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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu, nesta segunda-feira (23), sua primeira agenda internacional desde que tomou posse com uma série de encontros na Argentina. Além de acordos de cooperação, o petista defendeu o debate para a criação de uma moeda comum entre os dois países, prometeu usar o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar obras na América do Sul e fez um pedido de desculpas por "grosserias" do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contra o governo argentino.
Questionado sobre a moeda comum para transações entre Brasil e Argentina, Lula indicou que foi pedido aos ministros da Fazenda dos dois países um estudo para a viabilidade da proposta. De acordo com o presidente brasileiro, a moeda seria uma forma de garantir autonomia em relação ao dólar, no entanto ponderou que o instrumento precisa ser construído com “muito debate”.
"O que estamos tentando trabalhar agora é que os nossos ministros da Fazenda, cada um com sua equipe econômica, possam nos fazer uma proposta de comércio exterior e de transações entre os dois países que seja feito em uma moeda comum, a ser construída com muito debate e com muitas reuniões. Isso é o que vai acontecer”, disse Lula após uma reunião com o presidente da Argentina, Alberto Fernández.
No último domingo (22), Lula e Fernández assinaram um artigo publicado no diário argentino Perfil confirmando a intenção de criar uma moeda comum sul-americana para transações tanto comerciais quanto financeiras. Ainda de acordo com Lula, ainda não há nada de concreto sobre a proposta.
"Acho que, com o tempo, isso vai acontecer. E acho que é necessário que aconteça. Muitas vezes, há países que têm dificuldade de adquirir o dólar, e você pode fazer acordos, estabelecer um tipo de moeda para o comércio, que os Bancos Centrais todo mês ou de quanto em quanto tempo quiserem, façam um acerto de contas para que os dois países possam continuar fazendo negócio", argumentou Lula.
Por outro lado, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, admitiu que o assunto, já discutido em outras oportunidades, não avançou por entraves técnicos. “A verdade é que não sabemos como poderia funcionar uma moeda comum entre Argentina e Brasil. Tampouco sabemos como funcionaria uma moeda comum na região. Mas o que sabemos é como funcionam as economias dependendo de moedas estrangeiras para poder fazer comércio. E sabemos como isso é nocivo”, disse.
BNDES vai financiar gasoduto para conectar a Patagônia argentina e o Brasil
Ainda durante o encontro com Fernández, Lula defendeu o uso de recursos do BNDES para financiar obras em países da América do Sul. Entre os acordos, o banco brasileiro vai financiar o trecho do gasoduto para conectar a Patagônia argentina e o Brasil. “Vamos criar as condições para fazer o financiamento que a gente puder fazer para ajudar no gasoduto argentino”, disse Lula.
O acordo de integração energética visa levar gás natural da bacia patagônica de Vaca Muerta até o Rio Grande do Sul. “Tenho certeza que os empresários brasileiros têm interesse no gasoduto, nos fertilizantes que a Argentina tem, no conhecimento científico e tecnológico da Argentina. E, se há interesse dos empresários e do governo nós temos um banco de desenvolvimento para isso", defendeu.
A primeira fase do gasoduto já foi concluída e, agora, os argentinos buscam ajuda financeira para continuar as obras. O segundo trecho terá cerca de 500 km, mas Lula não indicou qual será o aporte do BNDES para o financiamento das obras. Em dezembro, a secretária de Energia da Argentina, Flavia Royón, anunciou que seu país contava com US$ 689 milhões em financiamento do banco brasileiro para concluir a construção.
Ainda de acordo com o petista, ele tinha "orgulho" de quando o BNDES tinha mais recursos para financiar obras num país da América do Sul. “Porque é isso que os países maiores têm que auxiliar os países que têm menos condições em determinados momentos históricos”, declarou.
Lula pede desculpas por "grosserias" de Bolsonaro contra governo da Argentina
Ao abrir o seu discurso após o encontro com Fernández, Lula afirmou que as relações do Brasil com a Argentina "nunca deveriam ter sido truncadas". Em seguida, pediu desculpas ao povo argentino por "grosserias" feitas pelo ex-presidente Bolsonaro, o qual classificou como "genocida".
"Hoje é a retomada de uma relação que nunca deveria ter sido truncada. Estou pedindo desculpas por todas as grosserias que o último presidente do Brasil, que eu trato como um genocida por causa da responsabilidade com o cuidado com a pandemia, todas as ofensas que fez ao Fernández", disse Lula.
Durante seu mandato, Bolsonaro criticou publicamente a condução política do governo argentino após a eleição de Alberto Fernández, um político de esquerda. Em outubro de 2020, por exemplo, o ex-presidente chamou o governo argentino de "esquerdalha".
Na sequência, Fernández comparou Bolsonaro ao ex-presidente da Argentina Maurício Macri, e disse que ele e Lula contam com "problemas parecidos". "Tivemos uma reunião sensacional, teremos um vínculo muito mais profundo que vai durar pelas próximas décadas. Continuam nos ligando os mesmos problemas, porque aqui passou [Maurício] Macri e lá [Jair] Bolsonaro. Temos desafios muito parecidos, o primeiro deles é consolidar a democracia e as instituições", afirmou.
Lula crítica ingerência na Venezuela
Após o encontro com Fernández, havia a expectativa de que Lula se reunisse com o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro. No entanto, a agenda foi cancelada pelas autoridades venezuelanas horas antes da reunião entre os dois políticos.
Assim como o presidente do Brasil, o ditador da Venezuela deveria participar da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Contudo, sua ida à Argentina foi cancelada sob a alegação de um "plano da direita neofascista" para realizar "uma série de agressões contra a delegação" da Venezuela.
Questionado sobre a agenda, Lula disse que é contra "muita ingerência" nas tratativas para a resolução dos problemas políticos da Venezuela. O petista defendeu que o diálogo é a saída para que o país volte à normalidade democrática. "Deveríamos ter duas coisas na cabeça. Primeiro, a gente permitir com muita tranquilidade que a autodeterminação dos povos fosse respeitada em qualquer país. Da mesma forma que eu sou contra a ocupação territorial que a Rússia fez na Ucrânia, eu sou contra muita ingerência no processo da Venezuela", afirmou.
Durante o governo Bolsonaro, a embaixada brasileira em Caracas, capital venezuelana, foi fechada pelo governo brasileiro. Lula, no entanto, pretende enviar uma missão ao país para restabelecer as relações com Maduro.
"Para resolver o problema da Venezuela a gente vai resolver com diálogo, e não com bloqueio. A gente vai resolver com diálogo e não com ameaça de ocupação. A gente vai resolver com diálogo e não com ofensas pessoais", completou Lula.
O presidente brasileiro segue na Argentina até essa terça-feira (24), quando pretende discursar na Celac. A participação de Lula no encontro marca o retorno brasileiro ao bloco. O Brasil havia deixado o grupo há cerca de dois anos por determinação de Bolsonaro. Na quarta-feira (25) o petista embarca para o Uruguai, onde terá um encontro com o presidente Luis Lacalle Pou.