O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) réu por liderar a suposta tentativa de golpe de Estado. Ele foi o primeiro ministro da Primeira Turma do STF a votar nesta quarta (26). O colegiado decidiu, por unanimidade, aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o "núcleo 1", que inclui Bolsonaro e outros sete acusados.
Moraes, relator do processo, ressaltou que Bolsonaro tem a imputação de supostamente ter liderado o grupo.
“Há indícios razoáveis de recebimento da denúncia da PGR que aponta Bolsonaro como líder da organização criminosa”, pontuou citando que o plano teria sido iniciado em 2021 para questionar a segurança do sistema eletrônico de votação. Ele estendeu a aceitação da denúncia aos demais citados na investigação do que seria o "núcleo crucial" da suposta tentativa de golpe de Estado.
Ele reforçou, ao final da explicação, que "não há duvidas que a Procuradoria apontou elementos mais do que suficientes, indícios razoáveis e suficientes de autoria e justa causa para o recebimento da denúncia contra Jair Messias Bolsonaro".
Moraes contestou as afirmações do advogado Celso Vilardi de que não haveria provas ligando-o à suposta tentativa de golpe de Estado, e que inclusive teria feito uma “ponte” entre o ministro José Múcio Monteiro e o comando das Forças Armadas para iniciar a transição na área militar.
Ele ainda lembrou de uma live para supostamente incitar a população a pedir uma “intervenção das Forças Armadas”, o que, segundo Moraes, ficou comprovado com depoimentos de réus confessos de que “se pretendia no dia 8 de janeiro” para “se convocar uma GLO e o Exército seria recepcionado por aqueles golpistas”.
“E convencidos, segundo os organizadores, proclamar o golpe militar e destituir o governo legitimamente eleito”, pontuou.
Moraes pontuou episódios seguintes de incitação ao golpe, como uma manifestação na Avenida Paulista em 2021 contra ele de que “não cumpriria mais ordens judiciais”, convocou a reunião com embaixadores em 2022 para levantar dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro – “desvio de finalidade” que o levou à inelegibilidade –, entre outros fatos.
O magistrado ainda citou que Bolsonaro teve conhecimento do resultado do relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação do primeiro turno das eleições de 2022. A comissão formada naquele pleito confirmou que não havia nenhuma fraude, mas que o ex-presidente teria determinado a elaboração de um novo relatório tido por Moraes como “patético”, em se determinou que deveria dizer que "não há possibilidade de comprovar que algum dia não haverá fraude".
Moraes ainda apontou que, após as eleições, Bolsonaro assinou uma ordem técnica aos comandos das Forças Armadas para permitir que manifestantes continuassem acampados em frente aos quarteis “para pedir decretação de golpe de Estado, do AI-5, da tortura, da quebra da normalidade”.
“Não há mais nenhuma dúvida que o denunciado Jair Messias Bolsonaro conhecia, manuseava e discutia sobre a minuta do golpe, não há duvida”, ressaltou Moraes explicando as alterações que foram feitas no documento “ora de estado de sítio e ora de defesa”.
Ele citou que a minuta foi apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres e no celular do tenente-coronel Mauro Cid. Moraes cita que os comandantes do Exército e da Aeronáutica se recusaram a assiná-la.
Veja mais abaixo as alegações detalhadas contra cada um dos demais denunciados pela PGR.
"Projeto autoritário de poder", diz Moraes
Durante a explicação do voto, o ministro relembrou alguns dos pontos da denúncia feita pela PGR e afirmou que as defesas tiveram amplo conhecimento dos fatos. Moraes citou trechos que tratam da suposta liderança de Bolsonaro em "projeto autoritário de poder com forte influência de setores militares", com disposição hierárquica de ações, entre eles o "núcleo crucial da organização criminosa".
Ele ainda afirmou que a PGR foi "coerente" com a exposição dos fatos, com a descrição satisfatória dos fatos, como a tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito, e que foi dado o amplo direito à defesa ao contraditório.
“A materialidade já foi reconhecida por esse STF em 474 denúncias, que tem idêntica materialidade, os mesmos crimes narrados. Já com 251 condenações, quatro absolvições e 219 ações penais em andamento, e essa materialidade foi detalhada anteriormente, nos meus votos”, pontuou citando a tentativa de deposição do governo legitimamente eleito em 2022.
Defesas reconheceram gravidade do 8/1
Durante a leitura do voto, Moraes afirmou que também foi reconhecida a materialidade específica quanto à tentativa de golpe de Estado dos envolvidos. De acordo com ele, as defesas reconheceram a gravidade dos atos ocorridos no dia 8 de janeiro.
“Ficou comprovado que os crimes praticados no 8 de janeiro, em relação à sua materialidade, foram gravíssimos. E todas, salvo duas sustentações orais, independentemente de apresentarem suas defesas, reconheceram a gravidade dos fatos ocorridos”, emendou ressaltando que "não houve um domingo no parque, um passeio".
Ele relembrou a afirmação de que seria "mentira" a narrativa sobre "velhinhas com Bíblia na mão" e de protesto com batom -- em referência à cabeleireira que vandalizou a estátua da Justiça em frente ao STF.
"Ninguém que lá estava, estava passeando, pois estava tudo bloqueado [pela polícia] e houve a necessidade de romper os bloqueios", pontuou exibindo um vídeo com os ataques dos manifestantes às forças de segurança, inclusive de uma agente que foi atingida por um golpe com uma barra de ferro.
"Nenhuma bíblia é vista, e nenhum batom é visto neste momento", completou Moraes em citação ao vídeo que mostra, ainda, uma faixa pedindo a intervenção militar. "Uma violência selvagem, uma incivilidade total", emendou.
Com isso, disse Moraes, "não há nenhuma inépcia da denúncia como alegado pelas defesas. A descrição fática da denúncia permite o amplo contraditório da defesa. Da mesma forma, está presente a justa causa para a instauração da ação penal".
Participação dos denunciados
Durante a apresentação do voto, Moraes citou os elementos probatórios contra cada um dos citados na denúncia da PGR.
“A PGR apresentou, em relação aos oito denunciados, os indícios mínimos de autoria, o que possibilita a instauração da ação penal e, a partir daí, o direito ao contraditório e a instrução penal”, citou Moraes explicando os indícios referentes a cada um dos citados pela procuradoria.
De acordo com ele, Alexandre Ramagem (ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência - Abin - e atual deputado federal pelo PL-RJ), por exemplo, foi um dos responsáveis por “preparar a narrativa a ser difundida pelo ex-presidente contra as urnas eletrônicas”. Ele teria, ainda, dado munição narrativa para Bolsonaro contestar o resultado da eleição de 2018, de que supostamente teria sido eleito ainda no primeiro turno.
Moraes determinou, com base na legislação, que a Câmara dos Deputados seja oficiada sobre a denúncia contra Ramagem para responder aos crimes ocorridos após a diplomação de deputado federal.
Em relação ao almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha que teria sido o único integrante do alto comando das Forças Armadas a aderir ao suposto plano de golpe, Moraes cita que o militar atuou junto a Bolsonaro para elaborar uma minuta golpista após a eleição de 2022, para “seguir as ordens que fossem necessárias para implementar o golpe ou o decreto golpista”, e para pressionar os demais comandantes que não aderiram.
No caso de Anderson Torres, então ministro da Justiça de Bolsonaro e secretário de Segurança Pública do DF no 8 de janeiro, Moraes diz que “há indícios” para o recebimento da denúncia com base em supostas “informações falsas” sobre as urnas eletrônicas. Citou, ainda, a suposta minuta de golpe encontrada na casa dele durante as investigações e lembrou que, quando foi preso após voltar dos Estados Unidos, não trouxe de volta o telefone celular para ser periciado pela Polícia Federal.
Já em relação ao general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Moraes pontuou que ajudou a “estruturar o discurso de desinformação amplamente divulgado pelas falas do ex-presidente da República”, principalmente para “descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro”, além de “coagir a policia federal a ignorar as ordens judiciais proferidas pelo STF”.
Em relação ao tenente-coronel Mauro Cid, que fez o acordo de delação premiada para embasar as investigações, Moraes apontou que não havia necessidade de detalhar a participação e que ele confessou os fatos. “Obviamente a denúncia deve ser recebida com a confissão dos fatos”, disse.
Já sobre Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, Moraes votou pelo recebimento da denúncia também por haver indícios suficientes de que ele participou das discussões sobre a “minuta golpista”. Ele teria, ainda, alterado a conclusão do relatório da comissão de fiscalização das urnas eletrônicas – citada nas alegações referentes a Bolsonaro.
Por fim, em relação ao general Walter Braga Netto, Moraes rebateu a alegação da defesa de que a Polícia Federal não teria o ouvido, o que não se confirma. Ele foi chamado para depor e teve a oportunidade de permanecer e silêncio.
“Há comprovação de conversas, reunião, é indício suficiente para que se abra a investigação”, disse Moraes em referência ao planejamento da operação Punhal Verde e Amarelo, que pretendia executar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o próprio Moraes.
Também foram confirmadas as ações de Braga Netto em relação aos “movimentos populares” em frente aos quartéis para que “tenham esperança” que “algo iria acontecer” no final de 2022.
Julgamento da denúncia
Esta é a terceira sessão de julgamento para decidir se o STF recebe ou não a denúncia proposta pela PGR contra Bolsonaro e mais sete aliados por suposta participação no plano de tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Nas duas primeiras sessões na terça (25), Moraes apresentou o relatório do processo, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, fez a acusação e os advogados fizeram as defesas dos citados.
São julgadas nesta fase as denúncias do “núcleo crucial”, que engloba também os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Anderson Torres (Justiça).
Também foram denunciados o almirante Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha); o atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro; e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, cuja delação premiada embasou a investigação sobre o caso.
No primeiro dia do julgamento, as defesas negaram a participação dos acusados, pediram a nulidade da delação de Cid e solicitaram que a análise fosse levada ao plenário da Corte. Todos os requerimentos foram negados pelos ministros da Primeira Turma.
Os denunciados pela PGR são acusados pelos crimes de:
- organização criminosa armada, com pena de 3 a 8 anos de prisão;
- abolição violenta do Estado Democrático de Direito, com pena de 4 a 8 anos;
- golpe de Estado, com pena de 4 a 12 anos de reclusão;
- dano qualificado contra patrimônio da União, com pena de 6 meses a 3 anos; e
- deterioração de patrimônio tombado, com pena de 1 a 3 anos de detenção.
Na denúncia, apresentada em 18 de fevereiro, Gonet sustentou que a articulação para um golpe de Estado que impedisse a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou em meados de 2021, quando Bolsonaro intensificou manifestações para colocar em dúvida a integridade das urnas eletrônicas.
Para a PGR, desde essa época, o ex-presidente e seu entorno queriam descredibilizar o sistema eletrônico de votação e a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que, numa eventual derrota na disputa eleitoral para Lula, Bolsonaro pudesse justificar uma intervenção no TSE, com auxílio das Forças Armadas, para revisar o resultado do pleito.
“O grupo registrou a ideia de ‘estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações’ e de replicar essa narrativa ‘novamente e constantemente’, a fim de deslegitimar possível resultado eleitoral que lhe fosse desfavorável e propiciar condições indutoras da deposição do governo eleito”, diz a denúncia.
A PGR elencou atos que, ao longo de um ano e meio, teriam levado Bolsonaro a incitar a população a uma revolta contra a eventual vitória de Lula, o que teria ocorrido nos acampamentos montados em frente a quartéis do Exército, após a derrota, e se materializado no dia 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação dos prédios do STF, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional.
Os advogados de defesa, por sua vez, sustentaram que eles não tiveram efetiva participação nos planos de ruptura encontrados na investigação da Polícia Federal. Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro, afirmou que o ex-presidente “não participou, não aderiu, não autorizou” nenhuma medida de força para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023.
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