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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes afirmou nesta terça-feira (4) que episódios como os atos de vandalismo de 8 de janeiro devem gerar uma reflexão sobre a regulamentação das redes sociais. Em entrevista ao programa “Amarelas On Air”, da revista Veja, o decano ressaltou que “não está preocupado com a imagem” da Corte. Ele também criticou o senador Sergio Moro (União Brasil - PR) e a proposta do Senado para fixação de mandato para integrantes do STF.
“Eu acredito que os episódios que culminaram com o 8 de janeiro devem nos levar a uma reflexão, inclusive, sobre o papel das redes na nossa democracia. E a gente tem que se debruçar sobre a necessidade de regulamentação, de controle, de algum tipo de medida que faça as plataformas terem responsabilidade”, afirmou Mendes.
O ministro avaliou que é necessário, por exemplo, derrubar conteúdos de forma rápida em situações que “inequivocamente” existam crimes.
Na visão de Mendes, o Supremo teve um “papel decisivo” na manutenção da democracia no Brasil nos últimos anos. Questionado sobre o que seria necessário fazer para restabelecer uma “imagem sólida” para a Corte, o ministro reforçou a atuação do Tribunal.
“Não estou preocupado com a imagem do Supremo Tribunal Federal. Acho que o Tribunal cumpriu um papel importante. E se nós mantivemos a democracia no Brasil, acredito que muito se deve ao Supremo Tribunal Federal. A imprensa teve trabalho, o Congresso teve lá seus combatentes, mas o Supremo teve um papel decisivo”, disse.
Relação do STF com governo Lula
Gilmar Mendes afirmou que a relação com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do “ponto de vista institucional” é pacifico. No entanto, ele afirmou que a judicialização da política deve continuar. Já durante o governo Bolsonaro, ele considerou que havia “situação de anormalidade”.
“Eu não acredito que vá haver essa "desjudicialização" da política, mas de qualquer forma nós estamos muito atentos e estamos mantendo o diálogo em alto nível com os ministros de Lula sem nenhum problema, as coisas estão fluindo dentro de um quadro de normalidade”, disse Mendes.
Regulamentação do cargo de ministro do STF
O decano comentou sobre as propostas para regulamentar a atuação dos ministros do Supremo. No Senado, por exemplo, é discutida a possibilidade de fixar em oito anos os mandatos para ministros do STF. No mês passado, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União-AP), anunciou que incluirá na pauta de votação a proposta. Se for aprovada, a mudança não valeria para os atuais ministros do STF.
"Não acho que seja oportuno discutir essa questão. O Supremo, gostemos ou não, foi um bastião da resistência nesses momentos difíceis que nós vivemos”, afirmou Gilmar Mendes. Ele ressaltou que durante o período eleitoral o próprio Congresso fez uma série de concessões, como PEC fura-teto, o teto do ICMS, entre outros, que precisaram de alguma intervenção dos magistrados.
“Agora, passam as eleições, e o primeiro projeto que se desenha é de fazer uma reforma no Supremo Tribunal Federal, não parece adequado”, acrescentou. O ministro disse achar que o modelo que “muitos políticos desejam” implementar no Supremo é o utilizado no Tribunal de Contas da União (TCU). “Mandar alguém [indicado] pelo Senado, alguém [indicado] pela Câmara [para compor a Corte], que eu reputo um desastre, não acho que isso se deva replicar no âmbito Supremo Tribunal Federal, por isso tenho sido crítico dessas questões”, ressaltou.
Críticas a Moro
Durante a entrevista, o ministro também criticou o senador Sergio Moro (União Brasil-PR). Para ele, a maior contribuição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao país foi devolver o ex-juiz “ao nada”. Mendes é crítico da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Moro deixou a magistratura para se tornar ministro da Justiça de Bolsonaro e depois foi eleito para o Parlamento.
“Posteriormente, um dia escutei do próprio Bolsonaro: ‘Ministro, a gente demorou muito para aprender a governar, etc. Por exemplo, se já tivesse passado um ano, eu não teria trazido Sergio Moro para o governo”, afirmou Mendes. “Eu disse, não. Foi uma boa contribuição, uma boa contribuição do governo, talvez uma das suas grandes obras [foi] tê-lo trazido para o governo e depois tê-lo devolvido para o nada. A mim, me parece que ele é um sujeito inadequado, já como juiz”, completou o ministro.
Mendes destacou, utilizando Moro como exemplo, que é necessário reformular alguns critérios do sistema jurídico brasileiro e debater, por exemplo, uma quarentena para membros do Judiciário que queiram entrar na política. O magistrado também não poupou o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-coordenador da força-tarefa da operação.
“O caso do [ex-]procurador Dallagnol, que fazia toda aquela coisa, os organogramas, powerpoint. Tentou fazer uma fundação com R$ 2,5 bilhões para fazer campanhas anticorrupção e que era, na verdade, um projeto político. Isso precisa ser olhado em termos institucionais”, apontou o ministro.
Em 2019, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a homologação de um acordo firmado pela Lava Jato que previa a criação de uma fundação privada para gerir recursos oriundos de multa de R$ 2,5 bilhões paga pela Petrobras em ação nos Estados Unidos. A procuradora-geral da República à época, Raquel Dodge, viu excessos da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba na celebração do acordo.
O senador Sérgio Moro (União-PR) encaminhou à Gazeta do Povo, na manhã desta quarta-feira (5), uma nota sobre às críticas atribuídas ao seu trabalho. "Ministro Gilmar Mendes novamente concede entrevista, desta vez à Veja, com ofensas e mentiras a meu respeito. Lamento nova quebra do decoro judicial que não reflete a tradição do Supremo Tribunal Federal. Definitivamente não tenho a mesma obsessão pelo ministro Mendes", escreveu.
Mendes diz que lista tríplice da PGR "foi um critério inventado"
O ministro também criticou a utilização da lista tríplice para definir o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR). Para o decano, a lista “foi um critério inventado, não tem base constitucional". Ele citou que a indicação do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se deu pela lista tríplice.
Em 2019, Janot afirmou que chegou a ir armado ao STF para matar o ministro Gilmar Mendes. “Essa lista produziu o [Rodrigo] Janot. Se faltasse qualquer razão para não ter lista tríplice, bastaria ter dito: ‘Esta lista produziu o Janot’. [Ele] era o mais votado… Tudo o que nós sabemos sobre o Janot é suficiente para dizer que esse critério não é bom”, afirmou.
O presidente Lula já sinalizou que pode não utilizar o critério da lista tríplice para definir o novo PGR.
Caso das joias envolvendo Bolsonaro é "rocambolesco"
O ministro evitou comentar detalhes sobre o caso das joias envolvendo o ex-presidente Bolsonaro, mas classificou o episódio como “rocambolesco” e “extremamente preocupante”.
“Eu não quero me pronunciar especificamente sobre isso, porque está sobre investigação, mas é um quadro tão rocambolesco”, disse. “Tudo isso é extremamente preocupante. Não me canso de dizer como nós descemos na escala das degradações. Como que a gente se rebaixou. Isso é muito ruim. Ruim para o Brasil. Muito ruim para a pedagogia social que a gente deve representar. Muito ruim para nossa imagem no exterior”, completou.
“Há uma investigação aberta, mas se de fato ele [Bolsonaro] estivesse convencido de que está tudo correto, ele não teria devolvido [as joias]. Questionado se a devolução das joias sinalizaria uma confissão de culpa, o ministro afirmou que “parece que há algo de irregular, porque do contrário qualquer um de nós diria ‘não, isto me pertence e não há nenhum problema’”, acrescentou.
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