A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que apura ações e omissões do governo federal no combate à pandemia, a chamada CPI da Covid, tem revelado denúncias de corrupção que posicionam o Ministério da Saúde na condição de vítima. As acusações da vez envolvem superfaturamento na compra de vacinas contra a Covid-19 e privilégio a algumas empresas fornecedoras de imunizantes. Apesar de as denúncias recentes terem conexão com a pandemia de coronavírus, não criam um quadro exatamente novo para a pasta.
O Ministério da Saúde é, habitualmente, palco de casos de corrupção. Episódios que envolvem expressivas quantias em dinheiro e figuras do primeiro escalão da política nacional foram registradas na pasta nos últimos anos, e em governos bem distintos entre si. A galeria de escândalos inclui ocorrências como a Máfia das Sanguessugas, identificada durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010); o calote promovido pela empresa Global, que recebeu R$ 20 milhões e não entregou os medicamentos para os quais foi contratada, durante a gestão de Michel Temer (2016-2018); a Máfia das Próteses, também no governo Temer, entre outros.
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) produzido em 2011 identificou que entre 2002 e aquele ano a corrupção extraiu R$ 2,3 bilhões da verba do Ministério da Saúde. O período entre 2002 e 2011 contempla o último ano da gestão de Fernando Henrique Cardoso, a totalidade do governo Lula e o primeiro ano do mandato inicial de Dilma Rousseff.
Em junho deste ano, ao comentar as denúncias de desvios apresentadas pela CPI da Covid, o vice-presidente Hamilton Mourão declarou: "o Ministério da Saúde sempre foi um lugar onde a corrupção andou, né? E você não consegue da noite para o dia desmanchar uma estrutura que se encontra lá dentro. Então, eu vejo que isso é responsabilidade dos gestores, que têm que estar atentos a isso o tempo todo".
Dinheiro, muito dinheiro
Um fator que figura entre os elementos que explicam a corrupção no Ministério da Saúde é o alto orçamento de que dispõe a pasta. A Saúde terá a segunda maior verba discricionária para 2022, atrás apenas do Ministério da Educação. Serão mais de R$ 17 bilhões no caixa da Saúde.
O ministério tem em sua estrutura outro componente que pode estimular a corrupção: seu perfil descentralizador. Por operar o Sistema Único de Saúde (SUS), que funciona por meio de uma parceria entre União, estados, municípios e o Distrito Federal, o ministério acaba sendo "um grande distribuidor de recursos", na palavra do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, que foi o titular da pasta do início da gestão de Jair Bolsonaro até abril do ano passado.
Há ainda a relação do Ministério da Saúde com as emendas ao orçamento feitas pelos deputados federais e senadores, e que são transformadas em obras e outras realizações promovidas pelos gestores locais. As emendas são um habitual foco de corrupção, não apenas no Ministério da Saúde, mas em diferentes pastas e poderes, por terem conexão com um "poder de barganha" do qual dispõem praticamente todos os envolvidos no processo.
"O volume das chamadas emendas indicadas por parlamentares ocupa a maior proporção do orçamento do ministério em toda a sua história. O [suposto] orçamento secreto construído por Bolsonaro e Mourão para ter maioria na Câmara dos Deputados e no Senado tem no Ministério da Saúde um dos seus principais locais de operação", disse à Gazeta do Povo outro ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que comandou a pasta durante a primeira gestão de Dilma Rousseff e atualmente é deputado federal pelo PT-SP.
Mandetta, que deixou o governo após entrar em rota de colisão com Bolsonaro por causa das políticas de combate ao coronavírus, afirmou à Gazeta do Povo que as denúncias recentes que envolvem possíveis irregularidades na compra de vacinas mostram que um assunto dessa magnitude deveria ter sido tratada de forma mais central pelo governo. "É uma demanda que merecia um comando interministerial, possivelmente com gerência do presidente da República. E não da maneira como vimos, em que a negociação estava sendo conduzida por membros do terceiro, do quarto escalão do ministério", disse.
O ex-ministro também criticou o fato de que atualmente grande parte da cúpula do Ministério da Saúde é formada por militares, que, na sua avaliação, têm pouca qualificação para gerenciar a pasta. A análise é compartilhada por Padilha. Para ele, Bolsonaro fez uma "intervenção militar" no ministério e desmontou "a estrutura de padronização técnica".
A presença de militares se relaciona com outro problema que atinge o ministério, na ótica de Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS): a interferência política. Segundo Pigatto, pessoas com conexões políticas são inseridas em postos-chave do ministério e o ambiente contribui para a aparição de casos de corrupção.
Como combater a corrupção no Ministério da Saúde
O vice-presidente Mourão falou que o Ministério da Saúde é alvo de uma "estrutura" que seria difícil de neutralizar "do dia para a noite". A análise dos ex-titulares da Saúde que conversaram com a Gazeta do Povo é a de que uma "estrutura corrupta" demanda outra estrutura, interna e qualificada, para combatê-la.
Mandetta cita que durante a sua gestão promoveu a unificação de controladoria e corregedoria do Ministério da Saúde, e também aproximou a pasta da Controladoria-Geral da União (CGU) para buscar "capacitação" nos atos anticorrupção da pasta.
Já Padilha diz que a descoberta de alguns casos de corrupção pode indicar não um problema no interior do ministério, e sim o oposto — segundo ele, a exposição dos casos reflete a eficácia de mecanismos de combate aos ilícitos. "A Operação Sanguessuga foi uma operação feita por iniciativa dos instrumentos de combate à corrupção criados pelos governos do ex-presidente Lula, no começo da gestão do presidente Lula, e que desmontou um esquema de corrupção com base em emendas parlamentares para ambulâncias e entidades privadas que iniciou no governo FHC", afirmou.
O caso conhecido como Operação Sanguessuga, Máfia das Sanguessugas ou Máfia das Ambulâncias consistia no desvirtuamento de licitações para a compra de ambulâncias. Parlamentares destinavam verbas resultantes de emendas no orçamento para prefeituras onde o esquema operava e nas quais era possível adaptar as licitações para que as empresas desejadas vencessem as disputas. O caso foi revelado em 2006, último ano do primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Não é bem assim
O ex-ministro Mandetta e o presidente do CNS, Fernando Pigatto, ressalvam que a citação em casos de corrupção não é "privilégio" do Ministério da Saúde. Para eles, o quadro de corrupção endêmica se reflete em outras estruturas da administração pública.
Pigatto destacou que como o CNS não acompanha de perto o trabalho de outros ministérios, não tem como dizer se a Saúde é uma vítima maior ou menor do que as demais pastas. Ele ressalta que outras instituições, como Ministério Público e Controladoria-Geral da União, "precisam assumir aí o seu papel de cada vez mais fiscalizar e coibir a corrupção".
Mandetta, por outro lado, recorda que a operação Lava Jato indicou que os principais casos de corrupção brasileiros estão em processos ligados à construção civil, como ações de infraestrutura.
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