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Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes afirmou que vazamento e divulgação de mensagens de auxiliares tem relação com organização criminosa que busca “retorno da Ditadura”| Foto: Antonio Augusto/STF

A decisão do ministro Alexandre de Moraes de abrir, no Supremo Tribunal Federal (STF), um inquérito para investigar “o vazamento e a divulgação” de mensagens de juízes que o auxiliam abre uma brecha para quebrar o direito constitucional do sigilo da fonte, garantido a jornalistas, e com isso acabar inibindo o trabalho da imprensa, que publicou as conversas.

O novo inquérito foi aberto nesta semana pelo ministro para investigar como a imprensa teve acesso a mensagens trocadas por seus assessores. Elas mostram que o gabinete de Moraes teria ordenado informalmente à Justiça Federal a produção de relatórios contra apoiadores de Bolsonaro e comentaristas de direita para embasar decisões do ministro em inquéritos em andamento na Corte. A troca de mensagens sugere que houve supostamente adulteração de documentos, prática de pesca probatória, abuso de autoridade e possíveis fraudes de provas.

Ao instaurar o novo inquérito, o ministro afirma que o vazamento e a divulgação das mensagens “se revelam como novos indícios da atuação estruturada de uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas”, incluindo aí não só o STF, mas também o Congresso. Embora não tenha deixado claro como o caso afetaria o Legislativo, cresce no Senado e na sociedade a pressão pelo impeachment de Moraes.

Nesta quinta-feira (22)o ministro mandou a Polícia Federal apreender o celular de seu ex-assessor no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Eduardo Tagliaferro, perito que atuava no “combate à desinformação eleitoral”. Como mostraram as mensagens com juízes auxiliares de Moraes, ele elaborava relatórios sob a encomenda do ministro para subsidiar inquéritos criminais no STF. Moraes suspeita que as mensagens vazaram do celular do perito – em depoimento à PF, ele negou que tenha repassado o material a jornalistas.

Para Moraes, o vazamento e divulgação das mensagens serviriam a uma “organização criminosa, [que] ostensivamente, atenta contra a Democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o Supremo Tribunal Federal, pleiteando a cassação de seus membros e o próprio fechamento da Corte Máxima do País, com o retorno da Ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição”.

Na decisão de busca, o ministro cita dois crimes: divulgação de segredo, que consiste em “divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem”, com de pena detenção de um a seis meses ou multa; e violação do sigilo funcional, conduta de “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”, com pena de detenção de até dois anos, ou multa.

Em princípio, a decisão indica que seriam suspeitos desses crimes Tagliaferro ou policiais que apreenderam em maio seu celular. O aparelho foi entregue à Delegacia de Franco da Rocha (SP), após uma briga entre Tagliaferro e sua mulher na casa deles. Ela o acusou de violência doméstica. Mas para advogados que atuam na defesa de jornalistas, é possível que, durante a nova investigação, especialmente a partir da perícia do celular de Tagliaferro, a Polícia Federal descubra quem cedeu os 6 gigabytes de mensagens aos jornalistas que as publicaram na Folha de S.Paulo.

A defesa de Tagliaferro diz que o aparelho de telefone celular que ele utiliza hoje não é o mesmo que foi apreendido em maio. O telefone apreendido pela polícia teria sido descartado pelo investigado depois de ser devolvido pela polícia, pois teria sido restituído com defeito.

O advogado André Marsiglia diz que o inquérito não vai investigar o jornal, mas poderá chegar ao veículo indiretamente, ao investigar Tagliaferro. “Não se pode investigar a Folha, pois haveria violação ao sigilo de fonte, mas se ‘pode’ investigar os assessores, até se chegar à fonte e à Folha. Enfim, esse inquérito, indiretamente, pode servir para se violar o sigilo de fonte e terminar por investigar o jornal e seus jornalistas. Se encontrarem algo, dirão que se trata de um complô para desestabilizar a democracia, claro”, escreveu Marsiglia na rede social X.

Gabriel Quintão Coimbra, que integra a Comissão de Liberdade de Expressão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também diz ver na decisão a preparação de um terreno para violar o sigilo da fonte e indiciar a todos os envolvidos por atos antidemocráticos, até os jornalistas.

“A narrativa de conter ‘ataque à democracia’ repete o mesmo modus operandi de Moraes para distribuir o procedimento a ele e se empoderar, navegando acima da Constituição, em atropelo a qualquer liberdade que cruze seu caminho. O slogan vago e genérico transforma o Ministro em um agente 007 com licença para matar… a Constituição”, diz o advogado.

Além de, novamente, atuar no caso como vítima, acusador e juiz – prática que remonta à abertura do inquérito das fake news, em 2019 – Moraes também não mostrou, na decisão, qual sigilo, afinal, teria sido vazado. Coimbra observa que, nas reportagens sobre o caso, não houve divulgação de documentos sob segredo de Justiça ou correspondências confidenciais.

“Qual sigilo foi violado? Ele não aponta. Mas faz uma reprodução histórica do modus operandi das ditaduras, que usam slogans vagos e genéricos de ‘segurança nacional’ ou ‘defesa da ordem pública’ para agir da mesma forma, satisfazendo interesses pessoais e políticos”, diz.

O advogado ainda disse estranhar o silêncio de entidades de defesa da liberdade de imprensa, como as associações de jornalistas e de veículos. “O silêncio dos bons também me chamou a atenção nesse caso: entidades jornalísticas e OAB não emitiram nenhuma nota sobre os cuidados que o Ministro deve ter com a liberdade de imprensa e a garantia do sigilo da fonte. Esse silêncio dos bons deixa Moraes à vontade para entrar no terreno, invadir a casa, subir no quarto… e ninguém fala nada… até finalmente cortar nossa língua e não podermos mais falar.”

A proteção ao trabalho jornalístico tem precedentes importantes no STF. No caso da divulgação de mensagens privadas, o ministro Gilmar Mendes proibiu, em 2019, que autoridades públicas e órgãos de investigação, como a polícia e Ministério Público, praticassem qualquer ato que pudesse responsabilizar criminalmente ou administrativamente o jornalista Glenn Greenwald “pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia, ante a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística”.

Advogado e jornalista americano, Greenwald é quem assina as reportagens recentes na Folha de S.Paulo sobre as conversas de auxiliares de Moraes. Em 2019, ele se tornou alvo de pressão para ser investigado por publicar mensagens de procuradores da Lava Jato. Para Gilmar Mendes, crítico feroz da operação anticorrupção, a atuação dele nesse sentido era “digna de proteção constitucional, independentemente do seu conteúdo ou do seu impacto sobre interesses governamentais”.

“A despeito das especulações sobre a forma de obtenção do material divulgado pelo jornalista – matéria que inclusive é objeto de investigação criminal própria –, a liberdade de expressão e de imprensa não pode ser vilipendiada por atos investigativos dirigidos ao jornalista no exercício regular da sua profissão”, escreveu Gilmar Mendes na decisão.

Na época, a PF investigou como hackers haviam obtido, de forma clandestina, por invasão de contas do Telegram, as mensagens dos procuradores. Na atual série de reportagens sobre os diálogos de juízes ligados a Moraes, Glenn escreveu que a obtenção do material não decorreu de interceptação ilegal ou acesso hacker, mas sim de fontes que tiveram acesso a dados de um telefone que contém as mensagens.

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