STF julga se recebe denúncia da PGR contra Bolsonaro e mais sete aliados por suposta tentativa de golpe de Estado.| Foto: reprodução/Youtube
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu o julgamento da denúncia contra Jair Bolsonaro (PL) e mais sete aliados, nesta terça (25), lendo o relatório do inquérito, em que salientou a ligação entre a suposta tentativa de golpe para manter o ex-presidente no poder aos atos de 8 de janeiro de 2023.

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A Primeira Turma do STF julga até quarta (26) se aceita a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro, o general Walter Braga Netto e outros seis acusados. Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet, que participa da sessão, eles formavam o chamado “núcleo crucial” do grupo de 34 denunciados.

Durante a abertura do julgamento, Moraes leu o resumo da denúncia apresentada por Gonet e frisou que os atos, inclusive a "neutralização" de alvos -- como o suposto plano para assassinar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB) e ele próprio -- "não se concretizou por circunstância que as atividades dos denunciados não conseguiram superar: a resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica".

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“Todos os denunciados, em unidade de desígnio e divisão de tarefas, contribuíram de maneira significativa para o projeto violento de poder da organização criminosa, especialmente para a manutenção do cenário de instabilidade social que culminou nos eventos nocivos”, disse Moraes ao ler parte da acusação.

Bolsonaro decidiu acompanhar o julgamento no plenário da Primeira Turma junto de seus advogados.

Ainda durante a leitura da denúncia, Moraes frisou que os envolvidos teriam programado um movimento social violento para supostamente provocar as Forças Armadas a apoiarem o que chama de "ruptura institucional" e que a organização criminosa "direcionou os movimentos populares" e "interferiu nos procedimentos de segurança necessários".

"As instituições democráticas foram vulneradas em pronunciamentos públicos agressivos e ataques virtuais, proporcionados pela utilização indevida da estrutura de inteligência do Estado", pontuou Moraes ao ler o resumo da denúncia da PGR pontuando que houve "manipulação de notícias eleitorais baseadas em dados falsos".

Moraes ainda frisou que concedeu acesso aos autos do processo a todas as defesas, inclusive da delação de Mauro Cid antes do oferecimento da denúncia. "O amplo e integral acesso aos elementos de prova já documentados e que foram utilizados pela PGR no oferecimento da denúncia já estava garantido a todas as defesas", completou.

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Como é o julgamento

O STF reservou três sessões da Primeira Turma para decidir se aceita ou não a denúncia, ato necessário para a abertura de uma ação penal contra os denunciados. Além da sessão desta manhã, está marcada uma à tarde e outra na manhã de quarta (26).

São julgadas nestas sessões as denúncias contra Bolsonaro e os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Anderson Torres (Justiça).

Também foram denunciados no “núcleo crucial” o almirante Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha); o atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro; e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, cuja delação premiada embasou a investigação sobre o caso.

Eles são acusados pelos crimes de:

  • organização criminosa armada, com pena de 3 a 8 anos de prisão;
  • abolição violenta do Estado Democrático de Direito, com pena de 4 a 8 anos;
  • golpe de Estado, com pena de 4 a 12 anos de reclusão;
  • dano qualificado contra patrimônio da União, com pena de 6 meses a 3 anos; e
  • deterioração de patrimônio tombado, com pena de 1 a 3 anos de detenção.
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A Primeira Turma do STF é formada pelos ministros Alexandre de Moraes, que relata o caso, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que preside o colegiado.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

O que diz a denúncia da PGR

Na denúncia, apresentada em 18 de fevereiro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, sustenta que a articulação para um golpe de Estado, que impedisse a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, começou em meados de 2021, quando Bolsonaro intensificou manifestações para colocar em dúvida a integridade das urnas eletrônicas.

Para a PGR, desde essa época, o ex-presidente e seu entorno queriam descredibilizar o sistema eletrônico de votação e a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que, numa eventual derrota na disputa eleitoral para Lula, Bolsonaro pudesse justificar uma intervenção no TSE, com auxílio das Forças Armadas, para revisar o resultado do pleito.

“O grupo registrou a ideia de ‘estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações’ e de replicar essa narrativa ‘novamente e constantemente’, a fim de deslegitimar possível resultado eleitoral que lhe fosse desfavorável e propiciar condições indutoras da deposição do governo eleito”, diz a denúncia.

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A PGR elencou atos que, ao longo de um ano e meio, teriam levado Bolsonaro a incitar a população a uma revolta contra a eventual vitória de Lula, o que teria ocorrido nos acampamentos montados em frente a quartéis do Exército, após a derrota, e se materializado no dia 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação dos prédios do STF, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional.

Entre os atos apontados pela PGR nesse sentido, houve a divulgação, por Bolsonaro, em agosto de 2021, de uma investigação da PF sobre o ataque hacker ao TSE em 2018; a realização de uma live, em julho daquele ano, em que apresentou vídeos de internet com suspeitas sobre as urnas; a reunião com embaixadores, em julho de 2022, em que questionava a neutralidade dos ministros do TSE para conduzir o processo eleitoral.

Ao longo da investigação, iniciada em 2023 a partir da delação premiada de Mauro Cid, a PF conseguiu recuperar mensagens de celular e documentos trocados pelos investigados que mostraram articulações e planos para impedir a posse de Lula.

Um dos principais achados foi a minuta de um decreto presidencial que instituía Estado de Defesa no TSE. Trata-se de instrumento previsto na Constituição pelo qual o presidente da República pode, com autorização do Congresso, prender pessoas por crimes contra o Estado, restringir direitos de reunião, quebrar sigilo de correspondências e comunicações, para “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”.

Segundo as investigações, a minuta foi levada a Bolsonaro pelo ex-assessor de Assuntos Internacionais Filipe Martins, e previa inicialmente a prisão de Alexandre de Moraes, do ministro Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A PF diz que Bolsonaro alterou o texto para que apenas Moraes fosse preso.

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O ex-presidente ainda teria submetido o texto aos comandantes das Forças Armadas, mas dois deles recusaram apoio – o então comandante do Exército, Freire Gomes, o da Aeronáutica, Baptista Júnior; apenas o da Marinha, Almir Garnier Santos, teria concordado. Sem apoio e consenso nas Forças Armadas, Bolsonaro teria desistido.

Além da “minuta do golpe”, a PF também encontrou planos elaborados por militares para prender ou até mesmo executar Moraes, Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin e assim impedir a sucessão presidencial. O plano “Punhal Verde e Amarelo” previa o uso de armamento pesado para uma emboscada contra Moraes.

Segundo a PGR, ele foi impresso no Palácio do Planalto e apresentado pelo general Mario Fernandes a Bolsonaro em novembro de 2022. Em 15 de dezembro, um grupo de seis militares de Forças Especiais, conhecidos como “kids pretos”, saíram a campo para executar o plano, na operação “Copa 2022”. Eles teriam seguido Alexandre de Moraes pelas vias de Brasília, mas só teriam abortado a missão de “neutralização” porque, segundo a PGR, Bolsonaro não assinou, no dia, o decreto de intervenção no TSE.

Os atos de 8 de janeiro de 2023 foram, segundo a PGR, a tentativa final de pressionar as Forças Armadas a intervir e depor Lula. Todas essas acusações serão reiteradas por Paulo Gonet em sua sustentação oral, que poderá durar até 30 minutos.

Defesas contestam denúncia

Na resposta à denúncia da PGR, a defesa de Jair Bolsonaro pediu o afastamento de Moraes do processo, sob o argumento de que a nova lei que instituiu no Brasil o juiz de garantias impede que o magistrado que supervisionou a investigação atue na ação penal. Pediu ainda o julgamento do caso no plenário, foro de presidentes da República.

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No mérito da acusação, alegou que Bolsonaro nunca determinou qualquer medida de força para impedir a posse de Lula e que colaborou com a transição de governo, inclusive com a nomeação de novos comandantes, definidos pelo petista, para as Forças Armadas. A defesa apontou contradições nos planos elaborados para executar o golpe, que, reiteram os advogados, não foram autorizados por Bolsonaro.

“Deixando de lado a crítica política que se pode fazer ao peticionário, bem como sua opinião sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, pergunta-se: houve emprego de violência ou grave ameaça ao longo de 18 meses? Os poderes constitucionais – leia-se, Executivo, Legislativo e Judiciário – foram restringidos ou impedidos de funcionar? É evidente que não”, escreveram, na defesa prévia, os advogados Celso Vilardi, Daniel Tesser, e Paulo da Cunha Bueno.

A defesa de Walter Braga Netto apontou diversas ilegalidades na investigação e na delação premiada de Mauro Cid, acusando-o de mentir nos depoimentos da colaboração e agir sob pressão de Moraes. No mérito, rechaçou as acusações de que teria atuado para pressionar militares de alta patente para aderir ao golpe e de que teria financiado a operação para executar Alexandre de Moraes.

“Não há qualquer descrição de ordem de comando, de ingerência, de influência ou de controle do Gen. Braga Netto em relação aos demais membros da suposta organização criminosa, algo que seria essencial para começar a se cogitar um papel de liderança”, escreveram os advogados José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’acqua na defesa prévia.

A defesa de Augusto Heleno pediu que o caso seja retirado do STF, por ausência de foro dos investigados, e apontou suspeição de Moraes, por figurar como vítima no caso. No mérito, a defesa destacou trecho de depoimento de Mauro Cid em que ele diz nunca ter visto “uma ação operacional ou de planejamento” do general na trama.

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“Há completa falta de elementos mínimos a apontar qualquer tipo de envolvimento direto ou indireto do denunciado. Não há uma testemunha que aponte seu envolvimento, não há uma conversa de whatsapp sua para qualquer pessoa que o seja tratando da empreitada criminosa aqui denunciada, não há acervo probatório mínimo a sustentar as acusações”, escreveu o advogado Matheus Milanez.

A defesa de Paulo Sérgio Nogueira também alegou ausência de provas de sua participação, como ministro da Defesa, em eventos de ruptura. “O General Paulo Sérgio não integrava organização criminosa e atuou ativamente para evitar um golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, nesse sentido, ele: aconselhava o Presidente da República, no sentido de que nada poderia ser feito diante do resultado das eleições; era totalmente contrário a golpe; temia que radicais assessorassem e levassem o Presidente a assinar uma ‘doidera’”, diz o advogado Andrew Farias.

A defesa de Almir Garnier dos Santos alegou ausência de “minuciosa e individualizada descrição dos fatos imputados” ao almirante da Marinha. “A denúncia não se coaduna com tais exigências, carecendo de substrato probatório idôneo que a legitime, imputando fatos de maneira genérica, sem a devida robustez argumentativa e sem concatenação lógica entre os elementos fáticos, a tipificação penal pretendida e os elementos de informação que corroborariam a hipótese”.

A defesa de Anderson Torres negou omissão na proteção das sedes dos Poderes e qualquer participação do ex-ministro em planos para executar um golpe. Afirmou que ele não elaborou nem fez circular a minuta do decreto de intervenção no TSE, cuja cópia foi encontrada em sua casa.

“A simples leitura do teor da minuta já indica o absurdo quanto ao local, quanto ao meio, quanto à forma, quanto ao objeto e quanto aos pressupostos constitucionais do Estado de Defesa. Absolutamente nada faz sentido! Trata-se de teratologia jurídica que, de tempos em tempos, acaba sendo trazida à apreciação dos órgãos públicos e, por fim, descartada. Ademais, cuida-se de documento apócrifo, que não possui, pois, qualquer valor jurídico”, disseram os advogados Eumar Novacki e Raphael Menezes.

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A defesa de Alexandre Ramagem disse que seria contraditório que ele, que era candidato a deputado federal em 2022, atuasse para impedir o exercício dos poderes com um golpe de Estado. Também disse que se limitava a passar a Bolsonaro informações técnicas sobre as urnas, especialmente conclusões de peritos da Polícia Federal sobre o sistema de votação eletrônico.

“A denúncia também não mencionou as várias manifestações públicas do denunciado em rede social ao longo dos anos de 2021 e 2022, cujo conteúdo era direcionado à importância do constante aprimoramento da segurança do processo eletrônico de votação. As manifestações públicas do denunciado não continham ataques às urnas eletrônicas, limitando-se a dar ênfase ao aprimoramento do sistema, para além de realçar que divergências técnicas deveriam ser dirimidas por órgãos técnicos”, diz o advogado de Ramagem, Paulo Renato Cintra.

Por fim, a defesa de Mauro Cid alegou que, como ajudante de ordens, ele não tinha poder de decisão sobre uma eventual tentativa de golpe. Além disso, pediu sua absolvição pelo fato de ter colaborado com as investigações.

“A atuação de Mauro Cid se reserva, e a acusação assim também entende, na ‘comunicação’ a fim de ‘repassar’ as autoridades próximas a Presidência, informações que chegavam até si e em razão da posição de Ajudante de Ordem e sua proximidade com o então Presidente da República, mas que, em nenhum momento, criou conteúdo ou repassou a ‘grupos’ que a acusação afirma seriam os encarregados de disseminar informações falsas de modo a manter uma mobilização frente aos Quarteis de simpatizantes do Presidente da República à época”, diz seu advogado, Cesar Bitencourt.