A expectativa de um aumento na violência nos próximos meses, resultado da crise econômica após a pandemia do coronavírus e da polarização política das manifestações de rua, fortaleceu o argumento de quem faz lobby para que o Ministério da Segurança Pública seja recriado. O presidente Jair Bolsonaro é simpático à ideia e declarou publicamente ser favorável em conversa com apoiadores na terça-feira (2).
Defensores da nova pasta alegam ainda que a queda do antigo ministro da Justiça, Sergio Moro, criou o cenário político perfeito para a mudança — hoje a segurança pública faz parte do Ministério da Justiça. O ex-juiz da Lava Jato era contra a proposta, por temer que sua pasta fosse enfraquecida com a perda do controle sobre a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.
A divisão havia sido especulada no início deste ano. A articulação, na época, contou com a participação de secretários estaduais de Segurança e do ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), amigo pessoal de Bolsonaro e considerado favorito para comandar a possível pasta. Mas Moro se opôs, ameaçou entregar o cargo no governo e a segurança pública permaneceu sob a alçada da Justiça.
Agora, Moro já não é mais um empecilho — ele deixou o ministério de forma ruidosa no dia 24 de abril, acusando o presidente da República de tentar interferir politicamente na PF. Se for mesmo recriado, o Ministério da Segurança será a 23ª pasta do governo Bolsonaro.
A pasta existiu em 2018, último ano do governo de Michel Temer (MDB), e foi extinta quando o atual presidente resolveu incorporá-la ao Ministério da Justiça na reforma que reduziu a quantidade de ministérios. A Justiça foi então entregue a Moro, que assumiu na condição de "superministro".
Bancada da bala defende ideia e alerta: "criminalidade vai crescer"
O deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), coordenador na Câmara da Frente Parlamentar da Segurança, a "bancada da bala", defende a recriação do ministério. Segundo ele, o Brasil deve vivenciar uma elevação da violência nos próximos meses, como resultado da pandemia de coronavírus e do acirramento dos conflitos de rua contra o governo Bolsonaro, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.
"Já está prevista uma crise econômica no pós-pandemia. E a experiência que temos mostra que crise econômica vem com aumento na criminalidade. Já prevendo e aproveitando o momento de mudança, nós apresentamos a sugestão [ao governo], que é uma reivindicação da bancada", disse.
O "momento de mudança" citado pelo parlamentar é a queda de Moro. Augusto e a "bancada da bala" são apoiadores de Bolsonaro, e a proximidade entre o grupo e o presidente foi arranhada após as acusações apresentadas pelo ex-ministro. No dia em que Moro deixou o ministério, o deputado divulgou nota dizendo que via "com preocupação esta postura intransigente do presidente Jair Bolsonaro, que o fez perder um dos seus grandes aliados na luta pela construção de um Brasil mais justo e honesto".
Augusto declarou que a sua bancada não propôs a criação do Ministério da Segurança durante a gestão de Moro, pela admiração ao trabalho do ex-juiz da Lava Jato. Mas declarou que vê a necessidade agora por representar uma prioridade da população. "As três maiores prioridades do povo são saúde, educação e segurança. Saúde e educação têm ministérios, têm dotação orçamentária. Falta a segurança", disse.
O deputado lembrou que Bolsonaro disse que conversou com o ministro da Justiça, André Mendonça, sobre o tema, e que o sucessor de Moro afirmou não se opor à divisão do seu ministério. Na próxima quinta-feira (4), integrantes da bancada da bala vão se reunir com Bolsonaro, no Palácio do Planalto, para reforçar o lobby.
O coordenador da "bancada da bala" endossa o nome de Alberto Fraga para o comando da futura pasta. "Ele é muito alinhado com o Bolsonaro e tem ótimo trânsito com os parlamentares. E é também um ex-líder da bancada da bala", declarou. Bolsonaro disse que ele e Fraga são amigos desde 1982.
Fraga foi deputado federal por quatro mandatos. Em 2018, concorreu sem sucesso ao governo do Distrito Federal. Ele também foi secretário de Transportes do DF, e sua passagem pelo cargo rendeu a ele uma condenação por cobrança de propina. Segundo o processo, ele pediu e recebeu R$ 350 mil em vantagens indevidas. O ex-deputado foi condenado a cinco anos de prisão. Fraga recorreu dessa decisão e foi absolvido pelo Tribunal de Justiça do DF, em março deste ano.
“Não vou dizer que seja ele nem que não seja. Sou amigo do Fraga desde 1982. Ele está livre de todos os problemas que teve aí, é um grande articulador. Ele é cotado, mas nada de bater o martelo, não”, afirmou Bolsonaro a apoiadores na noite de terça-feira.
Outro cotado é o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, que é delegado da Polícia Federal e outro defensor da ideia.
Pasta pode ser recriada via medida provisória
A recriação do Ministério da Segurança Pública pode ocorrer via medida provisória, com posterior aprovação do Congresso Nacional em até 90 dias. Um indicativo de que a pasta deve mesmo ser refundada é a demora do ministro da Justiça, André Mendonça, em nomear um nome para ocupar a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
O cargo está vago desde que o antigo titular, o general Teophilo Gaspar, deixou o posto, após a saída de Moro. O coronel Araújo Gomes, ex-comandante da Polícia Militar de Santa Catarina, chegou a ser sondado — e até confirmado — para assumir a secretaria, mas a nomeação não saiu até agora.
O governo estuda uma maneira de anunciar a nova pasta sem criar muita despesa adicional. Uma saída seria justamente pegar toda a estrutura da Senasp e transformar em ministério. "O único acréscimo seria o salário do ministro. Só isso”, disse o ex-deputado Fraga, que esteve recentemente no Palácio do Planalto para tratar do assunto, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo.
Novo e Psol são contra recriar Ministério da Segurança
Adversários em termos ideológicos, Novo e Psol têm opinião similar em relação à recriação do Ministério da Segurança. Ambos os partidos consideram que a medida não seria positiva.
O deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) avalia que o novo ministério seria "mais uma burocracia". "O Ministério da Justiça já existe para isso", declarou. Segundo o parlamentar, a principal responsabilidade da segurança pública está a cargo dos estados, o que diminui um pouco a relevância do trabalho do governo federal no setor. "O governo federal controla as fronteiras, tem a Polícia Federal vinculada, o que está a cargo do Ministério da Justiça. Claro que nós somos favoráveis a políticas públicas coordenadas, mas não vemos necessidade de mais um ministério", disse.
O deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) vê na ideia de recriação do Ministério da Segurança uma tentativa do governo de "instrumentalizar" as forças policiais. "Bolsonaro não quer melhorar a segurança pública da população. O que ele quer é instrumentalizar o seu domínio sobre as polícias. Então, com esse intuito do Bolsonaro, vai ser algo que vai prejudicar a segurança pública no sentido mais amplo. O que ele quer é usar a polícia como ferramenta da política. É isso que ele quer com um Ministério de Segurança Pública. E isso, evidentemente, a gente não apoia", disse.
Um suposto controle da Polícia Federal por Bolsonaro foi o principal motivo de disputa entre o presidente e Moro, que levou à queda do agora ex-ministro. A acusação de interferência política na PF é alvo de investigação no Supremo Tribunal Federal.
Defensores da volta do Ministério da Segurança Pública alegam que o acirramento do clima político no Brasil pode levar a manifestações violentas como as do Chile, no início do ano, e as que ocorrem atualmente nos Estados Unidos.
Nos últimos dias, polícia precisou intervir para conter os ânimos de manifestantes mais exaltados em São Paulo e Curitiba. Na capital paulista, movimentos pró e contra o presidente Jair Bolsonaro se enfrentaram na Avenida Paulista, com socos e pontapés. Já na cidade paranaense houve depredação dos patrimônios públicos e privado. A bandeira do Brasil que fica hasteada em frente ao Palácio Iguaçu, sede do governo do Paraná, foi queimada pelos manifestantes.
Quando existiu, ministério deixou saldo positivo
O Ministério da Segurança Pública foi criado em fevereiro de 2018, na gestão de Michel Temer (MDB), e na condição de "ministério extraordinário". Durante toda a sua existência, a pasta foi comandada pelo ex-deputado Raul Jungmann.
A implantação do ministério ocorreu diante de dois contextos de relevo. O primeiro foi a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. A medida no estado e a criação do ministério se deram no mesmo mês, quando a gestão Temer promoveu uma espécie de "ofensiva" no combate à criminalidade.
O que remete ao outro contexto. O ano de 2017, encerrado pouco antes da criação do ministério, registrou recordes históricos de violência no Brasil. O número de homicídios naquele ano foi de 59 mil, confirmando uma alta que já se registrava em anos anteriores.
A partir de 2018, os números da violência apresentaram tendência de queda. O total de homicídios regrediu tanto em 2018 quanto em 2019, e o número do ano passado foi o menor registrado desde 2007, o início da série histórica.
As explicações para a conquista variam a desde um "endurecimento" promovido pelo governo Bolsonaro até uma possível pacificação promovida pelas facções criminosas, o que não indicaria mérito das forças estatais. A criação do Ministério da Segurança e o trabalho desempenhado por Jungmann e Temer é também uma explicação citada. O caso gerou até uma troca de indiretas entre Moro e Jungmann no início de 2020, quando o então titular da Justiça divulgou os números e ironizou os que não explicavam o resultado pelas ações do governo: "se quiserem atribuir ao Mago Merlin não tem problema".
“Não fizemos mágicas. Fizemos o Susp (Sistema Único de Segurança Pública), colocamos recursos permanentes na segurança pública, via redistribuição dos recursos das loterias, criamos o Pró-Segurança no BNDES e integramos as polícias em ações nacionais contra o crime”, escreveu em resposta Jungmann, em seu perfil no Twitter.
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