O presidente Jair Bolsonaro comemorou o dia do Exército, no último domingo (19), em um ato realizado em frente ao quartel-general das Forças Armadas, em Brasília. A maioria dos manifestantes estava lá para mostrar apoio ao governo, mas muitos também pediam intervenção militar, a reedição do AI-5 (a medida mais incisiva da ditadura que governou o Brasil entre 1964 e 1985) e o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). A presença de Bolsonaro na atividade motivou críticas de oposicionistas, antigos aliados do governo e de membros do STF.
A conduta gerou ainda questionamentos dentro e fora das Forças Armadas. Nenhum militar fala, abertamente, sobre a possibilidade de uma intervenção — todas as manifestações públicas são em sentido oposto, de rejeição a um "autogolpe". O próprio Bolsonaro descartou a ideia no dia seguinte, quando disse a um apoiador que defende Congresso e STF "abertos e transparentes". A mudança de tom foi, mais uma vez, creditada aos militares, que teriam desaconselhado, em vão, a presença do presidente na manifestação de domingo.
O governo atual tem uma relação com o universo militar que nenhum de seus antecessores recentes teve. Bolsonaro é o primeiro presidente de origem militar desde o fim da ditadura e também o primeiro que defende o regime abertamente. Ele colocou em seu governo militares em posições-chave, que em outras gestões foram ocupadas por políticos de carreira.
O presidente enxerga na ala fardada do primeiro escalão um grupo de alto nível técnico, respeitado pela sua capacidade e pelo histórico das instituições a que estão vinculados nas Forças Armadas. A equipe de ministros tem nomes como os dos generais Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
Os generais, porém, não dão as cartas no governo como bem querem. Segundo o jornalista Robson Augusto da Silva, responsável pelo site Sociedade Militar, os militares não estão acima dos outros ministros civis e muito menos do próprio chefe do Executivo, que toma suas decisões por conta própria, embora ouça antes o que eles têm a dizer.
"Bolsonaro não confia mais nos ministros militares do que nos ministros civis. Eles têm participação nas decisões, é claro, mas com a mesma influência dos demais", afirma Silva, que é militar da reserva, da Marinha. Ele define os militares como "situacionais". "O militar tem um sentimento muito situacional. Aquele que está na situação é o comandante — independentemente de ser um cabo, sargento, capitão ou civil", declarou.
É este quadro, segundo Silva, que derruba a ideia de uma suposta "tutela" à qual Bolsonaro estaria sendo submetido pelos militares. Rumores neste sentido ganharam corpo após um jornal argentino e um italiano publicarem textos sobre a existência de uma "junta militar" no Palácio do Planalto, que seria chefiada pelo ministro Braga Netto.
"Tem muita gente falando besteira, celebrando a ideia. E o curioso é que muitos deles ainda se dizem bolsonaristas. Como podem ser bolsonaristas se gostariam dessa ideia de Braga Netto como 'presidente operativo', que transformaria Bolsonaro em um fantoche", questiona o jornalista.
"Esses boatos sobre uma influência excessiva dos militares são espalhados também para que alguns destes militares valorizem seu passe", afirmou um ministro civil ouvido pela Gazeta do Povo, que considera um exagero o protagonismo dado aos militares no episódio Luiz Henrique Mandetta. Na ocasião, a permanência do então ministro no comando da Saúde por mais alguns dias mesmo após o claro desgaste entre ele e Bolsonaro foi atribuída à intervenção dos ministros militares. Para o ministro que falou de forma reservada com a reportagem, Bolsonaro ouviu tanto os militares quanto os civis durante a crise.
A possibilidade de uma influência excessiva sobre Bolsonaro é descartada também pelo general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército até janeiro do ano passado, e que permanece como amigo e conselheiro do presidente da República. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Villas Bôas disse que "ninguém tutela o presidente".
Militares têm visão estratégica e técnica
O deputado federal General Peternelli (PSL-SP) foi eleito para o seu primeiro mandato em 2018, na onda bolsonarista que varreu as urnas naquele ano. Sua vinculação com o presidente, porém, vem de antes: ele e Bolsonaro, assim como o vice-presidente general Hamilton Mourão, foram contemporâneos na academia de paraquedismo do Exército, na década de 1970.
Peternelli acredita que a formação militar faz com que "a pessoa acabe estando bem preparada para contribuir para o país". Os profissionais oriundos de Exército, Marinha e Aeronáutica, na avaliação do parlamentar, têm uma visão estratégica para pensar o Brasil "por quatro, cinco, dez anos".
O jornalista Robson Silva vê no ambiente militar uma via de mão dupla com os outros segmentos da sociedade. "Os militares estão se profissionalizando, e as Forças Armadas estão enriquecendo também com o conhecimento produzido do lado de fora. Há esse enriquecimento e depois os militares vão ocupando cargos de destaque na sociedade civil, inclusive na política. Eles acabam servindo como publicitários das Forças Armadas", destacou.
Peternelli e Silva têm também opinião semelhante em relação a outro assunto que costuma permear a discussão sobre a participação dos militares na política: a possibilidade de uma nova intervenção no Brasil. O país viveu sob uma ditadura chefiada por militares entre 1964 e 1985 e, embora durante o período ocorrências de violação a direitos humanos e à liberdade de expressão fossem recorrentes, há segmentos da sociedade que desejam o retorno dos militares, sob o pretexto do "combate à corrupção".
"Nós, militares, vemos isso como uma ideia completamente absurda. Ninguém sério cogita isso. Seria jogar o Brasil no caos", declarou Silva. "Os militares hoje trabalham dentro de um contexto constitucionalista e legalista. Não há viabilidade de intervenção", disse Peternelli.
Um governo militar? Nada disso
A dimensão da conexão entre o governo Bolsonaro e o ambiente militar, entretanto, é um ponto de divergência entre Silva e Peternelli.
"É inegável que as Forças Armadas são a cara deste governo. Então se ele [governo] fracassa, o status das Forças Armadas cai junto", declarou Silva. Segundo ele, a situação de uma politização excessiva dentro das fileiras militares desperta preocupação entre oficiais ainda desde antes do início do governo Bolsonaro.
Peternelli, por outro lado, diz "não haver correlação" entre as duas pontas. "As Forças Armadas não servem ao governo, servem ao Estado. E isso não muda pelo fato de o presidente hoje ser um militar. Perguntar se o sucesso do Bolsonaro é o sucesso do Exército é a mesma coisa que perguntar se o sucesso de Dilma, Lula ou Fernando Cardoso foi o sucesso do Exército", resumiu.
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