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O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, tenta blindar as Forças Armadas com a sua decisão de centralizar o diálogo entre os militares e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no âmbito da Comissão de Transparência das Eleições (CTE). O sentimento na caserna é de que o debate gerado sobre a segurança, transparência e a confiabilidade do sistema eleitoral está sendo explorado de uma forma que afeta negativamente a imagem das Forças Armadas.
Os militares se queixam das mais diferentes interpretações que sugerem o uso político das instituições fardadas para supostamente colocar o sistema eleitoral e as eleições sob suspeita. Além de o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), insinuar que as Forças Armadas são orientadas a atacar o processo eleitoral a fim de desacreditá-lo, também incomodam as ilações de que eles possam dar aval ou fundamentar um pretenso "golpe" de Estado.
A caserna rechaça veementemente as interpretações de quem sugere que eles estejam ou possam ser usados como instrumento político do presidente Jair Bolsonaro (PL). O discurso padrão entre militares, principalmente entre os oficiais-generais, da ativa e da reserva, é de que as Forças Armadas são instituições de Estado e que todos os questionamentos sobre o sistema eleitoral, bem como as sugestões de aprimoramento, são embasadas por análises técnicas sem quaisquer interesses políticos.
Os militares sabem, porém, que, independentemente de suas intenções, o debate ganhou contornos mais políticos do que técnicos. Por esse motivo, o ministro da Defesa oficiou o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, para que "eventuais demandas da CTE direcionadas às Forças Armadas, tais como solicitações diversas, participações em reuniões, etc", sejam encaminhadas a ele, "como autoridade representada naquela Comissão".
O que o ministro da Defesa deseja
Militares consultados pela Gazeta do Povo apontam que a intenção do ministro da Defesa tem um genuíno intuito de assegurar uma normalidade institucional. Mesmo ao enfatizar que nunca partiu das Forças Armadas o interesse em integrar a Comissão de Transparência das Eleições do TSE e que suas manifestações no âmbito do colegiado são técnicos, eles não querem manter a "corda esticada".
A caserna ainda se ressente da fala feita por Barroso sobre as Forças Armadas supostamente serem orientadas a atacar o processo eleitoral. Porém, existe um sentimento de distensionar a relação entre militares e o TSE. Para isso, alguns acenos são apontados nos bastidores para assegurar o desprendimento político das Forças Armadas.
O Ministério da Defesa acena com um rodízio de oficiais generais das três Forças no assento ocupado pelos militares na CTE. Atualmente, o posto é exercido pelo comandante do Centro de Defesa Cibernética, CDCiber, general Heber Garcia Portella. A ideia é que ele seja substituído por um almirante e, posteriormente, por um brigadeiro, informa o jornal O Estado de S. Paulo.
A Gazeta do Povo ouviu de interlocutores que a ideia de rodízio não é descartada, embora não esteja definida. Segundo militares, o objetivo é reafirmar o compromisso técnico e institucional das Forças Armadas com as eleições e o TSE no âmbito da CTE. Mesmo o pedido feito pelo ministro da Defesa para que a Corte Eleitoral divulgasse as propostas das Forças Armadas de sugestões para o processo eleitoral não é visto entre militares como um confronto.
Militares apontam que o pedido do ministro para dar transparência às sugestões encaminhadas pelas Forças Armadas foi uma tentativa de evitar possíveis "ruídos" políticos. O ministro ressaltou que a pasta foi instada a apresentar as propostas de aprimoramento encaminhadas ao TSE, mas ponderou que as informações deveriam ser obtidas no próprio tribunal.
Segundo O Estado de S. Paulo, porém, o general Paulo Sérgio de Oliveira teria pedido para o TSE dar a devida transparência às propostas apresentadas para se dissociar de um "futuro vazamento" atribuído ao deputado federal Filipe Barros (PL-PR), vice-líder do partido na Câmara.
Entre alguns militares, no entanto, existe um certo pessimismo quanto ao retorno que os gestos feitos pelo ministro da Defesa podem gerar às Forças Armadas. "O ministro tenta dar uma acalmada nos ânimos e distensionar um pouco essa relação, mas não sei até quando dura essa distensão. O que foi colocado pelas Forças Armadas não vai ser retirado, e o TSE não vai mexer no que já programou para as eleições", analisa um oficial militar. "No fim, ainda vai ter gente alegando que pedir por mais transparência é querer dar 'golpe'", critica a fonte.
Filipe Barros defende transparência e íntegra das propostas das Forças Armadas
A possibilidade de "vazamento" das sugestões feitas pelas Forças Armadas para aumentar a segurança, a transparência e a confiabilidade do sistema eleitoral é atribuída aos requerimentos de informação encaminhados por Filipe Barros ao TSE e ao Ministério da Defesa.
A Corte Eleitoral o respondeu na última semana alegando que as informações eram sigilosas e, portanto, não poderiam ser disponibilizadas, embora as Forças Armadas não tenham categorizado seus ofícios como sigilosos, afirma Barros. O requerimento à Defesa ainda não foi respondido.
Mesmo o TSE tendo disponibilizado nesta segunda-feira (9) documento contendo sete recomendações feitas pelos militares ao sistema eleitoral, além das manifestações técnicas da Corte, o deputado espera que seu requerimento encaminhado ao Ministério da Defesa possa ser respondido.
"O presidente [Bolsonaro] disse [na live de quinta-feira (5)] que foram nove [sugestões]. Quero saber na íntegra quais são", afirma. Pelo documento divulgado pelo TSE, a análise é de que as informações divulgadas são insuficientes para ter a certeza de que as propostas das Forças Armadas estão relatadas em sua integralidade.
Pelo requerimento encaminhado ao Ministério da Defesa, a pasta tem até 25 de maio para responder, diz o deputado. Barros defende os pedidos e destaca que o requerimento de informação está amparado pelo regimento interno da Câmara dos Deputados e pela Constituição. "Meus requerimentos foram despachados para a Mesa [Diretora], que autorizou o envio e, portanto, foi transformado em um pedido do próprio Parlamento", destaca.
O parlamentar rejeita a informação de que o ministro da Defesa teria tentado se dissociar de um "futuro vazamento" ao solicitar ao TSE a transparência das propostas encaminhadas às Forças Armadas e destaca ter a mesma preocupação que os militares e Bolsonaro acerca da lisura do processo eleitoral.
Para Barros, o ministro da Defesa cumpriu com suas obrigações constitucionais ao solicitar transparência às recomendações feitas, bem como ao centralizar o diálogo entre as Forças Armadas e o TSE. "É papel institucional das Forças Armadas a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem. Portanto, não há nada mais importante para uma pátria como a nossa e para as instituições brasileiras do que a lisura do processo eleitoral", sustenta.
Como militares da reserva avaliam a posição do ministro da Defesa
A centralização do diálogo entre militares e o TSE é elogiada pelo general reformado Paulo Chagas. Para ele, diante do impasse em avançar com a implementação do registro de voto para fins de auditagem ao próprio eleitor, a decisão do ministro do ministro da Defesa é adequada para assegurar a normalidade institucional.
"Todo esse drama que estamos vivendo se o sistema é vulnerável ou não é vulnerável, isso acabaria com a simples introdução do voto impresso. Sem isso, a melhor atitude que vi até agora foi a do ministro Paulo Sérgio", analisa. "Para evitar ou acabar com a polêmica, a atitude dele foi a mais correta, no sentido de que ninguém mais fala sobre esse assunto, só ele. Ele tem o representante das Forças Armadas, o ouve e dispara na comissão aquilo que o Ministério da Defesa julga o que deve ser dito", complementa Chagas.
O general reconhece, porém, que, embora essa seja para ele o melhor caminho, é uma solução que pode abrir margens para críticas por envolver um ministro de Estado em uma discussão técnica. "Já que o assunto está se tornando polêmico e está interferindo na imagem das Forças Armadas, o melhor é ele [centralizar o diálogo], mas isso gera o risco de interpretações equivocadas ou facciosas a partir do momento que ele passa a ser o único interlocutor", pondera.
O general analisa, porém, que não identifica qualquer perfil político no ministro da Defesa, e defende que ele tem a competência para bem assegurar a interlocução entre as Forças Armadas e o TSE. "Ele tem o mesmo perfil do general Fernando [Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa], que Bolsonaro tirou, e vou dizer mais: o Fernando tinha muito mais afinidade com Bolsonaro do que o Paulo Sérgio", diz Chagas.
"Bolsonaro e Fernando são da mesma geração, então, tinham muito mais afinidade e, mesmo assim, ele se manteve em sua posição de 'soldado', de que as Forças Armadas não são politizadas, nem forças de governo, mas forças de Estado", complementa o general reformado.
O general reformado Maynard Santa Rosa tem uma visão diferente sobre o impacto que a centralização do diálogo entre as Forças Armadas e o TSE por Paulo Sérgio pode gerar. "Acho que é uma necessidade de autoproteção institucional as Forças terem a sua autonomia. Então, a ingerência do ministro, ainda que para ajudar, pode ter uma conotação política que não convém", avalia. "Acho que não deveria haver envolvimento político nisso aí. Claro que o canal político tem que estar bem formado de tudo, mas não se envolver no mérito técnico da assessoria que está prestando", acrescenta.
Para Santa Rosa, ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o interlocutor das Forças Armadas deveria ser o general Heber Garcia Portella ou outro integrante do CDCiber. "Se o assunto é técnico e não político, eu acho que ele tinha que ter liberdade de ação. O ministro da Defesa é uma pessoa amiga e conciliadora, pode estar querendo ajudar, mas sem querer, ele está politizando um assunto que não é político", pondera.
O general é favorável à autonomia das Forças Armadas para preservar suas pautas e sustenta que o próprio debate do voto impresso é algo defendido há anos. Para ele, é uma "ilação leviana" sugerir que as instituições podem ser usadas como instrumento político por algum presidente da República.
"As Forças Armadas são neutras, o interesse delas é preservar a estabilidade [institucional]. Agora, quem faz essas interpretações manipula a opinião. E com algum interesse que a gente não sabe qual é, quem faz essa interpretação de uso das Forças Armadas disso e daquilo está extrapolando com algum interesse, não tem fundamento", afirma Santa Rosa.