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Tornado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nesta sexta-feira (30), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) continuará influenciando o cenário político nacional e será responsável por indicar o candidato que enfrentará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2026.
Após alcançar aproximadamente 58 milhões de votos em 2022 (58.206.354 votos - 49,10% dos votos válidos), Bolsonaro terá o desafio de compor uma chapa presidencial alinhada com as expectativas do seu eleitorado. Nomes como o do atual governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos); o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); e o da ex-primeira-dama Michele Bolsonaro circulam como possibilidades para o pleito.
As articulações mostram que, apesar de inelegível, Bolsonaro continuará como principal figura eleitoral da direita.
“Eu acho que a inelegibilidade de Bolsonaro não retira a característica dele de principal liderança da direita. Qualquer candidato apoiado por ele começa com peso alto na disputa eleitoral, mas vai ter que dosar o discurso para não afastar o eleitor de centro”, avalia o cientista político Cristiano Noronha, após a decisão do TSE de declarar o ex-presidente inelegível pelos próximos oito anos.
Na avaliação de Noronha, o candidato escolhido para representar a direita deve tomar cuidado para não repetir o que considera ter sido erros do próprio Bolsonaro, que, ao adotar posicionamentos mais duros, terminou afastando o eleitor que tinha resistências à esquerda, mas não se identificou com as críticas mais contundentes, por exemplo, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao processo eleitoral.
O relator da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) no TSE, ministro Benedito Gonçalves, considerou que durante a reunião com embaixadores em Brasília, Bolsonaro fez críticas graves ao sistema eleitoral e colocou sob suspeita as urnas eletrônicas utilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A ação analisada pela Corte Eleitoral foi proposta pelo PDT. A sigla alegou que embora Bolsonaro não estivesse em campanha na época da reunião, em julho de 2022, o discurso teve finalidade eleitoral, e foi publicado em canais oficiais de imprensa. O partido pedia a inelegibilidade tanto de Bolsonaro quanto do então candidato à vice-presidência, Walter Braga Netto, por prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Eleitores de Bolsonaro procuram alternativas para 2026
Com a inelegibilidade selada, eleitores de Bolsonaro já procuram alternativas para 2026. De acordo com um levantamento feito pelo Zeitgeist Public Affairs, iniciativa do Instituto Locomotiva e do Ideia Instituto de Pesquisa, 54% dos eleitores de Bolsonaro aceitariam um nome da direita, mesmo que não endossado pelo ex-presidente. Outros 18% só aceitariam Bolsonaro como candidato. Os dados são da pesquisa “Para onde vai a direita”.
“Nos últimos anos vimos uma direita capturada pelo bolsonarismo e os rumos da política dependem não só de oferta, mas também de demanda. A pesquisa aferiu que o eleitor tem uma necessidade por buscar alternativas ao bolsonarismo, já que mais da metade topa uma alternativa de direita não bolsonarista. Porém, na prática, não basta ter uma demanda por uma mudança se não aparecer uma pessoa capaz de liderar essa mudança, essa flexibilização do bolsonarismo”, explicou Renato Meirelles, presidente do instituto.
A pesquisa também mostrou que a ex-primeira-dama se destaca como um nome para dar continuidade ao projeto do marido. Porém, quando os entrevistados são questionados sobre qual nome seria o melhor presidente da República, Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, aparece como favorito.
“Os familiares de Bolsonaro largam com um conhecimento grande e se aproveitam da força do sobrenome, mas, por outro lado, eles não têm referência de serem bons gestores. Tarcísio, neste cenário, aparece com força”, acrescentou Meirelles.
O levantamento ainda mostrou que 55% dos entrevistados avaliavam que o ex-presidente não seria impedido de disputar uma nova eleição. Sobre a culpabilidade do ex-presidente no processo julgado pelo TSE, apenas 7% dos eleitores acreditam que ele é culpado das acusações. Entre os eleitores que não votaram nem em Lula nem em Bolsonaro, esse percentual sobe para 29%. Já entre os eleitores do presidente Lula, são 75%.
A pesquisa ouviu 1.531 eleitores em todo o país, por telefone, entre os dias 30 e 31 de maio, e tem margem de erro de 2,5 pontos percentuais.
Comentando a pesquisa, Elton Gomes, professor do curso de Ciências Políticas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), afirmou que a posição do ex-presidente para com o eleitorado é sólida.
“Diferente do atual presidente, Bolsonaro foi retirado do jogo político em circunstâncias jurídicas questionáveis. Penso que isso não abala tanto a popularidade dele. Como na direita existe menos a propensão de depender de nomes, ou de um líder carismático, como é na esquerda, é mais fácil viabilizar um novo nome”, afirmou.
E acrescenta: “essa inelegibilidade empresta munição ideológica à causa do ex-presidente. Ou seja, se o ex-presidente se colocava como alguém que lutava contra o estamento brasileiro, principalmente as Cortes superiores, essa situação reforça a percepção do eleitorado mais fiel”, disse Gomes.
Questionado sobre a transferência de votos de Bolsonaro para o futuro indicado à disputa presidencial, Gomes comenta que o ex-mandatário possui potencial em alavancar um sucessor.
“Tivemos poucas experiências sobre transferência de votos no Brasil. Para Bolsonaro, penso que ele irá fazer três anos de campanha, seja para quem for. Isso pode garantir para ele uma boa capacidade de transferência de votos. Lula foi muito bem-sucedido em transferir votos para Haddad, mas não ganhou porque o momento era diverso. No caso do Bolsonaro, ele tem uma boa perspectiva. Se a situação da economia piorar, se essas declarações autoritárias do atual presidente continuarem, Bolsonaro tem condições de fazer corpo político e transferir votos para Tarcísio ou Zema”, salientou o cientista político.
Eleições municipais de 2024
Para o pleito municipal de 2024, o Partido Liberal (PL), comandado por Valdemar Costa Neto, já trabalha para utilizar o capital político do ex-presidente na eleição de prefeitos em diversas capitais do país. De acordo com o próprio partido, a sigla trabalha para eleger entre 1 mil e 1.500 prefeitos.
Aliados como o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga e o deputado federal André Fernandes (PL-CE) já estão cotados como candidatos às prefeituras de João Pessoa e Fortaleza – respectivamente.
Deputados aliados buscam medidas legislativas para anistiar Bolsonaro
Devido ao fato de Bolsonaro estar inelegível por 8 anos, deputados aliados apresentaram projetos de lei para anistiar ou reduzir o tempo que o ex-presidente ficará fora dos pleitos eleitorais.
Além da ação que levou à inelegibilidade, Bolsonaro responde a outros 15 processos no TSE. A maioria foi ajuizada por PT e PDT.
Comandados pelo deputado Sanderson (PL-RS), 50 deputados assinaram um projeto de lei para conceder anistia aos condenados por ilícitos cíveis eleitorais ou declarados inelegíveis. De acordo com o projeto, seriam anistiados os políticos julgados inelegíveis no período de 2 de outubro 2016 até a data de entrada em vigor da pretensa lei. Em sua justificativa, Sanderson lembra que mais de 30 atos de anistia foram concedidos durante todo o período republicano, o primeiro em 1891 e o último em 1985.
A proposta apresentada pelos parlamentares, em sua maioria do PL, prevê que a anistia não se aplicaria, por exemplo, nos casos julgados por atos de improbidade administrativa que causem enriquecimento ilícito ou dano ao erário; por crimes hediondos; por crimes contra a administração pública; e por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha.
Ao comentar o resultado do julgamento, Sanderson sinalizou que o parlamento atuará para reverter a decisão. "Hoje é dos dias mais nefastos da República Brasileira. Decisão do TSE ceifa a voz de 58 milhões de eleitores, usando ilações fajutas como base probatória, num processo já prejulgado. Injustiça será corrigida pelo Parlamento”, destacou o deputado gaúcho.
Já o deputado Bibo Nunes (PL-RS) optou por tentar retomar o período de inelegibilidade previsto em Lei Complementar sancionada na década de 90, que previa o prazo de 3 anos. Com a redução, o ex-presidente Bolsonaro poderia concorrer novamente nas eleições de 2026. Atualmente, a sanção de inelegibilidade estabelecida pela lei é de oito anos.
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