados mais de cem dias do novo governo, as iniciativas em curso vão na direção oposta à de nosso alerta, comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país.
Não podemos silenciar diante disso. Muito pelo contrário. Insistimos na necessidade de um diálogo permanente e construtivo.
A governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição.
Estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente: entre elas, a perda da Agência Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas e, agora, a ameaça de descriação de áreas protegidas, apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e de extinção do Instituto Chico Mendes. Nas últimas três décadas, a sociedade brasileira foi capaz, através de sucessivos governos, de desenhar um conjunto de leis e instituições aptas a enfrentar os desafios da agenda ambiental brasileira nos vários níveis da Federação.
A decisão de manter a participação brasileira no Acordo de Paris tem a sua credibilidade questionada nacional e internacionalmente pelas manifestações políticas, institucionais e legais adotadas ou apoiadas pelo governo, que reforçam a negação das mudanças climáticas partilhada por figuras-chave da atual administração.
A ausência de diretrizes objetivas sobre o tema não somente tolhe o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil, comprometendo seu papel protagônico exercido globalmente, mas também sinaliza com retrocessos nos esforços praticados de redução de emissões de gases de efeito estufa, nas necessárias ações de adaptação e no não cumprimento da Política Nacional de Mudança do Clima.
Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós.
É urgente a continuidade do combate ao crime organizado e à corrupção presentes nas ações do desmatamento ilegal e da ocupação de áreas protegidas e dos mananciais, especialmente nos grandes centros urbanos.
O discurso contra os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o ICMBio, e o questionamento aos dados de monitoramento do INPE, cujo sucesso é auto-evidente, soma-se a uma crítica situação orçamentária e de pessoal dos órgãos. Tudo isso reforça na ponta a sensação de impunidade, que é a senha para mais desmatamento e mais violência.