No voto que proferiu para tornar réus 100 pessoas envolvidas nos protestos e atos de vandalismo contra os três Poderes no 8 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes indicou que políticos de direita também poderão ser responsabilizados criminalmente pelos atos. Em seu voto, ele citou nominalmente um senador e 14 deputados já investigados no Supremo Tribunal Federal (STF), apontando conexão de suas condutas com a dos manifestantes denunciados.
A conexão foi apontada como justificativa do ministro para manter os casos no STF, já que os 100 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) não têm foro privilegiado. Ele escreveu que “a extensão e as consequências” da associação criminosa e de outros delitos supostamente cometidos pelos participantes do ato são objeto de outros procedimentos em andamento na Corte “direcionados a descobrir a autoria dos financiadores e dos incitadores, inclusive autoridades públicas, entre eles àqueles detentores de prerrogativa de foro”.
Em suma, nessas outras investigações, o ministro quer descobrir se parlamentares, que têm foro no STF, instigaram os manifestantes ou bancaram o acampamento, a viagem ou a alimentação deles em Brasília. Há dois grupos de congressistas citados por Moraes.
O primeiro é formado pelos deputados federais Clarissa Tércio (PP-PE), André Fernandes (PL-CE), Silvia Waiãpi (PL-AP), Coronel Fernanda (PL-MT) e Cabo Gilberto Silva (PL-PB), todos eles apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e eleitos no ano passado pela primeira vez para a Câmara dos Deputados.
Bolsonaro também é investigado no caso, mas em outro inquérito, dedicado a apurar supostos "autores intelectuais" dos atos. A pedido da PGR, o ministro determinou que a Polícia Federal tome o depoimento dele em até 10 dias. O ex-presidente é investigado por ter postado e depois apagado um vídeo questionando o resultado das eleições dias após as invasões.
Cada um dos cinco deputados citados no primeiro grupo responde a inquéritos específicos pelo fato de terem, no dia 8 de janeiro, publicado postagens ou vídeos nas redes sociais comentando ou repercutindo as invasões às sedes do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF. Para a PGR, que pediu a investigação deles, todos podem ter cometido o crime de incitar a tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Waiãpi é investigada por ter postado a seguinte frase no Instagram: “Povo toma a Esplanada dos Ministérios nesse domingo! Tomada de poder pelo povo brasileiro insatisfeito com o governo vermelho”, em meio a vídeos da manifestação. André Fernandes, por ter anunciado a manifestação antes de sua ocorrência: “Neste final de semana acontecerá, na Praça dos Três Poderes, o primeiro ato contra o governo Lula. Estaremos lá”, escreveu o deputado no Twitter.
A base para pedir a investigação de Clarissa Tércio foi a postagem de um vídeo em que uma mulher dizia: “Acabamos de tomar o poder. Estamos dentro do Congresso. Todo povo está aqui em cima. Isso vai ficar para a história, a história dos meus netos, dos meus bisnetos”.
Gilberto Silva é investigado por postar que “o povo não aguenta mais ser estrangulado por quem deveria ser o guardião da Constituição” – para a PGR, ele não cometeu crime, mas Moraes ainda não mandou arquivar a investigação contra ele, pedida pelo PSOL. O inquérito contra Coronel Fernanda está em sigilo, e o motivo de sua investigação é desconhecido.
Inquéritos
No voto, Moraes registra que as investigações sobre o 8 de janeiro foram divididas em quatro grupos: um inquérito relativo aos financiadores dos atos; outro para investigar os “partícipes por instigação”, “que de alguma forma incentivaram a prática dos lamentáveis atos”; um terceiro para apurar “autores intelectuais e executores”, “que ingressaram em área proibida e praticaram os atos de vandalismo e destruição do patrimônio público”; e um último para elucidar a conduta de autoridades do Estado responsáveis por omissão. Investigações específicas contra os cinco deputados acima correm em inquéritos à parte.
As denúncias que começaram a ser analisadas nesta terça (8) referem-se a incitadores e executores, ou seja, do segundo e do terceiro inquérito. Os incitadores são suspeitos de cometer o crime de associação criminosa e incitação de animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais. Os executores são acusados de crimes mais numerosos e graves, como tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, de golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio público, além de associação criminosa.
Para Moraes, todos os grupos de investigados, inclusive os deputados, estão interligados. Ele diz ser “evidente a existência de conexão” de manifestantes denunciados com os parlamentares que têm foro no STF.
Seguindo o entendimento da PGR, ele sustentou que haveria a ocorrência de delitos “multitudinários”, “ou seja, aqueles praticados por um grande número de pessoas, onde o vínculo intersubjetivo é amplificado significativamente, pois ‘um agente exerce influência sobre o outro, a ponto de motivar ações por imitação ou sugestão, o que é suficiente para a existência do vínculo subjetivo, ainda que eles não se conheçam’”.
Ele ainda diz haver “estreita ligação” e cita então dispositivos do Código de Processo Penal que permitem a tramitação conjunta de processos contra pessoas que cometem infrações quando reunidas e também quando a prova de uma infração influir em outra infração. Na prática, isso poderá fazer com que eventuais provas contra os manifestantes, que poderão ser encontradas e juntadas ao longo do processo criminal, caso aberto, sejam usadas contra os parlamentares, se encontrados indícios contra eles.
O segundo grupo de parlamentares citados por Moraes é composto pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e pelos deputados federais Otoni de Paula (MDB-RJ), Cabo Júnio do Amaral (PL-MG), Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Filipe Barros (PL-PR), Luiz Phillipe Orleans e Bragança (PL-SP), Eliéser Girão (PL-RN) e Guiga Peixoto (PSC-SP) – o último já não está no exercício do mandato.
Para Moraes, a conexão deles com os atos de 8 de janeiro se dá porque são investigados em inquéritos mais antigos: o das “fake news”, que apuram supostas ofensas e ameaças contra ministros do STF; e o das “milícias digitais”, que, segundo o ministro, apura a prática, nas redes sociais, de “diversas infrações criminais atentatórias ao Estado Democrático de Direito”. As duas investigações tramitam em segredo de Justiça e, por isso, também não é possível saber em detalhe o que cada um desses outros dez parlamentares têm a ver com as invasões.
O que dizem deputados citados por Moraes
Até o momento, dentro do primeiro grupo de deputados citados por Moraes, contra os quais há inquéritos específicos por postarem comentários nas redes sociais, a única que já se defendeu no STF formalmente foi Clarissa Tércio.
Alegou, basicamente, que não se encontrava em Brasília e não disse a frase atribuída a ela no pedido de inquérito da PGR. Afirmou que estava num hotel de luxo no litoral de Pernambuco e negou ter participado de qualquer preparação, organização ou financiamento do ato.
“No dia dos acontecimentos, como fizeram milhões de brasileiros, limitei-me a compartilhar em minha conta na rede social Instagram um vídeo dos episódios lamentáveis, no qual pedi orações pelo Brasil. Não houve, de minha parte, qualquer apoio ou palavra fomentando ou exaltando os atos antidemocráticos”, alegou.
À reportagem, a deputada Coronel Fernanda disse que só ficou sabendo que era investigada nesta semana, quando foi procurada pela imprensa. Como o caso está em sigilo, ela disse que não pode se manifestar sobre as imputações contra ela. De qualquer modo, nega participação. “Não participei de nada. Não fiz nada. Não tenho vínculo”, afirmou.
Vários parlamentares do segundo grupo, que segundo Moraes são investigados por “fake news” e “milícias digitais”, foram procurados pela reportagem, mas não responderam às tentativas de contato. O único que atendeu foi Eliéser Girão. Ele disse que já não é mais investigado por Moraes. “Já saí desse inquérito. Estava no inquérito dos atos antidemocrático, mas há mais de um ano fui retirado, porque não encontraram nenhuma vinculação”, disse.
Questionado sobre a ligação feita pelo ministro entre os outros deputados e os atos, ele disse que “com certeza” é frágil. “A gente está vivendo um problema que a história vai cobrar, espero que das pessoas que estão agindo fora da Constituição”, afirmou.
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