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Bolsonaro e o presidente do STF, Luiz Fux
Bolsonaro e o presidente do STF, Luiz Fux: presidente da República fará sua segunda indicação à Suprema Corte do Brasil.| Foto: Evaristo Sá/AFP

Em até três meses, o presidente Jair Bolsonaro deve bater o martelo e definir sua segunda indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF), para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello. Desde que indicou Kássio Nunes Marques para a primeira vaga aberta, em novembro de 2020, o chefe do Executivo se debruçou sobre quase uma dezena de nomes, dos quais boa parte permanece sob análise e assim deve continuar. Contudo, a maior possibilidade é de Bolsonaro optar por um jurista evangélico.

No governo, a informação predominante é de que Bolsonaro cumprirá a promessa feita em 2019, quando disse que indicaria alguém "terrivelmente evangélico" para o STF. Por isso, três nomes aparecem com boas chances: o do ministro da Justiça e Segurança Pública, o presbiteriano André Mendonça; o do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o adventista Humberto Martins; e o desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, o batista William Douglas.

A previsão é que Bolsonaro apresente o nome até 12 de junho, exato um mês antes do ministro Marco Aurélio completar 75 anos e atingir a idade de aposentadoria compulsória. O presidente da República indicou Nunes Marques em 1º de outubro, 30 dias antes do ex-ministro Celso de Mello fazer 75 anos.

Um dos motivos para a indicação de um quadro evangélico ao STF é, evidentemente, o cumprimento da promessa. Muito pressionado após a indicação de Nunes Marques, Bolsonaro chegou a falar, em 5 de outubro de 2020, em culto em homenagem ao pastor Wellington Bezerra da Costa, presidente das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus do Brasil, em São Paulo, que a segunda vaga ao STF iria “com toda a certeza” para um jurista “terrivelmente evangélico”.

A conta política do ministro do STF "terrivelmente evangélico" de Bolsonaro

O outro motivo é político. Desde 2020, há uma pressão muito grande de evangélicos de fora e dentro da política por gestos do presidente à comunidade religiosa. Há um sentimento de abandono do eleitorado ideológico e mais conservador de Bolsonaro. Por isso, não indicar um evangélico para o STF, às vésperas das eleições de 2022, teria um custo político alto, reconhecem interlocutores do Palácio do Planalto e aliados bolsonaristas.

“Esse critério é essencial”, reconhece um aliado. Na indicação de Nunes Marques, Bolsonaro fez um aceno para uma estratégia traçada como prioritária para ele, solidificar o apoio do Centrão no Congresso e emplacar um aliado do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no STF. “O presidente achou que aquilo [indicação do Kássio] valeria a pena. Agora, não há para onde correr. Se não indicar um evangélico, corre sério risco de perder apoio”, sustenta outro aliado bolsonarista.

Os evangélicos ainda apoiam majoritariamente Bolsonaro. O sentimento de muitas lideranças da religião, contudo, é de que o apoio se dá mais pela falta de opção para 2022. A maioria dos evangélicos, afinal, é avessa a nomes como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT) e o apresentador de tevê Luciano Huck (sem partido), e só não apoiaria algum nome da centro-direita por causa da provável polarização entre Bolsonaro e Lula.

O deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP), que é pastor e vice-líder do governo no Congresso, lembra que os evangélicos representam 1/3 da população brasileira. "E só queremos uma das 11 vagas", diz à Gazeta do Povo. Aliado de Bolsonaro, ele reconhece que, se o presidente não honrar o compromisso, "haverá uma grande decepção" no segmento.

Do contrário, a indicação de um evangélico pode dar bônus políticos a Bolsonaro, avalia Feliciano. "Se honrar [o compromisso], estará na metade do caminho, pois ainda há a mudança da embaixada [do Brasil] para Jerusalém. Se fizer os dois, leva 95% dos votos do segmento", afirma.

Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), Thiago Vieira concorda que a indicação de um ministro não-evangélico pode causar impactos eleitorais negativos a Bolsonaro. "O próprio presidente tem dito que indicaria um ministro 'terrivelmente evangélico'. Se não cumprir isso, entendo que a reeleição começa a se desestabilizar se surgir uma terceira via forte", pondera.

A indicação de um evangélico traria um significativo simbolismo para o governo federal, analisa Vieira. "A implementação de uma cosmovisão de direita, de um governo de direita, passa pela indicação de um conservador ao STF", sustenta. Ele reconhece, contudo, que só isso não basta. "Bolsonaro precisa acelerar a vacinação e a economia porque o evangélico de barriga vazia não sei se vota no governo", diz.

Quais as chances de André Mendonça ser o indicado para o STF

A opção pelo ministro André Mendonça é vista como a mais provável dentro do governo. E tem apoio de Feliciano. "Ele é o nome dos evangélicos. Estamos com ele", afirma. Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Sanderson (PSL-RS) também demonstra torcida pelo ministro. "Ele cumpre três requisitos fundamentais: qualificação técnica, moral e é evangélico", destaca.

Um interlocutor do Planalto alerta, contudo, que "não há nada certo". O acesso mais próximo entre ele e Bolsonaro o favorece, bem como a proximidade com o ministro Dias Toffoli, do STF. Embora a indicação para a Suprema Corte seja uma prerrogativa do presidente da República, ter aval de aliados na Corte é imprescindível.

O Judiciário como um todo é corporativista, e o STF não é diferente. Por isso, o apoio de Toffoli é um dos principais trunfos de Mendonça. O ministro da Justiça trabalhou com o magistrado quando este foi ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) — mesmo cargo assumido anteriormente por Mendonça no governo — entre março de 2007 e outubro de 2009, no segundo mandato de Lula.

Na gestão de Toffoli na AGU, Mendonça assumiu o posto de 1º diretor do Departamento de Combate à Corrupção e Defesa do Patrimônio Público. Em 2019, o ministro da Justiça ajudou a organizar com o ministro Alexandre de Moraes, do STF, a publicação de um livro em homenagem aos 10 anos de Toffoli na Suprema Corte, intitulado “Democracia e Sistema de Justiça”.

Além do apoio de Bolsonaro e Toffoli, Mendonça desfruta do prestígio de lideranças evangélicas. Em fevereiro, ele foi convidado a pregar em cultos dos bispos Valdemiro Santiago, fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, e do pastor José Wellington Bezerra, líder das Assembleias de Deus no Brasil.

O ministro da Justiça tem, também, o apoio de entidades ligadas ao direito e evangélicos. A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) oficializou apoio a Mendonça. O IBDR é outro que o apoia para a vaga. Para a vaga preenchida por Nunes Marques, conta uma fonte palaciana, além de Mendonça, a entidade também apoiava os nomes do ministro Ives Gandra Martins Filho, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e de William Douglas.

Dossiê contra "antifascistas" quase prejudicou Mendonça

A possibilidade de indicação de Mendonça chegou a ficar em xeque em 2020, quando o Ministério da Justiça elaborou um dossiê com informações de 579 professores e policiais de oposição ao governo classificados como antifascistas. À época, ele atribuiu a elaboração do documento à “atuação proativa da própria Diretoria de Inteligência” da pasta.

“Aquele momento ‘balançou’ as chances dele, porque pegou mal no STF. A leitura, hoje, é de que ele [Mendonça] superou bem o momento e tem conseguido certa estabilidade dentro do ministério e no governo. Foi muito habilidoso em costurar seu nome na AGU, agora na Justiça e construir esse relacionamento com o Toffoli”, diz um interlocutor do governo.

A indicação de Mendonça enfrenta, contudo, resistência entre a base mais ideológica do governo. A proximidade com Toffoli é a principal crítica de bolsonaristas. Contudo, interlocutores do Planalto ponderam que a rejeição entre os mais conservadores não é um empecilho. “Quem está descontente com o André é o núcleo olavista, do qual o presidente já se distanciou. O rechaço deles não será relevante”, avalia uma fonte.

Presidente do STJ é opção, mas perfil evangélico é desfavorável

Os nomes de Humberto Martins e William Douglas também são igualmente bem cotados. O presidente do STJ chamou a atenção do governo quando, em fevereiro, a maioria da Quinta Turma da Corte anulou as quebras de sigilo fiscal e bancário do senador Flávio Bolsonaro dentro da investigação da “rachadinha”, suposto esquema de desvio de recursos públicos quando era deputado estadual.

A decisão do STJ chamou a atenção do governo. Mesmo sem o voto de Martins, a decisão favorável ao filho de Bolsonaro foi encarada no Planalto como um aceno político. “O Humberto vem trabalhando forte para se cacifar. Não quer dizer que o escolhido vai ser ele, mas você vê como o pessoal sabe chegar ao coração do presidente”, diz um interlocutor palaciano.

Embora seja evangélico, pesa contra Martins a leitura entre lideranças evangélicos que ele é um “evangélico moderado”, diz um deputado evangélico no Congresso. "Não é um nome reconhecido pela comunidade evangélica", pondera. Adventistas costumam ter resistência entre líderes evangélicos.

Além disso, também pesa contra o ministro do STJ, nascido em Alagoas, ser visto como um apadrinhado político do senador Renan Calheiros (MDB-AL), ex-presidente do Senado. "Ele é contra a Lava Jato", critica um líder evangélico. Martins é o autor do inquérito aberto de ofício que investiga supostas ilegalidades cometidas por investigadores da Operação Lava Jato.

Desembargador do TRF2 é cotado, mas perfil não é consensual no governo

Alguém que tem o apoio de lideranças evangélicas além de Mendonça é o pastor William Douglas. Ele assumiu o cargo de desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) em 11 de março pelo critério técnico de antiguidade na carreira cargo de desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2).

Em 2020, quando analisava quem indicar para o lugar do ex-ministro Celso de Mello, William Douglas recebeu o apoio de lideranças evangélicas — além de outras religiões e crenças —, entre elas, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, da Igreja Batista, Assembleia de Deus, Igreja Fonte da Vida, Igreja da Graça, Igreja Quadrangular e M12.

O perfil técnico é um dos pontos que jogam a seu favor. O desembargador é autor de mais de 50 livros sobre direito, filosofia, educação e religião e vários deles se tornaram best sellers no Brasil e em países da América Latina e dos Estados Unidos.

Pastor da Igreja Batista Getsêmani, William tem buscado apoio no governo. Ele visitou o gabinete da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e conta com lideranças evangélicas do Congresso como cabos eleitorais. No Parlamento, há quem avalie sua nomeação para desembargador como preparação para fortalecer a indicação ao STF.

As tentativas de William em se cacifar podem, contudo, jogar contra ele. Bolsonaro não é afeito a candidatos que tentam se viabilizar politicamente por uma indicação. O presidente também não gostou quando o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, entregou a ele, em 2020, uma lista com nomes apoiados por lideranças evangélicas para o STF, segundo informou um interlocutor palaciano. Entre os nomes, estava o do desembargador.

Além disso, o desembargador é defensor de pautas identitárias e que não agradam dentro do meio conservador, a exemplo da cota racial para negros em concursos públicos. "Esse tipo de pauta não é pacífica no meio evangélico", sustenta um interlocutor evangélico do Congresso.

Aras e desembargador do TRF-4 que condenou Lula correm por fora

Com a alta probabilidade da escolha de um ministro evangélico, outros nomes são analisados, mas correm por fora. A exemplo do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

A indicação de Aras foi aventada pelo próprio Bolsonaro quando sugeriu, em 2020, que, “se aparecer uma terceira vaga”, o titular da PGR entraria “fortemente” no páreo. Uma terceira indicação, contudo, seria possível apenas em caso de reeleição de Bolsonaro em 2002 ou da aprovação da chamada PEC da Bengala (159/19), que volta a fixar em 70 anos a idade para a aposentadoria compulsória de magistrados.

Embora agrade Bolsonaro, a decisão mais provável é que Aras seja reconduzido ao cargo de PGR, e não escolhido para o STF. Outro que deve ser preterido é o desembargador Thompson Flores, do TRF-4. Seu nome chegou a ser cogitado para suceder Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, antes da opção por André Mendonça.

Thompson Flores atuou no julgamento que condenou Lula no caso envolvendo o sítio de Atibaia (SP) e tem como seus principais defensores a ala militar do governo. “O nome mais querido pelos militares da alta cúpula é ele”, afirma um interlocutor do Planalto. Apesar de não ter sido indicado para o Ministério da Justiça, seu nome voltou a ser cotado para o STF, onde atuou como ministro seu avô, Carlos Thompson Flores, entre 1968 e 1981.

Católicos, Ives Gandra Filho e ex-presidente do STJ são "azarões" por vaga no STF

Outros a correrem por fora são o ministro Ives Gandra Martins Filho, do TST, e o ministro João Otávio de Noronha, do STJ. Ex-presidente do TST, Gandra Filho agrada parte dos bolsonaristas, militares e até a ala ideológica, a ponto de ter emplacado sua irmã, Angela Gandra, como secretária da Família do ministério chefiado por Damares.

“O Ives é muito envolvido com a política”, afirma um interlocutor bolsonarista. “Ele e o [João] Noronha [do STJ] são dois nomes que continuam circundando o poder”, acrescenta. O que pesa contra a indicação de Gandra Filho e Noronha é o fato de serem católicos. O ministro do TST, por sinal, é numerário do Opus Dei.

A indicação de Gandra Filho só não se não se torna inaceitável pela ala evangélica porque muitos evangélicos trabalharam nos bastidores para influenciar Bolsonaro a indicá-lo em outubro, e não o ministro Nunes Marques. O IBDR é um dos institutos que o apoia.

Desde o governo de Michel Temer que Gandra tenta se cacifar para o STF. Em um jantar com a presença do ex-presidente da República, até chegou a servir o prato de Temer na tentativa de uma abordagem ao emedebista, atento à vaga que foi ocupada por Alexandre de Moraes. “Ele é bem visto pelo governo. O único problema é que é super católico, não evangélico”, sustenta uma fonte com acesso a ministros de Cortes superiores.

O ministro do TST é filho do jurista Ives Gandra Martins, que foi consultor da Constituição de 1988, considerado uma sumidade do Judiciário e que, portanto, daria aval a ele entre os ministros do STF. Noronha, por sua vez, também tem apoio no governo e no Supremo. Ele é o responsável por, em julho de 2020, conceder prisão domiciliar a Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, que é investigado no caso das “rachadinhas”.

Noronha também tem bom trânsito no STF. Em setembro de 2020, o ministro Luís Roberto Barroso, da Suprema Corte, foi ao casamento de sua filha, a advogada Ninna Noronha. Outro ministro da Corte com quem ele tem trânsito é Gilmar Mendes. “A Ninna vive despachando com o Gilmar”, diz a fonte.

Correção

Originalmente, a matéria informava que o desembargador William Douglas foi indicado ao atual cargo pelo presidente Jair Bolsonaro. Entretanto, ele, que é juiz federal de carreira desde 1993, foi promovido a desembargador pelo critério técnico de antiguidade na carreira, aprovado por unanimidade pelos desembargadores do TRF2. A assessoria de comunicação ressalta, ainda, que ele não é ligado a nenhum líder em particular. "Pelo contrário, em 2020, ele recebeu o apoio de líderes de diversas denominações e associações evangélicas e de outras religiões, como católicos, judeus, muçulmanos e umbandistas."

Corrigido em 26/03/2021 às 16:46
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