O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, quer influenciar a elaboração de uma lei que endureça a regulamentação sobre as redes sociais, de modo a coibir a disseminação de conteúdos que representem ameaças às instituições democráticas. A pauta também é encampada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como reação ao atos de vandalismo contra as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
Moraes informou recentemente, em evento do grupo empresarial Lide, em Lisboa, que uma comissão do TSE vai enviar propostas ao Congresso com “mecanismos de regulamentação das redes sociais”.
O ministro não detalhou, mas indicou que as sugestões poderão ser inspiradas em medidas que ele adotou na Corte Eleitoral no ano passado para dar mais agilidade ao combate a “notícias fraudulentas” e ao “discurso de ódio” – tarefa que já havia se tornado a principal bandeira do ministro como relator dos inquéritos no STF para investigar ofensas e ameaças aos colegas.
Entre essas medidas, estão:
- possibilidade de remoção das redes sociais, por iniciativa do próprio Judiciário, sem pedido das partes ou do Ministério Público, de conteúdos julgados “sabidamente inverídicos”;
- suspensão, por tempo indeterminado, de contas e perfis com “produção sistemática de desinformação”;
- multas pesadas (de até R$ 150 mil por hora) para as empresas que não cumprirem, em até 2 horas, essas mesmas ordens;
- e até mesmo a suspensão dessas redes sociais ou aplicativos em caso de reiterada desobediência.
Medidas assim não estão previstas em lei, mas foram adotadas por Moraes, inclusive após as eleições, com base numa resolução proposta por ele e aprovada no TSE em outubro do ano passado, antes do segundo turno.
Questionado por meio de sua assessoria de imprensa, o tribunal não soube informar quem comporá a comissão que formulará a proposta a ser enviada ao Congresso, quando e como isso ocorrerá.
Moraes defende rápida responsabilização de autoridades que promovam "ataques" à democracia
Em seu pronunciamento em Lisboa, Moraes expôs suas premissas. Disse que as redes sociais, que surgiram como “instrumento altamente democrático”, por permitir a livre expressão e a opinião de todos, teriam sido, ao longo dos últimos anos, “capturadas pelos populistas, principalmente pela extrema direita, e se transformado num mecanismo de lavagem cerebral”.
“Essa lavagem cerebral transformou pessoas em zumbis. Pessoas repetindo ideias absurdas, pessoas cantando hino nacional para pneus, pessoas esperando que ETs viessem para o Brasil resolver o suposto problema da urna eletrônica. O que poderia ser uma comédia é uma tragédia, que resultou na tentativa frustrada de golpe no 8 de janeiro”, disse.
Era uma referência direta às manifestações de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que, em frente ao Exército, contestavam a eleição de Lula, apontando atuação parcial do TSE na condução do processo eleitoral, além da suspeita de fraude nas urnas eletrônicas. Em 8 de janeiro, parte dos manifestantes, em revolta, invadiu e depredou os edifícios do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF.
Para combater movimentos assim, segundo Moraes, seria preciso alterações normativas em âmbito nacional e internacional. Ele defendeu, por exemplo, uma responsabilização mais rápida de autoridades que promovem ataques internos ao regime democrático.
O ministro, porém, não pormenorizou que tipo de procedimento poderia ser proposto para isso. Disse apenas que, nas Constituições modernas, há mecanismos para repelir ameaças externas à democracia de um país – como o estado de defesa e de sítio – mas não para debelar as internas.
“Como tratar da corrosão da democracia, quando isso vem de políticos populistas que atacam internamente as instituições? Se todos os mecanismos previstos para ataques externos preveem um fortalecimento exatamente desse político populista?”, indagou.
Sugeriu com isso que, em caso de “ataque interno” à democracia, o Executivo não poderia sair fortalecido. O mesmo não poderia ocorrer com o Legislativo, caso a ameaça parta de parlamentares.
“Como estabelecer novos mecanismos para o controle do abuso do próprio Legislativo e de alguns membros que deturpam as suas próprias garantias institucionais, as suas garantias parlamentares, em defesa da democracia, do estado de direito, quando passam a utilizar isso para atacar a própria democracia?”, indagou, deixando no ar a qual Poder, autoridade ou instituição caberia, afinal, o papel de coibir as ameaças internas à democracia.
No ano passado, Moraes esteve à frente do julgamento que condenou o ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a quase 9 anos de prisão por ameaças a ele e a outros ministros do STF. Na ocasião, seguindo entendimento do ministro, o plenário considerou que a imunidade parlamentar não protege manifestações que atentem contra as instituições democráticas.
"O que vale para a mídia tradicional deve valer para as redes sociais", defende o ministro
No evento do Lide, Moraes também disse que as redes sociais devem ser responsabilizadas como as mídias tradicionais quando publicam conteúdos antidemocráticos.
“Elas não podem ser nem mais, nem menos controladas que as empresas de mídia. A responsabilização por abusos, na divulgação, na veiculação de notícias fraudulentas, na divulgação de discursos de ódio, essa responsabilização não pode ser maior, mas também não pode ser menor do que no restante das mídias tradicionais”, disse o ministro.
Questionado depois se tais medidas não poderiam resvalar para a censura, ele negou. Disse que era preciso estabelecer melhor “balizas de responsabilização”.
“Não se trata de analisar conteúdo previamente, não se trata – isso a Constituição jamais permitiria – de necessidade de autorização ou não para publicar algo. Agora, quem tem a coragem de publicar, virtualmente ou não, discurso de ódio, discurso antidemocrático, ofensa às pessoas. Se tem a coragem de publicar, deve ter a coragem de se responsabilizar. É o binômio liberdade com responsabilidade. Que vale para mídia escrita, que vale para mídia televisiva, que vale para mídia tradicional, deve também valer para as mídias sociais”. Isso, segundo ele, não impediria qualquer crítica ao STF, por exemplo, mas apenas ameaças e agressões à Corte.
A Constituição brasileira veda qualquer tipo de censura e a jurisprudência consolidada no Brasil preceitua que eventuais ofensas – sobretudo calúnia, difamação e injúria, que também são condutas criminalizadas no país – veiculadas por um jornal ou emissora, por exemplo, mesmo na internet, sejam punidas com indenizações para suas vítimas. A responsabilização, civil ou penal, se dá sempre posteriormente à publicação do conteúdo, nunca antes, conforme esse entendimento.
Marco Civil da Internet em risco
A principal ideia para endurecer a regulamentação sobre as redes, responsabilizando-as por conteúdos criminosos publicados, consiste em rever uma das principais regras do Marco Civil da Internet, lei aprovada em 2014 que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede no Brasil.
O artigo 19 diz que plataformas e sites só podem ser punidos por conteúdos postados por usuários ou visitantes caso a empresa dona dessa aplicação descumpra uma ordem judicial de remoção.
Significa que, em princípio, a ideia é punir o autor original daquele conteúdo, caso a Justiça o considere ilícito. Só quando a detentora daquele domínio descumpre a ordem de retirada, ela passa a ser punida, com multa ou indenização.
Dentro do novo governo, do Congresso e no próprio STF há debates para rever essa regra. A justificativa é que, diante de ataques massivos a instituições que possam colocar em risco a democracia, seria preciso obrigar as redes sociais a ter uma postura mais proativa, e não apenas reativa, no controle do que é publicado pelos usuários. A mesma leitura poderia ser feita em caso de ataques a políticas públicas que protegem direitos essenciais, tais como a vacinação em prol da saúde coletiva.
Os defensores de uma lei mais rígida para as redes sociais acreditam que não bastaria que as empresas implementassem políticas internas de moderação de conteúdo para banir postagens de incitação à violência, de estímulo à prostituição infantil ou ao tráfico de drogas, por exemplo.
Caso não haja restrições a conteúdos antidemocráticos ou antivacina, a plataforma já poderia ser punida pelo poder público. Seria imposta a todas o chamado “dever de cuidado”, princípio que pode fazer parte da proposta que o governo vai apresentar ao Congresso, dentro do chamado “pacote da democracia”.
Relator do projeto de lei das fake news no Congresso, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), também admite uma revisão do Marco Civil da Internet. “Não conheço o texto a ser proposto, mas na minha opinião o artigo 19 do Marco Civil não está escrito na pedra”, afirmou à Gazeta do Povo.
Ele diz que as sugestões do novo governo e “qualquer proposta” que venha do STF, devem ser consideradas. “Caberá a decisão final aos deputados e senadores.”
A maior resistência do deputado está na forma escolhida pelo governo para propor as mudanças, por meio de medida provisória. “Tem eficácia de lei enquanto estiver em vigência. É prerrogativa do Presidente da República, mas não acredito que seja enviada medida provisória sobre um tema que já teve MP devolvida pelo Congresso Nacional. Além disso, esse tema está em debate no Congresso Nacional, não faria sentido uma MP”, afirma.
Ele fazia referência à medida provisória enviada em 2021 por Bolsonaro ao Congresso que tinha o objetivo oposto: de limitar a remoção de conteúdo pelas redes sociais. Ela foi devolvida pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ao Executivo, sob o argumento de que ela regulava questões que só poderiam ser objeto de deliberação do Legislativo.
Tema também é tratado em ação no STF
O STF, por sua vez, também discute a eventual revisão do artigo 19 do Marco Civil da Internet, mas no âmbito de uma ação que questiona sua constitucionalidade. O julgamento chegou a ser marcado para junho do ano passado, mas foi retirado de pauta pela presidente do STF, Rosa Weber.
Num parecer sobre o tema, anexado ao processo, o ex-ministro da Corte Nelson Jobim e o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) Ronaldo Lemos, defenderam a tese de que os provedores não devem ter a obrigação de fiscalizar previamente o conteúdo publicado em suas plataformas.
“Muitos dos provedores de aplicação têm como principal função o fornecimento de ‘espaço virtual’ para que os usuários compartilhem e obtenham informações online. Nesses modelos de negócio, chamados por alguns de many-to-many, são os usuários os responsáveis pela criação do conteúdo, sem editoração prévia por parte das plataformas. O alto volume de usuários e de conteúdo por eles produzido tornaria, se houvesse a obrigatoriedade de fiscalização prévia, a restrição demasiadamente severa para a diminuição da possibilidade do provedor ser responsabilizado judicialmente. Esses embaraços à liberdade de expressão poderiam resultar numa censura massiva de conteúdos veiculados na internet”, diz o parecer.
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