Dois militares têm agitado as manhãs na portaria do Palácio da Alvorada. O major da Aeronáutica Emílio Kerber e o capitão da reserva da Marinha Winston Lima decidiram virar youtubers. Ao longo da semana, eles se revezam na tarefa voluntária de fazer gravações ao vivo da saída do presidente Jair Bolsonaro da residência oficial e animar o público presente no local. Mas também têm conseguido aumentar os problemas políticos do Planalto.
Disfarçada de turista, a dupla tem registrado sussurros e frases ditas ao pé do ouvido por Bolsonaro aos simpatizantes e assessores. Kerber e Lima chegam nas primeiras horas do dia para registrar quem abraça e tira fotos com o presidente, sempre transmitindo ao vivo, sem cortes.
Na quarta-feira (9), Lima gravou o momento em que o estudante Diogo Araújo, de 19 anos, disse, com a câmera do celular ligada, que era pré-candidato do PSL a vereador no Recife e o presidente, no ouvido dele, cochichou para "esquecer" o partido. De frente para o celular, o apoiador afirmou: "Eu, Bolsonaro e Bivar (Luciano Bivar, presidente do PSL), juntos por um novo Recife".
A câmera do capitão da Marinha ainda registrou o presidente reclamar com o estudante: "Cara, não divulga isso, não. O cara (Bivar) está queimado para caramba lá. Vai queimar o meu filme também, entendeu? Esquece esse cara, esquece o partido". Aparentemente, Bolsonaro não sabia que estava ao vivo na "live" dos youtubers. Os ajudantes de ordem do presidente também costumam gravar estes encontros, que chegam às mídias sociais da Presidência depois de editados.
No dia 27 de setembro, foi a vez de Kerber gravar um outro vídeo que gerou polêmica. Um visitante insistia para entregar o currículo ao presidente. "Me ajuda, Bolsonaro, por favor", apelou o homem, que não ouviu o presidente dizer a um dos segurança: "Só pelo bafo não vai ter emprego". A câmera do militar youtuber, mais uma vez, flagrou uma inconfidência de Bolsonaro que viralizou nas redes e obrigou o presidente a se explicar.
"Furos de reportagem" dos youtubers de farda
Juntos, os youtubers Kerber e Lima já têm um canal com 2.540 inscritos e mais de 200 mil visualizações. Eles conseguem os "furos de reportagem" (jargão para designar as reportagens com conteúdo exclusivo) porque se posicionam no local reservado aos turistas e de acesso proibido à imprensa.
A meta é, por meio de polêmicas de Bolsonaro, aumentar o número de seguidores. "Todos os dias que sabemos que ele estará lá, nós vamos e fazemos a live", disse Lima. Ele diz que se considera um "ativista político".
Na última eleição, os dois youtubers apoiaram Bolsonaro e tentaram a sorte na política, mas terminaram derrotados. Kerber tentou uma vaga de deputado federal, enquanto Lima se candidatou a deputado distrital em Brasília.
No início da última semana, o major da Aeronáutica foi confundido como jornalista pelo próprio Bolsonaro, ao ser questionado sobre a importância da reforma da Previdência. "Você não é repórter, né?", devolveu o presidente. "Não. Sou youtuber" apresentou-se, entregando um folheto do seu canal na internet – chamado Cafezinho com Pimenta. "É um canal de direita para endireitar o Brasil. 100% Bolsonaro", anunciou Kerber ao vivo.
No caso do major, ainda na ativa, essa função de youtuber é vetada pelo regulamento militar. Procurado, o comando da Aeronáutica não respondeu até a publicação desta reportagem.
"Virei ponto turístico", diz Bolsonaro
A ação dos dois militares youtubers não seria possível se, na cidade de construções modernistas, o próprio Bolsonaro não tivesse virado uma atração turística a mais.
Diariamente, cerca de cem pessoas chegam de carro ou ônibus, pela manhã e à tarde, ao Palácio da Alvorada na esperança de conhecer de perto, cumprimentar e tirar fotos com o chefe do Executivo. "Eu virei ponto turístico. Eu costumo dizer, é o zoológico. Quando você vai no zoológico, você vai sempre na jaula do rinoceronte. Eu sou o rinoceronte da política. O chifre é no nariz, não é na testa não, tá?", disse o presidente, bem-humorado, numa conversa.
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