“Nós [militares] não temos hora extra, Fundo de Garantia [FGTS] e nem um montão de coisa. Nossa estabilidade é com dez anos de serviço, não com três. Mas ninguém quer comparar nada não.” Com essas palavras, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro, em live no último dia 3, que não vai mobilizar esforços para mexer nas carreiras dos militares das Forças Armadas dentro da reforma administrativa que propôs ao Congresso Nacional – e que vai afetar os futuros servidores das carreiras civis.
E não é a primeira vez que o governo Bolsonaro trata os militares de forma diferenciada. Isso já foi feito na reforma da Previdência, na concessão de reajuste na remuneração e na preservação do orçamento da Defesa para 2021.
Os militares sustentam que não há privilégio no tratamento que recebem do governo de Bolsonaro – ele próprio um capitão reformado do Exército. “O governo apenas reconhece as especificidades das Forças Armadas”, diz uma fonte do Palácio do Planalto que é das Forças Armadas. Isso, segundo ele, vale para a reforma administrativa e a da Previdência.
“O militar de carreira não pode ir à Justiça pedir horas extras, adicional noturno. Ele também tem que ter estabilidade. Existe até o temporário, mas tem que ter um corpo de carreira justamente porque é preciso ter gente que o Estado vai investir para trabalhar dia e noite, sem feriado”, sustenta outra fonte do Planalto.
Abaixo, confira algumas das ocasiões em que o governo deu tratamento diferenciado aos militares em relação a civis e o posicionamento do Ministério da Defesa:
Reforma administrativa: militares ficaram de fora
A reforma administrativa, enviada pelo governo ao Congresso para mexer nas carreiras do funcionalismo, não incluiu os militares. Dessa forma, os integrantes das Forças Armadas estão imunes à principal das novas medidas previstas: o fim da estabilidade ao longo da carreira.
Pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do governo, servidores de carreiras típicas de Estado terão direito à estabilidade após três anos de ingresso no serviço público. Ainda não existe uma definição por lei do que são as carreiras típicas de Estado, mas se supõe que os militares serão incluídos nesse grupo quando isso ocorrer – o que será feito apenas numa etapa posterior.
Os atuais servidores só podem ser demitidos em três situações: por processo administrativo disciplinar (PAD); por decisão judicial transitada em julgado ou decisão colegiada; e por insuficiência de desempenho. Esse último ponto está previsto na Constituição, mas nunca foi regulamentado – o que deve também só deve ocorrer em uma etapa posterior da reforma e que atingirá todos os servidores. Caso os militares sejam confirmados na lista das carreiras típicas de Estado, não poderão ser dispensados por outras razões a serem fixadas em leis que afetarão os futuros servidores.
A PEC também prevê o fim de uma série de privilégios concedidos atualmente a várias categorias de servidores, como mais de 30 dias de férias por ano, licença-prêmio, etc.
Quando enviou a PEC ao Congresso, o governo informou que alterações nas carreiras já haviam sido realizadas durante a reforma da Previdência da categoria.
Já Ministério da Defesa informa que, "em qualquer reforma legislativa direcionada a agentes públicos, o tratamento precisa ser diferenciado em relação aos militares". A Defesa esclarece que Constituição Federal prevê que o ordenamento jurídico militar é estabelecido por lei específica. A Carta Magna, segundo ministério, já diferencia os militares concedendo "apenas seis dos 34 direitos trabalhistas previstos".
O ministério destaca ainda que as mudanças propostas pela reforma administrativa já são cumpridas, em sua essência, pelos militares. A Defesa informa, por exemplo, que os militares possuem 55% do efeito de temporários – demissíveis de ano em ano, com perspectiva de aumento desse percentual para 65%.
Segundo o ministério, eles também já observam rigorosamente os 30 dias de férias anuais, não recebem anuênio, quinquênio ou outros benefícios por tempo de serviço, e tampouco tem direito a licença-prêmio ou de capacitação.
Segundo o Ministério da Defesa, os militares já ingressam na carreira com salários mais baixos que os servidores civis e demoram mais para ascender na carreira.
Orçamento preservado para a Defesa
Mesmo diante de um cenário de rombo fiscal, o orçamento do Ministério da Defesa não foi apenas preservado para 2021, como aumentou. Passou de R$ 114,949 bilhões, em 2020, para R$ 116,127 bilhões no ano que vem, segundo a proposta de lei orçamentária enviada pelo governo ao Congresso.
Considerando apenas os gastos discricionários – ou seja, as despesas não obrigatórias, que pode ser usadas livremente – o salto foi de R$ 10,810 bilhões para R$ 11,738 bilhões. Ou seja, os militares estarão com 16,2% a mais de verba para gastar como quiserem comparação a este ano. Grande parte da Esplanada, por outro lado, vai ter de apertar os cintos em 2021.
O valor nominal dessas verbas livres de carimbo da Defesa é o quarto maior dentre todos os ministérios na previsão orçamentária de 2021. Só perde para a Educação, Saúde e da Economia.
O Ministério da Defesa diz que a alta do orçamento discricionário será usada para investimentos que contribuirão "sobremaneira para o avanço dos projetos estratégicos em andamento e [para] o reaparelhamento das Forças Armadas (...) possibilitando avanços tecnológicos que trazem ganhos técnicos e operacionais para as Forças, além de proporcionarem desenvolvimento econômico, social e tecnológico ao país". A Defesa argumenta ainda que os militares estão presentes nos mais "distantes rincões" – onde, por muitas vezes, "nenhum outro órgão do governo está".
Outro argumento usado pelos militares para justificar o aumento dos recursos para investimentos na área é de que o país gasta, proporcionalmente, pouco com suas Forças Armadas. "Em termos de gastos com Defesa em relação ao PIB, o Brasil ocupa hoje a 77.ª posição [no mundo]", diz nota do ministério enviada à Gazeta do Povo.
Reajuste dos militares assegurado
Categorias do funcionalismo civil receberam reajuste durante o governo Bolsonaro. Mas não por vontade dele. No início de 2019, o Planalto, que ainda não tinha base organizada no Congresso, falhou na tentativa de barrar uma medida provisória editada pelo então presidente Michel Temer em 2018. E 209 mil servidores ativos e 163 mil inativos receberam aumento salarial.
Desde então, Bolsonaro vem tentando manter o salário do funcionalismo congelado para não criar despesas extras e aumentar o rombo nas contas públicas. Em maio, por exemplo, o presidente vetou trecho de uma MP para impedir que servidores da União, estados e municípios pudessem ter reajuste até o fim de 2021.
Mas os militares foram uma exceção; e passaram a receber em 2020 uma gratificação que, na prática, aumenta sua remuneração.
Criado pela reforma da Previdência e das carreiras militares, o chamado “adicional de habilitação” começou a ser pago em 2020 aos integrantes das Forças Armadas. Tem tem um impacto previsto de R$ 1,3 bilhão em 2020; e somará R$ 26 bilhões em cinco anos. O complemento salarial varia de 12% a 43% do soldo-base e é pago à medida que o militar conclui cursos ao longo da carreira.
À Gazeta do Povo, o Ministério da Defesa destaca que o reajuste foi uma consequência da reestruturação da carreira dos militares após a aprovação da reforma da Previdência dos integrantes das Forças Armadas.
A Defesa sustenta também que a remuneração dos militares é a que está nos patamares mais baixos se comparada às demais carreiras de Estado. Segundo o ministério, a remuneração média inicial de um oficial das Forças Armadas é 50,29% da média das carreiras de Estado de nível superior. Já a remuneração média inicial de um graduado das Forças Armadas é de 71,05% da média das carreiras de Estado de nível técnico.
A pasta avalia que a reestruturação promovida pela reforma da Previdência dos militares foi justa e necessária. "Nesse contexto, a reformulação do adicional de habilitação é parte fundamental dos efeitos pretendidos pelo legislador. Ainda assim, ao longo de 10 anos, estima-se que as economias geradas pela reforma do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (SPSMFA) superarão as despesas e somarão um superávit estimado em R$ 10,45 bilhões".
A Defesa discorda, portanto, do entendimento de que o adicional de habilitação é uma simples concessão de um reajuste remuneratório aos militares. "Faz parte de um complexo processo de reestruturação da carreira militar, equilibrado economicamente e amplamente discutido pelo Congresso."
Reforma da Previdência diferente
A reforma da Previdência dos militares foi apresentada pelo governo Bolsonaro num projeto distinto do da reforma das aposentadorias de todos os trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores públicos civis. Os dois projetos, aprovados em 2019 e já em vigência, trazem regras diferentes de aposentadoria para os integrantes das Forças Armadas:
- Idade mínima: militares continuam sem precisar atingir uma idade mínima para se aposentar – ou seja, ir para a reserva, reforma ou inatividade. Entre os civis, a idade mínima fixada pela reforma da Previdência é de 62 anos para mulheres e de 65 anos para homens.
- Valor integral da aposentadoria: foi concedida aos militares a integralidade dos vencimentos. Ou seja, eles receberão aposentadoria equivalente ao último salário da ativa. Também foi concedida a paridade: os membros das Forças Armadas na reserva vão receber reajustes iguais aos da ativa. Entre os civis, apenas aqueles que entraram no serviço público até 2003 e cumpriram uma das regras de transição se aposentarão com integralidade e paridade. Demais servidores e trabalhadores do setor privado terão aposentadoria de acordo com cálculo que leva em conta o tempo de trabalho, respeitado o limite do teto do INSS (atualmente, R$ 6.101,06). Ou seja, ninguém pode receber de aposentadoria mais do que isso – a não ser que contribua para um plano privado.
- Tempo de serviço: nesse aspecto, não houve benefício aos militares. O tempo mínimo de serviço para aposentadoria deles subiu de 30 anos para 35 anos, tanto para homens quanto para mulheres. Já reforma da Previdência geral prevê pelo menos dez anos de serviço público civil e cinco anos no cargo efetivo para que um funcionário público federal se aposente. Entre os trabalhadores da iniciativa privada, mulheres se aposentam com tempo mínimo de 15 anos. Homens já no mercado precisarão contribuir por 15 anos, e aqueles que começaram a trabalhar após a reforma terão tempo mínimo de contribuição de 20 anos.
- Alíquota de contribuição: esse é um aspecto em que é difícil fazer uma comparação sobre qual trabalhador acabou tendo as regras previdenciárias mais favoráveis, porque isso vai depender do valor de sua remuneração. A reforma da Previdência militar aumenta a alíquota de contribuição dos militares de 7,5% para 10,5% (porcentual que começa a ser pago em 2021). No caso de funcionários públicos civis, as novas alíquotas variam de 7,5% a 22%, dependendo do valor do salário do funcionário. Já a contribuição dos trabalhadores da iniciativa também varia de acordo com a remuneração. A alíquota vai de 7,5% do salário a 14% (limitado esse último porcentual ao teto do INSS).
Ao propor uma reforma da Previdência diferente para os militares, o governo argumentou que a carreira das Forças Armadas tem peculiaridades que teriam de ser consideradas.
Já o Ministério da Defesa, em resposta à Gazeta do Povo, destacou que os militares tiveram aumento do tempo de serviço e na alíquota de contribuição. A Defesa usa ainda dados do Ministério da Economia, segundo os quais o impacto per capita da reforma da Previdência militar foi maior que o do restante do funcionalismo público federal e dos trabalhadores da iniciativa privada. A economia por trabalhadores do setor privado informado pela equipe econômica é de R$ 9,6 mil. O dos servidores é de R$ 141,8 mil. Já a economia por militar das Forças Armadas é de R$ 181 mil.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF