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Assessores do ministro Alexandre de Moraes teriam mentido no processo sigiloso que acabou por determinar o bloqueio nas redes sociais do ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese
Assessores do ministro Alexandre de Moraes teriam mentido no processo sigiloso que acabou por determinar o bloqueio nas redes sociais do ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese| Foto: Carlos Moura/SCO/STF e Divulgação/Alep/Pedro de Oliveira

Novas revelações divulgadas pela Folha de S. Paulo nesta quarta-feira (21) apontam que os assessores do ministro Alexandre de Moraes teriam mentido no processo sigiloso que acabou por determinar o bloqueio nas redes sociais do ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese. O pedido foi feito pelo gabinete do ministro, mas configurou no processo como se fosse uma "denúncia anônima".

O caso também aponta que nem todos os alvos dos relatórios produzidos pelo órgão de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) eram investigados no inquérito das fake news, como afirmou Alexandre de Moraes em sessão no STF no último dia 14.

Mensagens entre assessores e documentos internos indicam que o bloqueio se deu após Marchese ter compartilhado informações sobre um evento com os ministros do STF em Nova York, em que apareceu o termo "máfia brasileira". A publicação contestada por Moraes, ainda, foi uma edição da original, em que não havia essa expressão.

"Conforme se verifica, Homero Marchese utiliza as redes sociais para divulgar informações pessoais dos ministros do Supremo Tribunal Federal [localização de hospedagem], o que põe em risco a sua segurança e representa indevido risco para o fundamento do Poder Judiciário", escreveu o ministro ao determinar os bloqueios.

De acordo Moraes, a divulgação poderia configurar os crimes de "incitar, publicamente, a prática de crime" e o de "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito".

Porém, o bloqueio das contas de Marchese não foi precedido de uma análise adequada e não envolveu o Ministério Público até dias depois. O ex-deputado ficou com suas contas bloqueadas por vários meses antes que as plataformas o desbloqueassem, e o caso continua sendo alvo de disputas jurídicas.

Em maio deste ano, ao Entrelinhas, Homero contou que, em novembro de 2022, notou que suas redes sociais haviam sido tiradas do ar. A remoção não teve nenhuma notificação. Homero tentou, sem sucesso, contato com as redes, inclusive por meio de ações movidas por seus advogados. Ao ligar para o gabinete do ministro, soube que, por determinação do magistrado, suas redes estavam censuradas. “Aí você percebe o nível de violência institucional no país. Até eu recuperar as redes foram seis meses de censura”, disse o ex-deputado.

O bloqueio das redes sociais de Marchese também foi revelado no início deste ano em um arquivo divulgado pela empresa de Elon Musk no escândalo Twitter Files, como parte da censura sofrida por deputados.

Troca de mensagens confirmam "erros" de Moraes

Todas as informações sobre o processo com Marchese foram feitas com base na troca de mensagens entre Airton Vieira, braço direito do ministro Alexandre de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE, sobre postagens que supostamente ameaçavam ministros do STF.

Horas antes da decisão de Moraes, Airton Vieira enviou três arquivos para Tagliaferro via WhatsApp. Esses arquivos incluíam um vídeo com a localização do hotel dos ministros do STF e dois posts relacionados ao evento de Nova York onde os ministros estavam programados para participar. Vieira solicitou a Tagliaferro que identificasse e bloqueasse os responsáveis pelas postagens, mencionando que a situação era urgente.

Tagliaferro respondeu dizendo que estava retornando de São Paulo para Brasília e faria o relatório. Às 23h09, ele informou que as postagens não tinham relação com o processo eleitoral e questionou como bloqueá-las pelo TSE, já que não mencionavam eleições.

Em seguida, Vieira não respondeu diretamente à dúvida sobre o bloqueio, mas pediu que Tagliaferro identificasse os autores das postagens. Tagliaferro conseguiu identificar apenas um dos responsáveis, Homero Marchese, e informou isso a Vieira.

Tagliaferro enviou um relatório para Vieira. No entanto, o documento registrado pelo TSE afirmava que a solicitação tinha origem anônima e mencionava que o relatório foi produzido a pedido de Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes, que estava em voo na época. O relatório foi enviado ao STF com a alegação de que Marchese havia divulgado informações pessoais dos ministros.

Com base no relatório do TSE, Moraes determinou o bloqueio das contas de Marchese nas redes sociais. O relatório foi recebido pelo STF às 8h08 do dia 13 de novembro, e as contas foram bloqueadas no mesmo dia.

As certidões do processo, cuja Folha teve acesso, mostram que "a PGR só teve acesso ao caso no dia 16 de novembro, três dias após a decisão de bloqueio de Moraes. Marchese só teve acesso em 1º de dezembro". No dia 21 de novembro, a PGR protocolou um agravo regimental (recurso) em que pedia a anulação da decisão e o trancamento da investigação.

A Gazeta do Povo entrou em contato com o STF para saber o posicionamento do ministro sobre as novas revelações. A Coordenadoria de Imprensa apenas informou que mantém a mesma nota do gabinete de Moraes e as manifestações dele no plenário, em que ele diz que seria “esquizofrênico" se “auto-oficiar” ao justificar pedidos ao TSE.

Perseguição judicial

As revelações desta quarta-feira são a continuação de uma série de reportagens sobre trocas de mensagens entre servidores do STF e do TSE, obtidas pela Folha de S. Paulo. O conteúdo das matérias afirmam que o gabinete de Alexandre de Moraes teria ordenado informalmente à Justiça Eleitoral a produção de relatórios contra apoiadores de Bolsonaro e comentaristas de direita para embasar decisões do ministro em inquéritos em andamento na Corte.

A troca de mensagens sugere que houve supostamente adulteração de documentos, prática de pesca probatória, abuso de autoridade e possíveis fraudes de provas. Os alvos escolhidos sofreram bloqueios de redes sociais, apreensão de passaportes, intimações para depoimento à PF, entre outras medidas.

Todos os pedidos para investigação e produção de relatórios eram feitos via WhatsApp, sem registros formais. As conversas vazadas envolveram Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes durante sua presidência no TSE, e Eduardo Tagliaferro, então chefe da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação), órgão que era subordinado a Moraes na corte eleitoral.

As mensagens e áudios ocorreram entre agosto de 2022 e maio de 2023 e mostram perseguição aos jornalistas Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo, à Revista Oeste, ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), entre outros nomes de direita.

Em nota enviada à Gazeta do Povo, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes negou qualquer irregularidade nas requisições dos relatórios. Moraes argumenta que o TSE, "no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas".

Na sessão do dia 14, após tomar conhecimento das revelações feitas pela Folha, o ministro afirmou que todos os alvos de relatórios produzidos pelo órgão de combate à desinformação do TSE já eram investigados no inquérito das fake news ou no das milícias digitais, ambos sob sua relatoria no STF.

Moraes também disse que todos os agravos regimentais (recursos apresentados pelo alvo, Ministério Público ou outra parte do processo) foram levados por ele para análise no plenário do STF, com acompanhamento pela PGR (Procuradoria-Geral da República) de todas as movimentações do processo.

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