A operação da Polícia Federal que mirou apoiadores do presidente Jair Bolsonaro suspeitos de disseminar fake news na internet, na última quarta-feira (27), manteve em alta temperatura a tensão entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF). A relação entre os poderes, que já andava estremecida, se agravou com os mandados de busca e apreensão — a ponto de o Executivo cogitar descumprir ordens judiciais.
Nas redes sociais, bolsonaristas passaram a defender uma intervenção das Forças Armadas como forma de "solucionar" a crise política. Mas como os militares têm reagido ao aumento da tensão entre o Bolsonaro e o STF e aos apelos de uma intervenção?
A insatisfação do Planalto começou com a decisão do ministro Celso de Mello, no dia 22 de maio, que liberou a divulgação na íntegra da reunião ministerial que, segundo o ex-ministro Sergio Moro, demonstraria uma tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal. Mas o auge da tensão com o STF ocorreu na quinta-feira (28), um dia depois da deflagração da operação contra fake news, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes.
Bolsonaro declarou que não admitirá mais "decisões individuais" e "monocráticas" do Supremo. "Chega (...). Acabou, porra!", esbravejou o presidente. "Mais um dia triste da nossa história, mas foi o último dia triste", comentou, referindo-se à operação contra seus apoiadores.
Nesse mesmo dia, Bolsonaro compartilhou um vídeo sobre "a aplicação pontual da 142", o artigo da Constituição que fala sobre o funcionamento das Forças Armadas – e que, segundo defensores de uma intervenção militar, conferiria legalidade a uma ação militar contra a crise política.
Poucas horas antes, na noite da quarta-feira (27), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, também subiu o tom em relação à crise com o STF. O parlamentar afirmou que participa de reuniões em que se discute "quando" acontecerá o "momento de ruptura" no Brasil.
As reações dos militares
Após os episódios de acirramento das declarações de Bolsonaro, militares de dentro e de fora do governo tentaram diminuir a tensão com o STF.
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, reconheceu haver um "estresse" na relação entre os poderes, mas afirmou que uma ruptura democrática provocada pelas Forças Armadas é algo completamente "fora de cogitação". "Não existe espaço no mundo para ações dessa natureza", disse em entrevista ao blog de Andréia Sadi, no G1, na quinta-feira (28).
"Quem é que vai dar golpe? As Forças Armadas? Que que é isso, estamos no século 19? A turma não entendeu. O que existe hoje é um estresse permanente entre os poderes. Eu não falo pelas Forças Armadas, mas sou general da reserva, conheço as Forças Armadas. Não vejo motivo algum para golpe", declarou Mourão, que também evitou comentar a fala de Eduardo Bolsonaro sobre ruptura. "Ele é deputado federal e fala o que quiser".
O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), também tentou minimizar a crise.
Segundo Heleno, uma intervenção militar não resolve nada e só existe na "cabeça da imprensa". "Não houve esse pensamento [de intervenção] nem da parte do presidente nem dos ministros", disse, em entrevista na quinta-feira (28). Heleno reforçou ainda que "ninguém está prevendo golpe, nada disso". Questionado sobre pedidos de intervenção em manifestações de rua pró-governo, Heleno defendeu que os atos são "livres, espontâneos e permitidos".
O ministro pediu ainda "equilíbrio, harmonia e bom senso" na relação entre os poderes públicos. "Vamos manter o equilíbrio entre os poderes, limitar as decisões, as atribuições dos respectivos poderes. É isso que se está pleiteando."
Já o general Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, defendeu que as Forças Armadas não se deixem “tragar e atrair por disputas políticas nem por objetivos pessoais, de grupos ou partidários”.
“As Forças Armadas, por serem instituições de Estado, não devem fazer parte da dinâmica de assuntos de rotina política. A dinâmica de governo não é compatível com as características da vida militar”, disse o ex-ministro em artigo no jornal O Estado de São Paulo, na quinta-feira (28).
Ele lembrou que as "Forças Armadas são instituições permanentes do Estado" e que "não participam nem se confundem com governos, que são passageiros".
Golpe militar é ideia “absurda”, diz general do governo
Antes mesmo da operação do STF contra fake news, militares do governo já tentavam colocar panos quentes na crise institucional causada pelo confronto entre o Supremo e o Palácio do Planalto.
A crise tinha escalado depois da divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril – entregue ao Supremo no âmbito do inquérito que investiga a possível interferência política de Bolsonaro na PF.
General do Exército, o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, afirmou na terça-feira (26) que perguntas sobre a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil são "um absurdo".
Ele e o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos — que também é general, mas da ativa —, buscaram afastar a imagem da ligação das Forças Armadas com o governo durante uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto.
Braga Netto disse não concordar com a ideia de que exista uma "ala militar" no governo. "As Forças Armadas são instituições de Estado. Não existe ala militar. Você tem militares, com formação militar, que são cidadãos muito bem informados, com valores éticos e morais", afirmou o ministro da Casa Civil.
Em seguida, Ramos afirmou que não tem mais contato direto com o Exército. "Eu estou aqui como cidadão; não há nenhuma influência política ou o que seja, que esteja sendo ligada ao Exército", disse.
General jogou lenha na fogueira antes de tentar apagar incêndio
Embora na quinta-feira (28) tenha tentado apaziguar os ânimos do Planalto com o STF, o general Augusto Heleno ajudou a elevar a tensão uma semana antes.
O motivo foi a possibilidade de apreensão do celular do presidente Bolsonaro – pedido formulado por partidos de oposição, no âmbito da investigação da suposta interferência na Polícia Federal, e que foi encaminhado pelo ministro do STF Celso de Mello para o procurador-geral da República, Augusto Aras, emitir um parecer.
O ministro do GSI divulgou uma “carta à nação”, no dia 22, afirmando que a apreensão do celular do presidente poderia ter "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional". “O pedido de apreensão do celular do Presidente da República é inconcebível e, até certo ponto, inacreditável”, disse o ministro do GSI.
“Caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder, na privacidade do Presidente da República e na segurança institucional do país”, escreveu Heleno. “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.”
Heleno ganhou apoio do ministro da Defesa e de outros militares
Heleno ganhou apoio do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Em entrevista à CNN no dia 23 de maio, Azevedo e Silva disse que as Forças Armadas concordam com a nota enviada pelo ministro Augusto Heleno.
Em nota, o Ministério da Defesa informou que o ministro teve conhecimento da "carta à nação" que o ministro do GSI iria divulgar e concordou com a emissão por se tratar do celular do presidente da República, que é um assunto de segurança institucional. A nota dizia ainda que “o ministro está preocupado em relação a harmonia e independência entre os poderes, princípio fundamental da Constituição Federal (Art 2°), que deve ser uma via de mão dupla”.
No mesmo dia, um grupo de oficiais da reserva do Exército também divulgou uma nota de apoio a Heleno. Em tom de ameaça, os oficiais atacaram o Supremo Tribunal Federal, a imprensa e falam em "guerra civil".
"Faltam a ministros, não todos, do stf [sempre grafado em letras minúsculas], nobreza, decência, dignidade, honra, patriotismo e senso de justiça. Assim, trazem ao País insegurança e instabilidade, com grave risco de crise institucional com desfecho imprevisível, quiçá, na pior hipótese, guerra civil", diz o texto assinado por 90 oficiais da reserva. O grupo classificou como "legítima", "corajosa" e "patriótica" a carta do general Heleno sobre a possibilidade de apreensão do celular de Bolsonaro e disse que não irá compactuar com "deslealdades e irresponsabilidades que podem jogar o País nos perigos da incerteza".
"Nunca hesitamos em derramar o nosso sangue e em sacrificar a nossa juventude e as nossas esperanças em prol do Brasil. Enquanto o estado de espírito nos animar, vamos continuar a defender as Instituições, contra aqueles que as ameaçarem. E seremos sempre vigilantes com aqueles que não as respeitarem. O que é nosso dever. Juramos defender o Brasil com o sacrifício da própria vida e manter nosso sagrado compromisso que perdurará enquanto vivermos", diz um trecho da carta.
Heleno também contou com apoio de outros segmentos dentro da ala militar. Na última quarta-feira (26), o Clube Naval divulgou uma carta aberta repudiando decisões do STF. O texto, assinado pelo presidente do clube, almirante de esquadra Eduardo Monteiro Lopes, classifica os despachos do Supremo como “intromissões inaceitáveis” que podem “tumultuar o país”.
A carta aberta cita a decisão do ministro Celso de Mello de divulgar a reunião ministerial do dia 22 de abril e a liminar do ministro Alexandre de Moraes que impediu Alexandre Ramagem, escolhido por Bolsonaro, de assumir o comando da PF.
Depois de receber apoio de militares, Heleno baixa o tom
Depois de receber apoio de outros militares, o ministro Augusto Heleno voltou a tentar contornar a situação e baixar a temperatura da crise entre os poderes. Na última quinta-feira (28), ele disse que a nota divulgada sobre a apreensão do celular de Bolsonaro era "genérica" e "neutra" e que houve uma "distorção".
Na frente do Palácio da Alvorada, Heleno disse que não citou nomes na nota. "Foi uma nota completamente neutra colocando o problema em si, sem citar nomes", disse Heleno. "Não falei em Forças Armadas, não falei em intervenção militar", assegurou.
No fim, toda a polêmica em torno do celular do presidente se demonstrou exagerada. A apreensão do celular do presidente jamais chegou a ser autorizada por Celso de Mello, que apenas cumpriu uma formalidade processual ao encaminhar para Augusto Aras o pedido do PDT, PSB e PV. O parecer de Aras foi emitido nesta semana, quando o procurador-geral da República disse que não há necessidade de apreensão do telefone de Bolsonaro.
Bolsonaro diz ter Forças Armadas ao seu lado
A tensão entre Bolsonaro e o STF, contudo, já vinha crescendo desde o início de maio, quando o ministro Alexandre de Moraes barrou a indicação de Alexandre Ramagem para o comando da PF.
Bolsonaro demonstrou publicamente irritação com a decisão do STF e disse ter a certeza de que os militares e o povo estão ao seu lado. "Tenho certeza de uma coisa: nós temos o povo ao nosso lado; nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade", disse, dirigindo-se a manifestantes que o apoiavam numa manifestação em frente do Palácio do Planalto.
Ao fim da manifestação, o presidente reiterou: "Vocês sabem, o povo está conosco, as Forças Armadas estão ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade, também estão ao nosso lado".
Na mesma ocasião, o presidente disse que nomearia um diretor-geral para a PF no dia seguinte e que esperava “não ter problemas”. O escolhido foi Rolando de Souza, braço direito de Ramagem na Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Um dia antes do ato a favor de seu governo, Bolsonaro se reuniu com a cúpula das Forças Armadas, em Brasília. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, uma das pautas do encontro foi a série de derrotas impostas pelo STF a Bolsonaro, e discussões sobre como o presidente deveria “reagir” às medidas do Judiciário. A reportagem mencionava que o encontro com os militares encorajou Bolsonaro a dizer que “as Forças Armadas estão ao lado do povo".
O discurso de Bolsonaro na manifestação, porém, desagradou integrantes da cúpula das Forças Armadas. Outra reportagem do Estadão apontou que generais viram na atitude do presidente uma tentativa de puxar para seu governo o prestígio que os militares detêm na população.
No dia seguinte às declarações públicas de Bolsonaro, o Ministério da Defesa divulgou uma nota cuja primeira linha diz: “as Forças Armadas cumprem a sua missão Constitucional”. Outros trechos do texto trazem frases como: “Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do País" e “a liberdade de expressão é requisito fundamental de um País democrático". A nota ainda critica a agressão praticada por apoiadores de Bolsonaro a profissionais da imprensa que cobriam a manifestação pró-governo.
Já o general Paulo Chagas, que foi candidato ao governo do Distrito Federal em 2018 com o apoio de Bolsonaro, também utilizou as redes sociais para dizer que não via possibilidade de uma ruptura chefiada pelas Forças Armadas. “Estar ao lado do povo é estar ao lado da lei e da ordem. Não sou porta-voz das FFAA [Forças Armadas], mas asseguro que elas estarão sempre ao lado da lei e da ordem e não apoiarão nenhum golpe, tenha ele a origem que tiver", escreveu Paulo Chagas, nas redes sociais, na manhã do dia seguinte às declarações de Bolsonaro.
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