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O governo está empolgado com os recentes indicadores positivos na economia, como desaceleração na alta dos preços, melhora da perspectiva de crescimento da atividade econômica e sinais encorajadores no plano externo e de agências de classificação de risco da dívida brasileira. Mas essa melhora de cenário não dará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) munição suficiente para resistir às pressões contínuas do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pela partilha de espaços graúdos de poder a partidos de dentro e de fora da base parlamentar do Planalto, inferior a 150 deputados.
Analistas e políticos ouvidos pela Gazeta do Povo concordam que o quadro geral da economia apresentou sinais de alívio na virada do primeiro para o segundo trimestre, mas descartam haver razões para euforia do governo, que espera contar com bons indicadores para impulsionar seus planos nas eleições de 2024 e, sobretudo, 2026.
Desde a sua posse, Lula aposta na recuperação econômica como forma de manter popularidade e avançar com a sua agenda política. Contudo, quase seis meses depois, suas dificuldades de articulação política o deixaram vulnerável às investidas do dominante Centrão.
De perfil majoritariamente liberal na economia, o Congresso resistiu aos projetos do governo voltados ao aumento de gastos e à maior ingerência estatal. Os congressistas cederam dentro do limite de seu fisiologismo, com a liberação em valor recorde de R$ 1,7 bilhão em emendas ao Orçamento em apenas um dia, mas ainda esperam por uma reforma ministerial ampla para reacomodar o União Brasil, que já integra a base de apoio parlamentar, e, ainda, tentar atrair outras siglas centristas, como PP e Republicanos.
O esperado recomeço do governo acabou sendo adiado, enquanto petistas próximos a Lula insistem em convencer o presidente de uma iminente “virada econômica”, impulsionada pela aprovação de matérias como arcabouço fiscal e reforma tributária; pelo novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que deve ser anunciado em breve; por financiamentos do BNDES; pelos acordos comerciais; por investimentos da Petrobras e, sobretudo, pelo abrandamento da política monetária.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) se reúne nesta quarta-feira (21) para definir se reduz ou não a taxa básica de juros (Selic), hoje em 13,75% anuais. O mercado aposta na manutenção desse patamar, que o governo publicamente julga inaceitável. As cobranças até por demissão do presidente do BC, Roberto Campos Neto, crescerão.
Redução de incertezas favorece indicadores, apesar de Lula
Para o economista Caio Vilela, da assessoria de investimentos Montebravo, a boa safra aliada à crescente demanda externa deram inesperado impulso ao agronegócio, que tem ajudado a revisar positivamente as previsões para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, antes na casa de 1% em 2023, para agora 2%.
Mas também ajudou a redução da insegurança gerada pelo discurso eleitoreiro de Lula, que apontava para uma reedição do segundo governo de Dilma Rousseff (PT), graças à contenção que o presidente teve do Congresso. “A firmeza do BC, o perfil mais centrista do ministro Fernando Haddad (Fazenda) e o fim do temor inicial de anarquia fiscal tiraram incertezas do horizonte”, comentou. A prova disso está nos pregões da bolsa paulista – nos primeiros 20 dias de junho, o Ibovespa acumulava alta de cerca de 10%.
O especialista concorda que a inflação tem dado sinais ainda mais positivos, como a expectativa de até deflação em junho. Mas não acredita que o BC conseguirá atingir o centro da meta para o ano, impedindo que a taxa básica de juros recue abaixo de dois dígitos tão cedo.
Isso se deve, explica ele, ao conjunto de estímulos à economia ainda em função da pandemia. “Quanto à produção agrícola, há ainda um ambiente de cautela devido ao aumento geral de custos e de uma demanda chinesa cuja reação ficou abaixo do esperado após a retirada das restrições para conter a Covid”, disse.
Embora Lula pareça estar convencido de que é possível promover milagres na economia mesmo governando à esquerda, com ações limitadas à centro-direita e concessões no parlamento para a direita, avanços significativos estão descartados.
O presidente tinha a expectativa de fechar um acordo de livre comércio com a União Europeia, região que enfrenta um aumento histórico nos preços dos alimentos, mas isso foi adiado para o fim do ano. Além disso, os bilhões de investimentos chineses anunciados durante sua viagem à segunda maior economia do mundo também não se confirmaram.
Aperto fiscal, inflação ainda fora da meta e Congresso de ampla maioria conservadora formam um cenário desafiador. Na votação das propostas do governo, se formou uma linha divisória para proteger reformas aprovadas nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, quando se trata da economia. Mas é justamente essa resistência que tem garantido ao governo fugir de cenários assombrosos, que se confirmariam com descontrole fiscal, elevação da desconfiança dos credores e aceleração da inflação.
Segundo o relatório de risco político da agência de Relações Governamentais e Relações Públicas BCW Brasil, o governo ainda passa por um momento delicado de governabilidade.
“O mês de maio exigiu habilidade além das expectativas do mandato. Pautas importantes, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, estão pendentes de deliberação e a aprovação da Medida Provisória da Esplanada deixou claro que o modelo imaginado por Lula precisará ser repensado”, sublinhou o documento.
Em resumo, a aliança repentina entre Legislativo e Executivo mostrou-se suficiente para aprovar a MP da Esplanada, mas agendas futuras dependem do capital político do presidente e da disponibilidade de orçamento federal.
Para Gustavo Bernard, analista sênior da Dominium Consultoria, a música que a economia toca é agradável, mas ainda não tem mesmo acompanhamento do governo. Ele espera que a tendência seja de a equipe econômica convencer o governo da necessidade de harmonia maior entre diferentes expectativas para acelerar processos positivos.
“Os sinais da China ainda não estão no ritmo esperado, mas inflação e crescimento doméstico podem continuar surpreendendo positivamente. Tudo é uma questão de eliminar o restante de ruído e de desconfiança que ainda possa pairar no ar”, resumiu.
Parlamentares estão incrédulos com a capacidade do PIB decolar
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) afirmou que Lula ainda não anunciou planos para o Brasil crescer, mas apenas “propostas do atraso”, rumo a um “desastre econômico”. Como exemplo, ele cita dribles na Lei das Estatais para dar cargos de comando a políticos, decretos para esvaziar o Marco do Saneamento, tentativa de relaxar a Lei de Responsabilidade Fiscal, volta da contribuição sindical, criação de conselhos ministeriais para vigiar agências reguladoras e utilização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) para socorrer a Argentina.
“O governo Lula continua vivendo num mundo paralelo. Quer diminuir juros na canetada, mas não faz a lição de casa para conter gastos. Quer aumento do PIB, mas só pensa em criar mais impostos e burocracias, dificultando a vida de quem empreende. Sem falar da insegurança jurídica enorme ao emitir decretos ilegais, como o do Marco do Saneamento. Aí, se o resultado não vier, colocará de forma vergonhosa a culpa em algum espantalho, como lhe é de praxe”, disse o deputado Gilson Marques (Novo-SC).
Os parlamentares acrescentam que, apesar de ter encerrado o primeiro trimestre com resultados positivos, o índice de emprego perde quase todos os ganhos do trimestre e permanece oscilando em patamar baixo, indicando que o ano será desafiador devido à desaceleração econômica global, política monetária restritiva e inflação.