Mensagens trocadas entre o gabinete dele e o TSE revelam a produção de relatórios contra o X para abastecer inquérito das “fake news”.| Foto: José Cruz/Agência Brasil
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), teria ordenado um “endurecimento” da ofensiva contra a rede social X após ser comprada pelo bilionário Elon Musk, e pedido a produção de relatórios contra a plataforma para abastecer o inquérito das chamadas “fake news”, relatado por ele.

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A ofensiva que passou a tentar censurar conteúdos e perfis na rede foi mais uma das várias apuradas feitas pelo jornal Folha de S. Paulo a partir do vazamento de mensagens trocadas pelo ministro com o juiz auxiliar dele no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Antônio Vargas, e membros da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED). À Gazeta do Povo, o STF afirmou que não se pronunciará sobre a nova apuração.

Em meados de agosto, a Folha revelou uma série de reportagens que revelam que Moraes teria ordenado – fora do rito processual, apenas por mensagens de WhatsApp – a produção de relatórios contra investigados pela Corte, de modo a abastecer os inquéritos relatados por ele. Os alvos, segundo mostram as mensagens, foram principalmente de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

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De acordo com esta nova apuração publicada já no fim da noite desta terça (3), Moraes intensificou a pressão sobre o X após a aquisição por Musk, que se recusou a moderar conteúdos conforme as diretrizes defendidas pelo TSE. As conversas são datadas de março de 2023, cinco meses após as eleições no Brasil, e evidenciam o início do conflito entre Moraes e a plataforma e que levou à ordem de suspensão da rede social no país na última sexta (30).

Durante as eleições de 2022, o TSE firmou parcerias com redes sociais para recomendar a exclusão de publicações que supostamente espalhavam desinformação ou discursos de ódio. No entanto, com a chegada de Musk ao comando da empresa, o X passou a contestar essas orientações.

Em março de 2023, após reuniões e notificações sobre a recusa da plataforma em atender aos pedidos do tribunal, Moraes decidiu endurecer a postura.

“Então vamos endurecer com eles. Prepare relatórios em relação a esses casos e mande para o inq das fake news. Vou mandar tirar sob pena de multa”, disse Moraes em uma mensagem reencaminhada por Vargas ao grupo, reforçando a necessidade de ação rigorosa contra a empresa.

Vargas respondeu: “vamos caprichar”.

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A conversa que marcou a mudança de atitude ocorreu no dia 17 de março, quando Vargas compartilhou uma publicação no grupo sobre a soltura de presos pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Ele pediu o contato de algum representante do então Twitter (Musk mudou o nome para X em julho daquele ano), e recebeu a indicação de Hugo Rodríguez, que representava a plataforma na América Latina.

Na sequência, o servidor Frederico Alvim sugeriu aumentar o escopo da parceria com a plataforma, propondo que conteúdos similares fossem excluídos com base em alertas emitidos pelo TSE.

Alvim apontou as dificuldades enfrentadas com a nova administração de Musk, que restringiu a moderação de conteúdos a um colegiado.

Após uma reunião com representantes do X, incluindo Hugo Rodríguez, Alvim relatou que, fora do período eleitoral, a moderação de conteúdo seria orientada por regras gerais, sem tratamento especial para o TSE.

“Com a entrada do Elon Musk, a moderação caminha cada vez mais para ter como base a proteção da segurança, mais do que a proteção da verdade”, explicou Alvim, acrescentando que "mentiras" sem risco concreto de violência não seriam moderadas pela plataforma.

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Ele acrescentou afirmando que “trocando em miúdos, uma mentira desassociada de um risco concreto tende a não receber uma moderação. A moderação só ocorre quando houver discurso violento, discurso de ódio e cogitação de alguma espécie mais palpável de dano (incitação de um ato de depredação ou coisa do tipo). Com o detalhe de que o 'risco à democracia', por não ser tangível, não entra nesse conceito”.

O Twitter alegou que teria adotado as chamadas “notas de comunidade” para combater supostas desinformações, e afirmou que estudos ao longo de dois anos apontaram uma redução de 20% a 40% do “potencial de enganar pessoas”, segundo relatou Alvim.

Diante das dificuldades em obter a remoção de conteúdos ofensivos, a equipe do TSE decidiu seguir a orientação de Moraes e preparar relatórios para subsidiar ações judiciais. “Resolvido. Vamos caprichar no relatório para esse fim”, afirmou Vargas no grupo, após comunicar a nova diretriz aos integrantes.

Entenda o caso

Trocas de mensagens entre servidores do STF e do TSE, obtidas pela Folha de S. Paulo, mostraram que o gabinete de Alexandre de Moraes teria ordenado informalmente à Justiça Eleitoral a produção de relatórios contra apoiadores de Bolsonaro e comentaristas de direita para embasar decisões do ministro em inquéritos em andamento na Suprema Corte. 

A troca de mensagens sugere que houve supostamente adulteração de documentos, prática de pesca probatória, abuso de autoridade e possíveis fraudes de provas. 

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Os alvos escolhidos sofreram bloqueios de seus perfis nas redes sociais, apreensão de passaportes, intimações para depoimento à PF, entre outras medidas. Todos os pedidos para investigação e produção de relatórios eram feitos via WhatsApp, sem registros formais.  

As conversas vazadas envolveram Airton Vieira, o juiz instrutor de Moraes no STF, Marco Antônio Vargas, seu juiz auxiliar na presidência no TSE, e Eduardo Tagliaferro, o chefe da AEED - o órgão era subordinado a Moraes na corte eleitoral.

As mensagens e áudios ocorreram entre agosto de 2022 e maio de 2023 e mostram perseguição aos jornalistas Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo, à Revista Oeste, ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), entre outros nomes de direita. 

Em nota enviada à Gazeta do Povo, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes negou qualquer irregularidade nas requisições dos relatórios. Moraes argumenta que o TSE, "no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas".

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