O governo de Jair Bolsonaro prevê reservar R$ 5,8 bilhões a mais no Orçamento do ano que vem para despesas com militares do que com a educação no país. A proposta com a divisão dos recursos entre os ministérios está nas mãos da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e deve ser encaminhada até o fim deste mês ao Congresso. Caso confirmada, será a primeira vez em dez anos que o Ministério da Defesa terá um valor superior ao da pasta da Educação.
Egresso do Exército, Bolsonaro foi eleito tendo os militares como parte de sua base de apoio. Na última quinta-feira (6), na live semanal que faz nas redes sociais, o presidente disse sofrer pressão para aumentar os recursos destinados às Forças Armadas, mas reclamou que "o cobertor está curto". "Alguns chegam: 'Pô, você é militar e esse ministério aí vai ser tratado dessa maneira?' Aí tem de explicar. Para aumentar para o Fernando (Azevedo e Silva, ministro da Defesa) tem de tirar de outro lugar."
Segundo a previsão orçamentária, a Defesa terá um acréscimo de 48,8% em relação ao orçamento deste ano, passando de R$ 73 bilhões para R$ 108,56 bilhões em 2021. Enquanto isso, a verba do Ministério da Educação (MEC) deve cair de R$ 103,1 bilhões para R$ 102,9 bilhões. Os valores, não corrigidos pela inflação, consideram todos os gastos das duas pastas, desde o pagamento de salários, compra de equipamentos e projetos em andamento, o que inclui, no caso dos militares, a construção de submarinos nucleares e compra de aeronaves.
A previsão de corte nos recursos da Educação em 2021 já era tratada no governo há alguns meses e, em junho, chegou a provocar reclamações do ex-ministro Abraham Weintraub.
Pouco antes de sua demissão, ele afirmou que a proposta em discussão poderia colocar em risco até mesmo a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no ano que vem. Na semana passada, reitores de universidades federais também alertaram que a possível redução do dinheiro pode inviabilizar atividades nas instituições.
Ajuste eleva verba da Educação em quase R$ 900 milhões
Os pedidos do MEC e de outros ministérios por mais recursos foram avaliados na quinta-feira passada pela Junta de Execução Orçamentária, composta por Paulo Guedes, o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, e técnicos do governo. O grupo aceitou elevar em R$ 896,5 milhões a verba da Educação.
A maior parte para o pagamento de bolsas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e para reforçar o caixa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável por compra de livros escolares, transporte de alunos e financiamento estudantil, entre outros programas.
Guedes e Braga Netto também foram generosos com o Ministério da Defesa. Os ministros aceitaram aumentar em R$ 768,3 milhões as despesas discricionárias previstas para a pasta — aquelas que não são obrigatórias e podem, por lei, ser remanejadas.
É o dinheiro para pagar água, luz, obras e programas considerados estratégicos para os militares, como os submarinos e os caças. Mesmo com o acréscimo, o valor reservados para este tipo de gasto deve cair de R$ 9,84 bilhões neste ano para R$ 9,45 bilhões.
O governo também decidiu manter no ano que vem a "blindagem" ao orçamento da Defesa, excluindo a pasta de possíveis tesouradas. Na Educação não há essa restrição e, no ano passado, bolsistas da Capes sofreram com os contingenciamentos.
As discussões sobre o Orçamento ocorrem no momento de disputa interna no governo sobre aumentar ou não as despesas públicas. Na terça-feira passada (11), Guedes alertou que Bolsonaro pode parar na "zona sombria" do impeachment se furar o teto de gastos.
Por causa da pandemia, o Congresso autorizou o Executivo a extrapolar as previsões iniciais em 2020. Como resultado, a Defesa, por exemplo, conseguiu elevar seus gastos para R$ 114,3 bilhões, e a Educação, para R$ 118 bilhões. A expectativa da equipe econômica, no entanto, é que os limites sejam respeitados no ano que vem.
Governo diz que proposta para Defesa e Educação ainda pode ser modificada
Os ministérios da Economia e da Defesa afirmam que a proposta de rateio das verbas do Orçamento de 2021 ainda passará por discussões internas e poderá ser alterada. Procurados, Presidência, Casa Civil e Educação não se manifestaram.
Aliado do presidente Jair Bolsonaro e general da reserva, o deputado Roberto Peternelli (PSL-SP) afirmou que o governo prioriza a educação, mas que isso não deve se refletir no Orçamento. "Tenho a plena convicção de que o fator mais importante é a educação", disse. "Agora, ser o mais importante e ter o maior orçamento são análises distintas."
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, lembrou que a diferença entre os orçamentos da Defesa e da Educação se deve ao "pagamento de pessoal" da pasta a qual as Forças Armadas são vinculadas. General da reserva, Mourão disse que é preciso ter uma "análise qualitativa" dos dados e que "pelo menos" 80% do orçamento da Defesa está comprometido com gastos de pessoal.
Ao comentar o orçamento maior para a Defesa, o vice-presidente disse ainda que projetos estratégicos dos militares estão atrasados. "Você pega por exemplo o do blindado, do Guarani, ele vai terminar, pelo menos última vez que me lembro, lá para 2035, quando já está totalmente defasado. Largaram bem, quando governo tinha recurso, ali em 2012, mas já estamos para 2021, nove anos com o troço se arrastando", disse Mourão.
Questionado sobre a possibilidade de "driblar" o teto de gastos, Mourão disse que a decisão não é apenas do Executivo. "Vamos lembrar que é uma emenda constitucional. Qualquer mudança passa pelo Congresso."
Não é só no Orçamento que Bolsonaro tem beneficiado seus aliados fardados em um cenário de cortes de despesas. No mês passado, enquanto quase 9,6 milhões de trabalhadores da iniciativa privada tiveram seus salários reduzidos e servidores públicos civis foram proibidos de ter aumento por causa da pandemia do novo coronavírus, integrantes das Forças Armadas passaram a ter direito a um reajuste de até 73% como bonificação.
Chamado de "adicional de habilitação", o "penduricalho" foi incorporado na folha de pagamento de julho dos militares, com impacto de R$ 1,3 bilhão neste ano e de R$ 3,6 bilhões em 2021. O reajuste foi aprovado com a reforma da Previdência dos militares, no fim de 2019.
É o gasto com pessoal o que mais consome a verba da Defesa. Na proposta para 2021, 91% dos gastos irão para salários, benefícios e pensões. "O presidente tem um pendor especial pela sua corporação", avaliou Carlos Melo, cientista político e professor do Insper. "Foi assim na reforma da Previdência e tende a ser assim em qualquer situação."
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