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Embora tenha obtido apoio da maioria dos colegas na repressão às invasões às sedes dos Três Poderes, o ministro Alexandre de Moraes já tem recebido reparos dentro do Supremo Tribunal Federal (STF). Algumas medidas consideradas excessivas por parte da comunidade jurídica já começaram a ser apontadas dentro da Corte, e de forma aberta, pelos ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, em dois julgamentos na semana passada.
Os dois ministros, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), divergiram, em maior ou menor grau, da decisão de Moraes de prender Anderson Torres, ex-secretário de Segurança do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça no governo Bolsonaro, e da de afastar do cargo o governador Ibaneis Rocha (MDB). Para ambos, faltou comprovar com fatos que as medidas eram necessárias e adequadas.
Mendonça e Nunes Marques consideraram as invasões gravíssimas, pelo caráter violento da manifestação, algo não permitido pela Constituição. Mas pontuaram, de início, que discordam da tipificação de terrorismo. Destacaram que a lei em vigor no Brasil sobre esse crime caracteriza assim apenas atentados cometidos por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, e não por motivação política ou ideológica, como foi o caso.
“Até o momento, ao menos do que se depreende do atual estágio da investigação, todas as referências fáticas indicam atos motivados por razões de natureza político-ideológica, o que, reitere-se, em nada justifica (e tampouco atenua) o ocorrido”, escreveu Mendonça em seu voto. “A ocorrência de atos políticos qualificados como ‘antidemocráticos’ não consta como motivação prevista na Lei nº 13.260/2016”, registrou Nunes Marques.
Ambos também destacaram, no caso da prisão de Anderson Torres, o fato de que já não haveria risco à ordem pública com sua liberdade, como apontou Alexandre de Moraes – a premissa era de que, solto, o ex-secretário poderia contribuir para novos atos de violência contra as instituições. A razão do contrário é que, ainda no domingo (8), Torres foi exonerado do cargo de secretário e que a área de segurança foi assumida pelo interventor federal Ricardo Capelli, nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Entendo que os investigados não mais possam ocasionar, por ação ou omissão na condução de políticas de segurança pública, a citada reiteração na prática dos delitos investigados. Ausente, portanto, a contemporaneidade na presença dos motivos ensejadores da custódia cautelar ante a ausência de indicação de que tais investigados poderão, de algum modo, permitir a reiteração das condutas delitivas”, escreveu Mendonça.
Ele acrescentou que, para fundamentar uma prisão preventiva, não se avalia a gravidade da conduta – algo dimensionado no julgamento final do processo, para determinar a pena –, mas sim sua utilidade para não permitir a ocorrência de mais crimes (a manutenção da ordem pública), para preservar as investigações ou para evitar que o investigado frustre eventual punição, por exemplo, fugindo do país – Torres estava de férias nos Estados Unidos, mas ele voltou para se entregar à Polícia Federal após saber da ordem de prisão.
Nunes Marques foi além: considerou que não há indícios de que Torres tenha sequer cometido os crimes apontados por Moraes, não apenas o de terrorismo, mas também os de associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, ameaça, perseguição, incitação ao crime, e dano ao patrimônio público.
Todos esses delitos foram imputados aos invasores, mas, para Moraes, também podem ter sido cometidos por Torres e Ibaneis por “omissão dolosa”. A ideia é que eles teriam, intencionalmente, deixado de prover a segurança necessária para impedir as invasões. Nunes Marques, porém, considerou que essa suposição não se sustenta com base no que se sabe até agora. Para ele, houve, no máximo, uma negligência, o que não possibilita a imputação de crime.
Ele destacou que, em sua defesa, Ibaneis Rocha provou ter ordenado o fim do acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, de onde saíram os manifestantes, mas que essa ordem não foi executada porque o próprio Exército não permitiu. Além disso, citou mensagem que enviou ao comandante da PM, às 15h39 do dia 8, quando os invasores já tinham começado os atos de vandalismo no Congresso. “Tira esses vagabundos do Congresso e prenda o máximo possível”, escreveu Ibaneis.
Em seu voto, Mendonça ainda chamou a atenção para outro ponto que vem sendo ignorado por Moraes: a responsabilidade de autoridades do governo federal no caso. Parlamentares de direita vêm cobrando do ministro, até agora sem sucesso, investigação por suposta omissão do ministro da Justiça, Flávio Dino, que estava ciente do risco de invasão aos edifícios-sede do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF. Dino diz que a competência para cuidar da segurança cabia precipuamente ao Distrito Federal.
Mendonça defendeu, em seu voto, que todos sejam investigados. “Ressalto a necessidade de que a apuração se estenda a todos os agentes e órgãos públicos – de quaisquer níveis ou instâncias – que, investidos de deveres constitucionais e legais, notadamente nas áreas de inteligência (integrantes do SISBIN) e de segurança pública, tenham se omitido ou falhado no exercício de seus misteres, quer no dever de compartilhamento de informações de inteligência, quer, a partir dessas informações ou de quaisquer outros dados indicativos dos riscos, no planejamento ou na execução do esquema de segurança”, afirmou.
No voto sobre o afastamento de Ibaneis, Nunes Marques também observou que nem caberia ao STF a competência para analisar o caso. Como é governador, o foro para julgá-lo é o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O afastamento do cargo, além disso, seria medida excessiva, no entendimento do ministro, novamente porque a segurança já está sob intervenção federal.
“Ausentes elementos de convicção que permitam concluir que o Governador do Distrito Federal poderia reiterar no cometimento (por omissão) dos delitos que lhe foram atribuídos ou que exerceria influência deletéria sobre as investigações, em ordem a frustrar a aplicação da lei penal”, ressaltou.
Nunes Marques também divergiu de outras medidas determinadas por Moraes: a prisão em flagrante de todos os que ainda estivessem acampados em frente a quartéis do Exército, e a suspensão de perfis inteiros em redes sociais. Ele afirmou que eram ordens desproporcionais, limitando em demasia os direitos de reunião e de livre expressão do pensamento.
“A argumentação genérica no sentido de que haveria em tais ambientes o acolhimento de “terroristas” exige, necessariamente, a identificação dos responsáveis pelos ilícitos criminais ocorridos no dia 08/01/2023 – os quais causaram danos de grande monta ao patrimônio público - e a individualização de suas condutas criminosas”, afirmou, sobre a ordem para desmontar acampamentos e prender manifestantes.
Sobre as redes sociais, admitia apenas a remoção de conteúdos ilícitos, não a suspensão de perfis. “A derrubada de perfis, contas ou canais em redes sociais afasta, previamente, o direito de exposição de ideias com conteúdos lícitos nos mais diversos campos (político, econômico, social, jurídico, histórico, cultural, dentre inúmeros outros); e retira o indivíduo das redes sociais, ambiente de expressão dos direitos inerentes à sua personalidade, caracterizando verdadeira pena de banimento do mundo digital”, escreveu.
Nos julgamentos, realizados no dia 11, outros oito ministros acompanharam Moraes, dando a ele vitória para referendar suas decisões: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Nenhum, no entanto, disponibilizou seus votos escritos no sistema.
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